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sábado, 28 de janeiro de 2012

Kurt Gerstein - Parte 1 - Um alemão como tanto outros: O peso de uma tradição

Kurt Gerstein cercado por um círculo de participantes escola da Bíblia , que funcionou até 1934.  Foto: Landeskirchliches Archiv der Kirche von Westfalen Evangelischen(Arquivos da Igreja Evangélica de Westphalia)

I. O PESO DE UMA TRADIÇÃO

Quando, em Maio de 1933, três meses antes da ascensão de Hitler ao poder, o jovem engenheiro de minas Kurt Gerstein adere ao partido nacional-socialista, a sua escolha, como a de outros milhões de protestantes alemães, é em parte o resultado de uma educação autoritária, de uma tradição nacionalista e de uma influência religiosa que estabelece o elo entre as duas. Kurt Gerstein nasceu em Münster, em 11 de Agosto de 1905, sexto filho de uma família de sete. Por linha paterna (o pai chamava-se Ludwig), os Gerstein são «de sangue ariano puro» e originários, na maioria, da Baixa Saxônia. Tendo habitado a margem esquerda do Reno desde o século XVI, a família tinha dado aos seus soberanos uma longa linhagem de funcionários, sobretudo de juízes. A única exceção foi o bisavô de Kurt: depois de uma curta carreira de tenente, reforma-se e vive dos rendimentos, gasta a fortuna e tenta tornar-se escritor. Foi o único que não «triunfou» ... Por linha materna, os Schmemann, de há muitas gerações vivendo em Dortmund, são quase todos fornecedores e comerciantes (1). De ambas as partes, os antepassados de Kurt são representantes exemplares de uma burguesia prussiana estritamente chauvinista no conjunto e, desde 1891, incondicionalmente dedicada à grandeza do Império e totalmente submetida à autoridade:
   Tu és soldado, funcionário, e deves obedecer às ordens, dos teus superiores. A responsabilidade cabe ao que dá  as ordens e não ao que as executa. Não pode haver desobediência. Deves fazer o que te mandam. Foi o que aprendi como velho funcionário prussiano e antigo oficial (...) (2)
Estas palavras de Ludwig Gerstein a Kurt na primavera de 1944 exprimem toda a ética da sua vida de magistrado. São a única resposta a um filho que perguntava:
   Teremos o direito de dilapidar esse penhor que nos foi confiado, a justiça? Podemos renunciar a essa bondade que dizem que nos distingue das outras criaturas? (3)
 Na Primeira Guerra Mundial, Ludwig Gerstein alista-se com três filhos; o mais velho cai em Cambrai, em 1918. Para a família Gerstein, depois do luto e da derrota vem a evacuação; com efeito, as autoridades francesas de ocupação expulsam o pai do lugar que ocupava desde 1911 no tribunal de Sarrebruck. Nomeado juiz em Halberstadt, e depois, em 1921, em Neuruppin, Ludwig Gerstein impõe à família uma vida ainda mais limitada e severa do que antes: «Perdemos a guerra e ficamos pobres», costumava dizer (4), para justificar a sua parcimônia crescente. Os castigos são numerosos, mas sobretudo aplicados com uma frieza e uma dureza que Kurt recordaria por muitos anos (5).

 Na mãe, o jovem Gerstein também não encontra o calor de que necessita. Sentir-se-ia durante muito tempo abandonado por ela e só muito mais tarde, depois da sua morte, compreende através de uma carta encontrada acidentalmente até que ponto ela sofria por não lhe dedicar mais tempo(6). A tensão entre Kurt e a família desenvolve-se nesta atmosfera completamente dominada pela autoridade paterna:
   Foi certamente o mais difícil dos sete filhos de meus pais, diz Karl Gerstein, irmão de Kurt. Houve muitas tensões entre ele, os pais, os irmãos e as irmãs. Era de trato difícil e sempre fez o que queria. Sentia-se nele qualquer coisa de aventureiro. A sua atração consciente pela Igreja começou a dar-se nos últimos anos em que esteve na escola (...)(7)
   Era, diz um dos seus amigos de juventude, um idealista apaixonado, mas sempre o enfant terrible da família.

Esta revolta não é só a de Kurt Gerstein, é a reação de toda uma juventude, a dos Wandervogel e de Langemarck. Efêmera, conduziria na maioria dos casos a uma mística da autoridade e a uma necessidade de total submissão. Para o próprio Kurt Gerstein, a autoridade seria o fundamento inquebrantável de toda a sua educação:
   A autoridade e a confiança (...) são os dois fundamentos da educação. A autoridade é uma proporção justa de respeito, estima, severidade e coerência.(9)
Eis, de resto, a sua imagem de Deus:
   Ele (Deus) é a todo o momento o criador e O que controla e domina tudo, e sem o seu conhecimento e a sua vontade nem mesmo um grão de areia do fundo do mar se pode juntar a outro (...)(10).
É Ludwig Gerstein recoberto da majestade divina.

 Na adolescência, Kurt Gerstein parece não ter suportado melhor a disciplina imposta pela escola do que a do meio familiar. Nos liceus de Sarrebruck Halberstadt e Neuruppin onde fez os estudos secundários, deixou a recordação de um aluno mais inteligente do que assíduo mais inclinado aos divertimentos de todos os tipos do que aos sólidos estudos clássicos:
   Tinha sempre as piores notas, quer nos estudos quer em comportamento, escreve o professor de grego de Halberstadt, Schinke. Mas isso não o preocupava nada. Pelo contrário, dava a impressão de se divertir com a opinião desfavorável que se pudesse ter dele ( ...) Foram em vão todos os esforços no sentido de exercer uma influência sobre ele e levá-lo a mudar de atitude(11).
Acumulavam-se os castigos por «ter feito um buraco na carteira e lesado a propriedade do Estado...», «por ter protestado escrevendo uma frase no quadro contra os trabalhos de casa de latim...», «por ter faltado muitas vezes à escola, por vezes dias inteiros...» .

Quando, um dia, o professor de grego, Schinke, o obriga a ir à escola depois da hora das aulas, aluga um trem e consegue ultrapassar o mestre que se dirige a pé para o estabelecimento: um cumprimento de chapéu, e Kurt Gerstein continua o seu caminho deixando para trás o professor estupefato...(12).

Apesar de tudo, aos vinte anos tinha terminado o ensino secundário.

Kurt Gerstein destina-se à carreira de engenheiro. Em 1925, entra na Universidade de Marburgo e simultaneamente numa confraria de estudantes, a Teutonia, uma das mais nacionalistas de toda a Alemanha.
   Quando era estudante, escreve o pai em 1949, entrou a meu pedido para uma confraria, mas não como membro efetivo; foi unicamente «semi-membro», sem quaisquer direitos (14).
Mais tarde Gerstein criticaria a superficialidade dos estudantes da Teutonia e as cerimônias da confraria. Mas não repudia o nacionalismo intenso dos corpos de estudantes. Sob este ponto de vista, Kurt Gerstein está de acordo com a família e o meio; durante muito tempo seria um nacionalista alemão convicto. No seu relatório de Abril de 1945, diz ter sido partidário de Stresemann e de Brüning. Mas estava sem dúvida mais próximo da direita «nacional-alemã», a que o pai pertencia 16, a direita que rejeitava o «sistema» de Weimar, o «sistema» dos partidos, sonhava com o renascimento de uma Alemanha poderosa e vasta. Assim, num artigo intitulado «Um einen neuen Wehrwillen» (Para um novo desejo de armamento), Kurt Gerstein retoma, em Janeiro de 1933, o essencial das fórmulas «nacionais-alemãs»: a «ganância» dos inimigos da Alemanha, o «pacifismo mole» e a necessidade absoluta de um rearmamento do país para evitar «o suicídio e o abandono cobarde do direito do nosso povo à existência». Temos muitas provas deste nacionalismo ardente que Kurt Gerstein manifesta nos anos trinta. O discurso que pronuncia quando da dissolução dos Bibelkreise é particularmente característico neste ponto. Mas, no conjunto, põe-se um problema: este tipo de nacionalismo está muitas vezes associado, entre a burguesia alemã da época, a um anti-semitismo mais ou menos manifesto. Os Gerstein serão também anti-semitas?

O álbum genealógico da família, redigido por Ludwig Gerstein em 1934, tem duas passagens interessantes sobre isto:
   Numa viagem à América em 1933, escreve Ludwig, Johann Daniel Gerstein verificou que havia 12' «Gerstein» na lista telefônica de Nova Iorque. As suas perguntas, responderam que se tratava provavelmente de judeus  que tentavam esconder a sua origem sob esses nomes. Isso era comum e permitido.
   Em 1890, um judeu, o médico Richard Goldstein de hamburgo, mudou o nome para Gerstein. O meu irmão Karl apresentou uma queixa no senado da cidade, mas sem exito, embora lhe prometessem que não se voltaria a repetir tal coisa. Uma outra queixa minha em 1933 não teve resposta. Em Berlim estudava em 1930 na escola técnica superior de Charlottenburgo um apátrida de nome Gerstein. Um judeu russo, engenheiro, chamado Bernhard Gerstein foi identificado na lista telefônica de Berlim(19).
O mesmo álbum genealógico acaba com «uma exortação aos descendentes»:
   Nas nossas veias só há sangue ariano, lembra Ludwig Gerstein à posteridade dos Gerstein, conservem a pureza da raça!(20)  
No entanto, uma testemunha judia escreveu depois da guerra:
No advento de Hitler, ele (Ludwig Gerstein) deu provas de coragem (...) Foi ao escritório do meu pai e do sócio, advogados judeus de Hagen, para lhes comunicar as primeiras medidas contra os judeus e para lhes dizer que lamentava imenso (...)(21)
Em Ludwig Gerstein encontramos um anti-semitismo moderado. Kurt, veremos mais tarde, pelo menos temporàriamente, não se subtraiu inteiramente a esse preconceito.

 Depois de três semestres na Universidade de Marburgo, Gerstein continua os seus estudos nas escolas politécnicas de Aix-la-Chapelle e de Berlim-Charlottenburgo. Em 1931 faz o exame de engenheiro de minas. Mas estes são os aspectos «exteriores» da sua existência: entretanto a sua personalidade sofreu a influência determinante da religião.
   Na escola primária, escreve Gerstein, tínhamos um sólido ensino religioso. De resto, devo à nossa criada (...) ter-me ensinado muito cedo a tomar Deus a sério. Neste campo a minha família não me podia dar muito. Nunca se falava de Deus (...) O ensino religioso exangue e formalista que recebi na escola não matou a minha sede. Ninguém me mostrava o caminho da igreja (...) (22)
Neste mesmo contexto, Gerstein acaba por falar nos problemas sexuais da sua adolescência, e da influência destes na sua atitude em relação a Deus:
Parecia-me que havia nisso algo de terrível, de mau, um segredo imundo. Até aos meus dezessete ou dezoito anos, ninguém me tinha falado em termos racionais do pai e da mãe e da origem do ser humano, de modo que no meu espírito as noções de prostitutas e de procriadoras estavam perigosamente próximas uma da outra(23).
Esta frase, que não prima pela estrutura lógica, é sobretudo significativa pela confusão a que dá origem.
   Ser-me-ia impossível falar com um adulto sobre estas coisas, embora desejasse muito fazê-lo; com efeito, estava no perigo iminente de perder completamente, neste caos interior, todos os objetivos, todos os sentidos(24).
Manifesta depois um profundo sentimento de culpa:
(...) precisamente pela minha falta (...) concluí que para mim não havia ajuda possível e tentei afastar--me de Deus, convencer-me que Ele não existia (...), porque era a única maneira de continuar a viver nesta situação para a qual não via solução. Comecei então a odiar e a combater tudo o que era «religioso», porque tudo isso só podia tornar o meu caminho ainda mais incerto. Apesar de todos os meus esforços (...), não consegui fugir de a experiência sob o Deus. Fiz então a experiência sob o seu aspecto terrível no sentido da frase bíblica: é ter.. raivei cair nas mãos do Deus (...)(25)

 Gerstein faz uma longa descrição dos seus conflitos. É constantemente atormentado por um sentimento culpabilidade e nostalgia da «pureza». Os primeiros anos de universidade não lhe trazem solução; a atmosfera das confrarias de estudantes só contribui para agravar as suas dificuldades.
   Quanto mais ímpio era o meio, mais eu tentava afastar-me, pelo menos interiormente. Tinha de me submeter à disciplina da confraria; acontecia que quando regressava de um local noturno (...) punha-me àvidamente a ler a Bíblia(26).
Gerstein não explica como conseguiu a tranqüilidade: refere-se a um meio de jovens aprendizes, de artífices e de empregados, no qual aprendeu gradualmente a estabelecer «um elo pessoal com Cristo»(27). A sua ansiedade parece ter desaparecido. Os problemas sexuais da adolescência continuam no entanto a preocupá-lo acima de tudo enquanto educador, e seriam o objeto constante de conferências e de trabalhos nos anos seguintes.

Parece provável que a religiosidade de Gerstein tenha sido avivada originalmente por um sentimento de culpa. Com efeito, ele di-lo quase textualmente. O peso desta culpa nunca desaparecerá completamente. Para ele, Deus será sempre um Deus terrível(28).

 A fé intensa de Gerstein e a atividade que mais tarde desenvolve entre os movimentos da juventude evangélica levam-no necessàriamente a confrontar-se com as opções fundamentais do protestantismo alemão sob a República de Weimar.

O protestantismo alemão, autoritário desde o início e nacionalista desde o século XIX, manifesta em relação à República uma neutralidade oficial que encobre uma hostilidade latente.

Não nos referimos neste caso à ala extremista dos «cristãos alemães», essa tendência «ariana», «germânica» e profundamente anti-semita do protestantismo alemão que encontrará, de fato, grande eco na Igreja evangélica; mas as suas teorias, as de Andersen, Frenssen, Hossenfelder não teriam uma influência direta no jovem Gerstein nem nos grupos em que estava integrado. No entanto, o movimento dos cristãos alemães desenvolveu-se numa área muito vasta e de inúmeras influências, que nos anos vinte encontram expressão em todo o protestantismo alemão.

A estreita identificação da autoridade religiosa com a autoridade política, fruto das condições em que se realizou a Reforma e a doutrina de Lutero, dá-se com o II Reich. A união entre o trono e o altar é oficialmente imposta: «O Estado autoritarista germano-prussiano estabelecerá os seus fundamentos ideológicos a partir da ética luterana protestante; à ortodoxia eclesiástica caberão as funções de protetora e guardiã»(29).

Nestas condições, a grande maioria dos chefes do protestantismo alemão são reticentes, se não abertamente hostis, em relação à República democrática que sobrevém à derrota de 1918. A autoridade tradicional desapareceu e com ela a identificação do protestantismo alemão com o Estado. A República proclama a liberdade religiosa: os seus dirigentes são livres-pensadores, «socialistas» por vezes, e aqui e ali vê-se aparecer, em lugares importantes do novo regime ... um judeu. O que o presidente da Jornada Eclesiástica de Dresde exprime no seu discurso de abertura em 1919 no momento em que diz: «O esplendor do Império alemão, o sonho dos nossos pais, o orgulho de cada alemão desapareceu ...» é um sentimento largamente generalizado(30). A neutralidade que os órgãos diretores do protestantismo alemão conservam em relação à República não é muitas vezes senão aparente: sob essa neutralidade, as simpatias dos pastores evangélicos e da maior parte das ovelhas são no sentido de tendências que visam o restabelecimento de uma autoridade forte e a aurora do nacionalismo mais extremista. Para um homem influente como Hans Zehrer, redator da Tat, aurora nacionalista e aurora do protestantismo são° uma e a mesma coisa.

O «caso Dehn» revela, como acentua Max Geiger, o clima que impera no protestantismo alemão durante estes anos.

0 pastor de Berlim Gunther Dehn, dissertando em 1928 em Magdeburgo sobre o tema  «Igreja e reconciliação dos povos», insistia na necessidade de desmitificar a guerra e de lhe subtrair a sua aureola romântica; a morte pela pátria não podia ser identificada ao sacrifício da vida por Cristo; e Dehn perguntava se era dentro dos muros da Igreja que se deveria erigir o cenotáfio com os nomes dos alemãesmortos em combate. 0 grito de indignação provocado pelas declarações do pastor foi enorme: denunciaram-no as autoridades eclesiásticas superiores, e a imprensa reagiu por uma violenta campanha; foi-lhe recusada uma cátedra em Heidelberg e muitos anos mais tarde a sua nomeação para uma cátedra na Universidade de Halle foi acompanhada de incidentes violentos(32).

 Ao culto da autoridade e ao nacionalismo exacerbado de muitos pastores protestantes alemães alia-se um anti-semitismo mais ou menos declarado que, simultaneamente, torna os espíritos permeáveis ao nacional-socialismo: uma das suas bases é uma certa maneira de ensinar a Bíblia, e o anti-semitismo de Stoecker, por exemplo, germinou no terreno da mais rigorosa ortodoxia protestante(33). Mas o próprio nacionalismo dos protestantes alemães do tempo da República, assim como os diversos aspectos da doutrina luterana que exatamente são acentuados nesta época, constituem o fundamento intelectual de uma emoção que lhes é adjetiva. Sem dúvida que nenhum protestante alemão se reconhece no estado de espírito do pastor F. Andersen quando ele diz: «Quem come um judeu, estoira»(34). Mas quantos se insurgem abertamente contra os termos da circular que em 3 de Abril de 1928 o superintendente geral da Kurmark, o Dr. Otto Dibelius, envia aos pastores do seu distrito: «(...) Apesar do tom depreciativo do termo, senti-me sempre anti-semita. Não podem negar que em todas as manifestações de desintegração da civilização moderna o judaísmo desempenhou um papel importante (...)»(35) ?

 Finalmente, a permeabilidade espiritual do protestantismo alemão frente ao nacional-socialismo é reforçada pela debilidade da sua estrutura. Os protestantes da Alemanha não formam uma organização monolítica: são 40 milhões, dos quais 150 000, mais ou menos, pertencem às «Igrejas livres» (batistas, metodistas, etc.), enquanto os outros se distribuem por 28 igrejas, umas luteranas, outras calvinistas. Estas divisões e os problemas internos constantes que provocam dentro do protestantismo alemão convertem-no numa presa mais fácil da propaganda nacional-socialista: sem uma autoridade central dirigente, o protestante alemão é muito mais vulnerável do que o católico do Reich. Não admira que nestas circunstâncias muitos pastores se regozijem com o advento do nacional-socialismo:
   Um poderoso movimento nacional se apoderou do nosso povo, e entusiasmou-o, diz uma declaração da Igreja evangélica de Abril de 1933. Na nação alemã que cresce, manifesta-se uma grande reforma do Reich. Nesta viragem da história proferimos um sim de gratidão. Deus no-la concedeu(36).
Para Wilhelm Niemtiller, o dia 1 de Maio de 1933, proclamado pelos nazis o dia da comunidade nacional, é «um dia pleno de alegria, um dia que desperta esperança»(37)", e o superintendente Dibelius afirma a respeito da vitória eleitoral dos nazis de Março de 1933: «Entre nós muito poucos deixarão de se regozijar do fundo do coração Com esta grande renovação»(38).

No contexto geral do protestantismo alemão, os movimentos da juventude evangélica em que Kurt Gerstein está integrado desempenham nestes anos um papel muito especial.

 Em 1925, Gerstein torna-se membro da Associação dos estudantes alemães cristãos (DCSV); em 1928, membro ativo do Movimento da juventude evangélica (CVJH) e principalmente do Bund deutscher Bibelkreise (BK). É dirigente de círculos em Aix-la-Chapelle, Berlim-Charlottenburgo e sobretudo Hagen; seria uma das personalidades mais importantes dos BK até à sua dissolução em 1934. Tem uma influência considerável nos jovens. Os que estiveram .sob a sua direcção falam de um verdadeiro carisma:
 (...) Onde ele estava, os jovens reuniam-se e rodeavam-no, diz Helmut Franz. Atraía-os por um incrível poder de fascinação que é difícil descrever. Temos de admitir (...) este poder de fascinação era até um perigo (...)(39)
Com os jovens, Gerstein ocupava-se dos seus problemas, praticava desporto ou dava longos passeios. Freqüentemente passava com eles uma parte das férias.

Integrado nestes movimentos de juventude, Gerstein tinha necessàriamente de sofrer a influência da atmosfera que se desenvolveu nos últimos anos da República.

Ainda mais do que dentro do protestantismo no conjunto, distingue-se nos agrupamentos de jovens o repúdio do «materialismo» ambiental, a aspiração do renascimento de uma comunidade nacional «autêntica», livre das disputas de partidos do sistema democrático e orientada por um chefe salvador: «O lugar do jovem cristão é na primeira linha de combate para a renovação do nosso povo», é esse o slogan que resume as aspirações desta juventude(40).

As frases que a Führer-Hilfe publica nos princípios de 1933 são somente uma das inúmeras variações sobre um mesmo tema, aceite pela maioria dos membros dos movimentos evangélicos dos jovens:
Não tínhamos a menor necessidade de mudança de atitude no momento em que a renovação da nação alemã se estendeu à pátria inteira e expulsou o espírito marxista-materialista. A esta renovação dizemos que sim alegre e incondicionalmente (...) Agradecemos a Deus esta transformação miraculosa da história alemã, conseguida através do chanceler Adolf Hitler e do seu partido(41).
Nas palavras de Priepke, foi estabelecido um elo imediato entre «o rei por vontade de Deus» e «o Führer carismático». Nos dois casos era o escolhido por Deus, o homem abençoado que a comunidade nacional devia seguir: «O rei chamou, e todos, todos acorreram»(42).

É provável que as influências simultâneas da educação autoritária, da tradição nacionalista e da atmosfera do protestantismo alemão tenham contribuído para a decisão de Kurt Gerstein de aderir ao partido nacional-socialista em Maio de 1933. O próprio Gerstein nunca explicou as razões da sua escolha. A única declaração de que dispomos sobre este ponto é a do pastor Rehling, de Hagen, que conhecia Gerstein desde 1928. Rehling descreve uma conversa entre ambos, em 1932. Alguns membros das S. A. tinham acabado de assassinar uma família operária de Potempa. Os assassinos foram condenados à morte. Hitler telegrafa então ao chanceler: «Herr von Papen! Não concordo com a sua objetividade sanguinária!»
A conversa de Rehling com Gerstein passa-se no dia seguinte a estes acontecimentos:

   Dizia eu que daí em diante um cristão não podia continuar do lado da NSDAP (...) Porque se todos éramos iguais perante Deus, éramos também iguais perante a lei. Se Hitler considerava isso uma objetividade sanguinária, seriam inevitáveis as mais graves discórdias entre o Estado e a Igreja (no caso de Hitler vir a ser chanceler) (...): «Tomai-vos do nosso membros partido! Porque o que está do lado da razão pode matar e será absolvido». Gerstein estava espantado: «Vê as coisas com una tons demasiadamente sombrios! Quantas vezes na História os veredictos foram pronunciados sobre a influência da política! E Isso não levou à ruína dos Estados! Talvez devamos mesmo entrar para o partido se esse perigo existe. Dentro dele há forças vivas. Como pretende que se ajude senão estando dentro das coisas? Pode acontecer-lhe vir a ter de dizer um dia: «Cristãos, entrai para o par-tido!». Respondi. «Diz isso porque espera mais tarde poder vir a fazer alguma coisa. Mas segundo o «Führerprinzip», são os de cima que decidem, os outros só têm que obedecer! O que se deixa arrastar pela avalancha só aumenta o número dos que cairão na derrocada».
   Não o convenci, mas deixei-o pensativo. Apesar de muitas hesitações, Gerstein julga dever entrar para o Partido em 1933. Era assim que via possibilidades de ajudar
(43).
E contudo, em Outubro de 1933, Kurt Gerstein entra para as S. A.

Fontes:
1  - Ludwig Gerstein (ed.), Ahnen-Tafel der Familien Schmemann u. Gerstein, Selbstverlag, 1934.
2 - Carta de Ludwig Gerstein a Elfriede Gerstein, 24 de Março de 1946, KGH.
3 - Carta de Kurt Gerstein ao pai, 5 de Março de 1944, KGH.
4 - Carta de Elfriede Gerstein, 16 de Janeiro de 1967.
5 - Idem.
6 - Idem.
7 - Karl Gerstein, «Mein Bruder Kurt Gerstein», conferência feita em Bona, Outubro de 1964, KGH.
8 - Testemunho de Oskar Hammelsbeck, 1965 (citado em Der Aus-senseiter de Heiner Lichtenstein. W. D. R., 25 de Julho de 1965).
9 - Kurt Gerstein, Um Ehre und Reinheit (2.• edição), Selbstverlag, 1937, p. 83.
10 lbid, p. 21.
11 - Carta de Gerhard Schinke, 10 de Setembro de 1965, KGH.
12 - Carta de Elfriede Gerstein, 16 de Janeiro de 1967.
13 -  Carta de Gerhard Schinke, 10 de Setembro de 1965, KHG
14 - Carta de Ludwig Gerstein, 1 de Fevereiro de 1949, KGH.
15 - Kurt Gerstein, Um Ehre und Reinheit (II), p. 19.
16 - Helmut Franz, Kurt Gerstein, Aussienseiter des Widerstandes der Kirche gegen Hitler,  EVZ, Zurique, 1964, pp. 39 e 40.
17 - Kurt Gerstein, «Um einen neuen Wehrwillen.», Schwerthreuz, janeiro de 1933.
18 - Cf. infra p. 38.
19 - Ahnen-Tafel Ludwig der Familien Schmemann u. Gerstein, ed.  Ludwig Gerstein, Selbstverlag, 1934, p. 123. u
20 -  Ibid., p. 186.
21 - Testemunho de R. Coste, 8 de Setembro 1951, CDJC, 21 Paris.
22 - Kurt Gerstein, Um Ehre und Reinheit, p. 13.
23 - Ibid.
24 - Ibid., P. 14.
25 - Ibid., p. 14.
26 - Ibid., p. 16.
27 - Ibid., p. 16.
28 - Consultar o que diz Helmut Franz em 1943, em Helmut Franz, op. cit., p. 102
29 - Max Geiger, Der Deutsche Kirchenkampf 1933-1946, EVZ Verlag, Zurique, 1965, p. 13.
30 - Idem.
31 - George Mossef, «Die deutsche Rechte», Entscheidungsjahr 1932, J. C B. Mohr, Tiibingen, 1965, p.. 216.
32 -  Max Geiger, op. cit., p. 16.
33 - George Mosse, loc. cit.
34 - Hans-Joachim Kraus, «Die evangelische Kirche», Entscheidungsiahr 1932, p. 254.,
35 - Colecção Frankenhuis, Nova Iorque.,
36 - George Casalis, Karl Barth, Labor et Fides, Genebra, 1960, P, 32.
37 - George Messe, loc. cit.
38 - Günther Van Norden, Kirche in der Krise, 1933,  Presseverband der evangelischen Kirche Rh einland, Düsseldorf, 1963, p. 43.
39 - Helmut Franz, op. cit., p. 15.
40 - Manfred Priepke, Die evangelische Jugend Si dritten Reich 1933-1936, Norddeutsche Verlagsanstalt, Hanover, 1960, p. 47..
41 -  Ibid.
42 -  Manfred Priepke, op. cit., p. 39.
43 - Kurt Rehling, «Ein Aussenseiter des Widerstancies Kurt Gerstein; sein Leben und sein Wirken in der Sicht eines Freundes», Unsere Kirche,1964,

Transcrição: Daniel Moratori (avidanofront.blogspot.com)
Fonte: FRIEDLÄNDER, Saul - Kurt Gerstein: Entre e o homem e a Gestapo, Rio de Janeiro: Moraes Editora, 1968, p 19-32.


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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Confirmadas valas comuns em Treblinka

Treblinka
Arqueólogos forenses britânicos são autores da primeira tentativa científica de localização de restos mortais de vítimas do Holocausto, no campo de concentração de Treblinka, na Polónia.

Entre 1942 e 1943, mais de 800 mil judeus foram mortos em Treblinka. A existência de valas comuns neste campo de concentração era apenas conhecida pelos relatos de sobreviventes, o que originava dúvidas acerca da veracidade dos mesmos.

Um estudo conduzido pela arqueóloga britânica Caroline Sturdy Colls, da Universidade de Birmingham, veio comprovar esses testemunhos. Novas tecnologias aplicadas na investigação - que incluem imagens de satélite, GPS, radar de penetração no solo, levantamento de resistência do solo e aparelhos de imagens elétricas - permitiram localizar seis valas comuns nas áreas referenciadas pelas testemunhas.

Uma destas valas tem 26 metros de comprimento, 17 de largura e, pelo menos, quatro de profundidade.

A pesquisa no terreno permitiu também localizar construções que aparentam ser estruturais, sendo que duas delas são provavelmente restos das câmaras de gás. De acordo com as testemunhas, estas eram as únicas estruturas feitas de tijolos.

De forma a respeitar as tradições religiosas dos judeus - que não permitem a exumação dos corpos - não foram feitas escavações no local. As descobertas foram feitas através do contraste detetado pelas tecnologias modernas entre as propriedades físicas do solo e as características no interior do mesmo, como perturbações causadas por algo enterrado.

Pesquisas anteriores

Um relatório de 1946 encontrou no local "restos de postes queimados, pedaços de arame farpado e secções curtas de estrada pavimentada" e ainda "grandes quantidades de cinzas humanas misturadas com areia e ossos". Apesar de terem sido detetados restos humanos no local, nunca ficou comprovada a existência de valas comuns.

Na pesquisa que começou em 2010, Caroline Sturdy Colls deixou claro que é possível ver fragmentos de osso na superfície do solo, especialmente depois de chover, resultantes das cinzas da cremação dos corpos.

Encobrir crimes de guerra

Ao contrário do campo de concentração de Auschwitz, onde as câmaras de gás e os crematórios continuam de pé, em Treblinka tudo foi destruído.

Hoje em dia, o local onde morreram milhares de pessoas é um memorial de 17 mil pedras com os nomes dos locais de onde eram originários os judeus que para aqui foram transportados.

A decisão de destruir este campo de concentração e cremar os corpos das vítimas aconteceu depois de o Exército alemão ter percebido que deveria encobrir os crimes de guerra.

Em 1943, os nazis abandonaram este campo próximo de Varsóvia. Destruíram todos os edifícios e todos os vestígios que levassem a crer que ali tinha sido montado um campo de concentração. Transformaram então Treblinka numa quinta e plantaram árvores à volta.

Mas para um grupo de arqueólogos forenses todas as provas apontam para o propósito real daquele sítio.



Memorial em Treblinka
Outra reportagem no Publico:

Arqueóloga forense britânica detecta valas comuns em Treblinka
Uma arqueóloga forense britânica, Caroline Sturdy Colls, conseguiu provar através de métodos de investigação modernos a existência de valas comuns no campo de concentração polaco de Treblinka. Num estudo anterior, levado a cabo em 1946, a existência destas campas não tinha ficado provada.

Apesar de não ser tão conhecido como os campos de concentração de Auschwitz e Birkenau, o campo de Treblinka foi outro emblemático local de extermínio nazi na Polónia. Este campo esteve em funções entre Julho de 1942 e Outubro de 1943. Durante esse tempo calcula-se que tenham morrido aí aproximadamente 850.000 pessoas, incluindo mulheres e crianças, maioritariamente judeus mas também cidadãos romenos.

Quando os nazis abandonaram o campo de Treblinka, em 1943 (ainda antes do final da II Guerra Mundial, que só terminou em 1945), destruíram todos os edifícios e eliminaram todos os vestígios de que ali pudesse ter existido um campo de concentração, transformando o local numa quinta.

Mas para uma arqueóloga forense equipada com tecnologia do século XXI, os mais leves indícios foram transformados em certezas: Treblinka foi um local onde se mataram e enterraram pessoas durante a II Guerra Mundial.

Estas conclusões serão  apresentadas hoje num especial da BBC Radio 4 às 20h00.

Apesar de a investigação de 1946 a eventuais crimes de guerra praticados em Treblinka ter detectado restos mortais humanos no solo e “grandes quantidades de cinzas humanas misturadas com areia e ossos”, os responsáveis por esta investigação sempre disseram não ter detectado vestígios da existência de valas comuns.

A existência destas valas comuns tinha apenas sido descrita por testemunhas que sobreviveram ao campo de concentração.

A dúvida permaneceu, por isso, até 2010, altura em que a arqueóloga forense Caroline Sturdy Colls começou a estudar os campos de Treblinka munida com tecnologias modernas, incluindo um radar de penetração no solo, um levantamento de resistência do solo e aparelhos de imagética electrónica.

Os estudos foram levados a cabo sem recurso a escavações, já que isto é contrário às leis e princípios judaicos, que não permitem, por exemplo, a exumação de restos humanos, indica a BBC.

No final das suas análises, Caroline Sturdy Colls detectou grandes valas comuns em áreas que as testemunhas tinham indicado como albergando zonas de cremação e enterro.

Uma das valas comuns teria 26 metros de comprimentos, 17 de largura e pelo menos quatro metros de profundidade. Mais outras cinco valas - variando em comprimento, largura e profundidade - foram igualmente detectadas pelos modernos aparelhos usados na investigação.

Para além das valas comuns, a investigação terá igualmente detectado dois conjuntos de vestígios que parecem ter sido arquitecturais. Ou seja, poderão corresponder aos locais onde estavam instaladas as câmaras de gás. De acordo com os sobreviventes, estas eram as duas únicas estruturas feitas de tijolo no campo de Treblinka.

As ordens de destruição deste campo de concentração próximo de Varsóvia aconteceram depois de o Exército alemão ter descoberto os corpos de polacos assassinados pela polícia secreta soviética em Katyn três anos antes, convencendo a liderança alemã da importância de se encobrirem os crimes de guerra.




Agora o link da BBC, onde tem a matéria em inglês mais detalhada, bem mais completa e interessante, com mais detalhes que a arqueologista Caroline Collis Sturdy explica:

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Depoimento sobre a fuga de prisioneiros de guerra feridos já transportados para o local de execução.


Berdichev, Ucrânia, 1942, soldados alemães guardam os prisioneiros soviéticos ao lado de um forte


Comandante da Policia de Segurança e SD, Zhitomir


DEPOIMENTO DO STURMSCHARFÜHRER SS FRITZ KNOP SOBRE A EVASÃO DE PRISIONEIROS DE GUERRA FERIDOS JÁ TRANSPORTADOS PARA O LOCAL DE EXECUÇÃO



Berditchev

24 de dezembro de 1942

O sturmscharführer SS e secretário-chefe da polícia criminal Fritz Knop, nascido a 18 de Abril de 1897 em Neuklinz distrito de Koeslin, apresentou-se à convocatória. Fritz Knop depôs o seguinte: 

Desde meados de agosto sou em Berditchev o chefe do anexo da polícia de segurança e do SD de Jitomir. A 23 de dezembro de 1942, o chefe-adjunto, o Hauptsturmführer SS Kallbach inspeccionou o serviço local e o campo de educação pelo trabalho que depende do serviço de que estou encarregado. Neste campo de trabalho encontram-se, desde fins de outubro ou princípios de novembro, 78 antigos prisioneiros de guerra transferidos do campo de Jitomir devido à sua inaptidão para o trabalho. Que eu saiba, um certo número de prisioneiros de guerra foi posto em dada altura à disposição do chefe da polícia de segurança e do SD. Em Jitomir escolheu-se entre eles um pequeno número de homens parcialmente aptos para o trabalho, e os outros 78 foram enviados para o campo de trabalho local. Lembrosme que unia parte dos prisioneiros de guerra foi levada de caminhão para um ponto dos arredores. Depois, tais operações foram suspensas a pedido do exército. Não quero que as minhas palavras sejam mal interpretadas: o exército não se opunha de modo algum a estas medidas, mas desejava que, na altura da transferência, esses prisioneiros fossem colocados em alguma parte.

 Os 78 prisioneiros de guerra que se encontravam no campo eram exclusivamente feridos graves. Alguns tinham perdido as duas pernas, outros os dois braços, outros ainda, faltavam-lhes um dos membros. Poucos tinham todos os membros, mas mesmo estes estavam de tal modo diminuídos por outros ferimentos que não podiam executar trabalho algum. Apenas estavam encarregados de cuidar dos primeiros. Quando da inspecção do campo de trabalho a 23 de Dezembro de 1942, o hauptsturmführer SS Kallbach deu ordens para que os 68 ou 70 prisioneiros de guerra que tinham ficado vivos depois dos casos mortais que se tinham registado, fossem submetidos hoje mesmo a tratamento especial (1). Com esse fim mandou pôr à disposição um caminhão com o condutor SS Schaefer que chegou aqui hoje às 11:30h.

 Esta manhã encarreguei da execução o unterscharführer SS Paal, o rottenführer SS Hesselbach e o sturmführer SS Volprecht. Nomeei Volprecht responsável da execução... 

Não me lembrei de assegurar a execução por um comando mais numeroso porque o local designado ficava longe da vista de estranhos e os detidos não podiam fugir dadas as suas enfermidades.

 Cerca das 15 horas telefonaram-me do campo a dizer que um dos colaboradores do meu serviço que devia executar esta missão especial tinha sido ferido e que um prisioneiro tinha fugido. Enviei imediatamente ao local de execução um carro com o hauptscharführer SS Wentzel e o oberscharführer SS Fritsch. Um pouco mais tarde informaram-me de novo do campo que dois colaboradores do meu serviço tinham sido mortos. Parti imediatamente para o campo num automóvel militar que tinha chegado por acaso. Perto do campo encontrei um caminhão com os dois cadáveres. Hesselbach contou-me o que tinha acontecido. Segundo o seu relato, ele, Hesselbach, estava a fuzilar os prisioneiros na vala enquanto os dois outros colaboradores estavam de guarda junto do caminhão. Hesselbach já tinha fuzilado três prisioneiros e tinha o quarto junto de si quando ouviu tiros. Então, matou o quarto prisioneiro, saiu da vala e viu que os prisioneiros corriam em várias direções. Começou a atirar sobre eles e, segundo afirma, matou dois. Fui ao campo e dei ordens para guardarem os detidos com um cuidado particular. Não podia reforçar a guarda porque não dispunha dos homens necessários. Também não podia obter dos outros organismos policiais os homens para reforçar a guarda pois encontravam-se em operações. No campo, Hesselbach deu ordem a um grupo de 20 homens para pesquisar o terreno para encontrar os evadidos. Informei a polícia rural, a guarda e a polícia dos caminhos de ferro. Hesselbach, o condutor e os dois homens enviados por mim enterraram os prisioneiros de guerra fuzilados. 

Gostaria ainda de informar que este incidente teve lugar durante a segunda execução. Esta foi precedida pela execução  de cerca de vinte prisioneiro de guerra que decorreu sem incidentes...

( O Original alemão encontra-se nos arquivos Centrais da U.R.S.S sobre a Revolução de outubro, fundo 7445. registro 2, dossier 126, folhas 132 a 134

Quer dizer, execução.

Transcrição: Daniel Moratori - avidanofront.blogspot.com
Fonte: COELHO, Zeferino - O crime metódico. Ed. Inova Limitada - pg.142-145

Fonte alternativa e complementar:
O depoimento se encontra no link também, para quem quiser dar uma conferida. Tem uma parte a mais do que a no livro, depois das reticencias. Essa frase é assim:


"Imediatamente após o meu retorno, liguei para o comandante Zhitomir com  devolvendo uma mensagem reembolsada. 

Mais informações, eu não tenho que fazer. Digo-vos a minha história é verdadeira e que se a informação não é precisa, receba meu castigo e a expulsão da SS."

Data e hora:

Kuntze

Fritz Knop Ostuf SS, SS St. S

Outra fonte onde tem mais sobre a execução dos prisioneiros mutilados: