domingo, 2 de agosto de 2009

Ação de soldados da FEB II


A têmpera do verdadeiro combatente

Soldado João Martins da Silva - do 1º RI , natural do Estado do Rio de Janeiro.

"Durante o bombardeio de seu posto em Belavista, foi atingido por três estilhaços de granada. Assim ferido , deixou-se fica no mesmo lugar, sem uma queixa sequer. E ali permaneceu cerca de oito horas. Sabedor dos fato pelos companheiros do soldado ferido, o Comandante do pelotão determinou sua evacuação. No Posto de Socorro, interrogado pelo médico porque resolverá calar sobre seu estado de saúde, respondeu-lhe simplesmente que, ciente que os alemães iriam lançar contra-ataques, decidira não se afastar do posto para ajudar a repeli-los, uma vez que o Pelotão se encontrava desfalcado e ainda se sentia forte. Possuía realmente o soldado Martins a têmpera do verdadeiro combatente. O seu exemplo, pela sua grandeza e pelo estoicismo, envaidece a tropa brasileira."

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Fugindo do depósito

Um fato bastante curioso, por exemplo, era a fuga de soldados do Depósito de Pessoal para as unidades em linha. Isso se passava da seguinte maneira. Todo soldado que, por qualquer motivo baixasse ao hospital, ao ter alta não regressava à unidade, mesmo porque sua vaga já havia sido preenchida por outro elemento.
Os militares ao sairem dos hospital, iam para o Depósito de Pessoal, em Staffoli, onde aguardava sua vez. Pois bem, quase diariamente, soldados nessas condições, abandonando a segurança e o conforto do Depósito, que ficava bem à retaguarda, apanhavam a primeira condução que fosse para o "front" e iam juntar-se aos seus companheiros, que andavam metidos em "foxholes", ao sabor das balas inimigas.
Isto era uma indisciplina, atrapalhava o sistema de recomplemento adotado pelo Estado Maior, mas era sobretudo uma prova de destemor, de apego ao seu batalhão, de solidariedade com seus camaradas.
Foram homens dessa têmpera, que depois de feridos continuavam a lutar com mais denodo e, depois de exaustos, ainda faziam um derradeiro esforço, até serem ceifados pela morte; cuja serenidade e sangue frio não perturbavam diante dos estrondos do canhoneiro; homens que disputavam um lugar na vanguarda e partiam satisfeitos para desafiar o inimigo em suas tocas; foram homens dessa fibra que dobraram a resistência alemã e contribuíram de modo decisivo para a conquista da vitória aliada.
Se numa guerra são indispensáveis os recursos materiais, entretanto é inegável que o elemento humano continua a ser o fator predominante. A mecanização dos meios de combate não chegou ainda a prescindir das qualidades morais do homem. A metralhadora mais moderna de nada vale se não tiver um pulso para manejá-la e um vontade para dirigi-la após os grandes bombardeios de aviação e de artilharia, são ainda a coragem e a tenacidade que vencem no terreno. E felizmente essas qualidades morais não faltaram aos nossos homens, como vimos nas citações acima.
O Brasil pode orgulhar-se dos filhos que o representaram no grande conflito mundial, lutando nos campos de batalha europeus. Eles se mostraram dignos herdeiros de seu passado militar e acrescentaram novas glórias à História de nossa Pátria.

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Conduta dos brasileiros no "front" italiano

Até mesmo chefes alemães atestaram, no pós-guerra, a excepcional conduta dos brasileiros no "front" italiano.
Um deles foi o Coronel Rudolf Bohmler, veterano de várias batalhas, participante inclusive da Batalha de Stalingrado e da demorada e sangrenta batalha de Monte Castello. Em seu livro, assim ele se referiu aos soldados brasileiros:
"Sabe-se que não é fácil, para uma tropa não acostumada ao combate, ter de lutar contra veteranos experientes, como os das divisões e regimentos alemães na Itália. O soldado brasileiro, no entanto, mostrou extrema boa vontade e satisfação, demonstrando, juntamente com os seus oficiais, um grande desejo de lutar".

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Citação do Capitão de Infantaria ERNANI AIROSA DA SILVA, da Força Expedicionária Brasileira.

Por serviço meritório em combate, em 19 de setembro de 1944 e 30 de outubro de 1944 na Itália. Em 19 de setembro, durante o ataque e ocupação da cidade de Camaiore, Itália, o Capitão SILVA comandou uma fôrça composta de um pelotão de sua Companhia, um pelotão de carros e um pelotão de reconhecimento. Com completo desprezo pela sua segurança pessoal, o Capitão SIVA comandou suas forças através intenso fogo inimigo de artilharia, morteiros e armas portáteis, destruiu a oposição inimiga e tomou seu objetivo. Em 30 de outubro, durante o ataque a Lama e Lama di Sotto, Itália, o Capitão SILVA ocultou o fato de estar ferido a fim de permanecer no comando de sua companhia e manter-se na posição até receber ordem de retrair do comandante de Regimento. O Capitão SILVA pela sua bravura, comando exemplar e devotamento ao dever, merece um elevado louvor e está de acordo com as altas tradições dos exércitos aliados. Entrou para o serviço militar no Rio de Janeiro, Brasil. ( a ) MARK W. CLARK, Tenente General do Exército dos Estados Unidos, Comandante.
( " A Epopéia dos Apeninos" - JOSÉ DE OLIVEIRA RAMOS - Gráfica Laemmert, Limitada - Rio )

Ação de soldados da FEB I



Ferido em Monte Castelo - FEB

Soldado Vessio Manelli - da 3ª Cia do 1º RI , natural de Sorocaba - São Paulo.

"Fui ferido no primeiro ataque ao Monte Castello, no dia 29 de novembro de 1944. À uma hora da madrugada entramos em posição de base do morro. Recebi ordem para cavar, onde passei a noite. À medida que cavava, o chão ia juntando água, de modo que dormi as poucas horas dentro d'água, enrolado na manta.
Ao raiar do dia foi servida uma ração K e ás sete horas da manhã recebemos ordem de avançar pelas encostas do morro, em terreno descoberto. Choviam granadas e projéteis por todos os lados. Fui ferido logo no começo, primeiro nas costas, quando tentava cavar um abrigo. Foi quando uma rajada de metralhadora me atingiu de novo, dois projeteis, um na coxa outro no flanco, perfurando-me o abdômen.
Não podendo mais me locomover, virei-me para o lado dos alemães e fiquei protegendo a cabeça com o capacete de aço. Recebi outra bala bem no meio do tórax, que moeu minha placa de identidade. Fiquei ali ao alcance do tiros do inimigos durante todo dia. Ao escurecer cessou o fogo e um padioleiro veio a meu socorro e me fez um curativo.
Só ás onze da noite é que veio uma equipe de padioleiros para me transportar para as posições da Cia e dali em um JEEP para o posto de socorro do batalhão.
Colocaram um aparelho de ferro na coxa esquerda e me levaram para o hospital de Valdibura, depois Pistóia, Livorno e Estados Unidos, onde passei um mês e meio em New Orleans e Charleston. Vim então para Recife e daí para o Rio de Janeiro. Fui operado cinco vezes e meu corpo está cheio de cicatrizes".


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Soldado Temer - do III Grupo de Artilharia, natural do Estado de São Paulo."



Em 5-3-1945, no ataque daqule dia, do 6º RI, contra as posições de Soprasso e Castelnuovo, o Soldado Temer fazia parte, como telefonista, da turma de ligação junto ao 1º Batalhão desse Regimento. Caíam sobre o terreno, sem cessar, bombardeios de artilharia e morteiros. Em dado momento arrebentou-se a linha telefônica da turma. Sem perda de tempo, o soldado Temer saiu para repará-la. Em caminho, junto ao encosta ao Soprasso, ouviu vozes em língua estranha para ele. Cautelosamente aproximou-se do abrigo donde partiam os rumores, cerca de quinze metros à sua frente. Aproximou-se mais, e a dois metros dirigiu-se aos desconhecidos em italiano, que respondeu-lhe apenas com um gemido. Prevendo arma engatilhada, chegou mais perto ainda e viu que eram dois alemães os estranhos ocupantes deste abrigo. Um tentou reagir, mas a ação rápida do soldado Temer anulou qualquer reação do inimigo. Aprisionou-os e os entregou a um oficial de infantaria. Em seguida retornou ao local onde se dera o arrebentamento da linha e tranqüilamente passou a repará-la.

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Três Herois Brasileiros


Na Itália, os pracinhas confirmaram a bravura brasileira, lutando, vencendo e até mesmo deixando ali muitas vidas, como sacrifício e prol da liberdade.Dentre os muitos feitos de heroísmo, enfatiza-se a atitude e coragem e abnegação à própria vida de três pracinhas brasileiros, nascidos em Minas Gerais. São eles, Arlindo Lúcio da Silva, Geraldo Baeta da Cruz e Geraldo Rodrigues de Souza.
No ataque a Montese seu pelotão foi detido por intensa barragem de morteiros inimigos, enquanto uma metralhadora hostilizava o seu flanco esquerdo, obrigando os atacantes a se manterem no colados ao solo. O soldado Arlindo , atirador de F.A ., localiza a resistência e junto com os companheiros Geraldo Baeta da Cruz e Geraldo Rodrigues de Souza despejam sobre o posição inimiga os carregadores de suas armas, fazendo a metralhadora alemã calar-se, nessa ocasião são mortos por outros soldados alemães.
Os alemães que tanta dureza e crueldade demostraram durante a guerra, reconheceram naquele trio indômito tamanha valentia e insistente vontade em derrotar o inimigo, que lhes deram uma sepultura rasa , encimada por uma tabuleta com o seguintes dizeres: DREI BRASILIANISHE HELDEN; em Português : TRÊS HEROIS BRASILEIROS.


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"Avancem camaradas"


" Soldado JOÃO PEÇANHA DE CARVALHO - 1º RI, natural de Minas Gerais.Em 12/12/1944:


A citação do Soldado Peçanha tem, no aspecto, duplo valor; estimulo e consagração . Era um soldado apenas, mas brasileiro acima de tudo: tinha o pensamento menos voltado para si do que para a glória de sua terra. A doze de dezembro ultimo, atingido mortalmente por bala inimiga, expirava nos braços de seu comandante, gritando ainda a seus companheiros vizinhos: " AVACEM CAMARADAS" . Era um herói. É um exemplo notável. Reverenciemos o soldado Peçanha e respeitemos sua memória" .

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" Homem de meu grupo não fica ferido, esperando socorro!"

Terceiro Sargento JOSÉ CARLOS DA SILVA - 1º RI, natural de Minas Gerais. Em 12/12/1944:


Seu pelotão, por ordem superior, se retraia no ataque realizado contra as posições inimigas em Monte Castelo, em 12/12/1944. O Sgt. JOSÉ CARLOS, voltou a posição que havia antes conquistado, para resgatar um companheiro que lá jazia ferido, dizendo: " Homem de meu grupo não fica ferido, esperando socorro!" neste mesmo instante foi ferido mortalmente atingido por bala inimiga, ficando ali seu cadáver por dois dias. É um exemplo que, pela sua pureza, pela sua própria elevação, dispensa comentário".


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Liderança do Cap. Bueno


Capitão João Tarcisio Bueno - do 11º RI, natural do Mato Grosso:

No ataque a Monte Castelo, em doze de dezembro ultimo, o Cap. Bueno comandava a 1ª Cia. do 11º RI. Inicialmente marchava em seu lugar próprio, à frente do segundo escalão. Quando se juntaram fogos inimigos sobre a sua Cia. esta entrou numa fase critica. Sem perda de tempo Cap. Bueno tomou a decisão de passar à frente e pessoalmente impulsionar sua tropa, transmitindo-lhe um reflexo novo de entusiasmo. Ao atingir seu objetivo, agora combatendo com granadas de mão, foi gravemente ferido, tão perto das linhas inimigas que permaneceu no local por mais de vinte e quatro horas. O Capitão João Tarcisio Bueno é um raros exemplos de coragem, dignidade, compreensão exata do papel de chefe, tenacidade, todas essas qualidades que fortalecem o ânimo da tropa brasileira e a torna capaz de ações de relevo".


Patrulha do Sargento Onofre

Foi esta uma das primeiras patrulhas lançadas pela 1ª DIE depois de seu deslocamento para o vale do Rio Reno. Embora não esteja compreendida dentro do período que examinamos, decidimos relatá-la, tal é a beleza da cena e a riqueza dos ensinamentos. Comandou-a o 3º Sargento Onofre Ribeiro de Aguiar, da 5ª Cia do 6º RI, que nessa época ocupava posições na região de Torrre di Nerone. Era ele homem disposto e corajoso, consagrado como herói, mercê das suas façanhas anteriores, porém pouco instruído. Seu fuzileiro atirador, soldado Marcílio, era, entretanto, muito inteligente, e também corajoso como ele. Os demais não desmereciam os primeiros, formando um conjunto harmonioso e eficiente. Por volta das dez horas da manhã de 8 de novembro, partiu a patrulha para o objetivo, tendo à testa , o Sargento Onofre. Depois de algum tempo de progressão pela frente da 6ª Cia, deparou-se com uma resistência inimiga, situada a 500m a NE de Torre de Nerone. Tal foi a maneira sutil e habilidosa como progrediu , que não se deixou perceber nem pelos alemães, nem pelas próprias subunidades que se encontravam em posição na região. Ao aproximar-se da referida resistência, o próprio Sargento Onofre verificou que, no seu interior, havia dois homens juntos a uma metralhadora. Sem vacilações, determinou que o atirador ocupasse posições a fim de apoiá-los, enquanto ele, pessoalmente, acompanhado de alguns patrulheiros, iria aprisionar a guarnição alemã com suas armas e bagagens. Ato contínuo, avançaram sorrateiramente ao encontro do inimigo, apanhando de surpresa os dois contemplativos alemães. Ao retraírem-se com os dois prisioneiros, o inimigo, alertado, procurou detê-los. Todavia, o fuzileiro atirador, atento, respondeu prontamente ao fogo contrário, frustrando-lhe a tentativa. Surpresos com a troca de tiros à frente da posição, os observatórios da artilharia e dos morteiros, inclusive o de um Grupo de Artilharia inglês, instalado nas imediações, fizeram desencadear os seus fogos em apoio à patrulha.

Eu me lembro de quando a Guerra terminou

A queda de Paris no Hebreu Brasileiro

Mesmo com sete anos, eu tinha noção claríssima do que estava acontecendo: tinha família na Polônia, meus pais falavam todos os dias sobre o assunto e meu irmão, mais velho, me explicava tudo - onde estavam os alemães, onde estavam os russos. Os jornais davam muita notícia sobre a guerra, que também era trombeteada duas (ou seriam três?) vezes ao dia no rádio pelo Repórter Esso.
Cursei o ginásio no Hebreu Brasileiro, uma escola extremamente politizada e com professores em sua maioria de esquerda. Os alunos, especialmente mobilizados pela situação de seus familiares na Europa, traziam a efervescência política de suas casas. Por conta do racionamento faltavam gasolina, carne, leite e derivados e outros alimentos , as crianças decidiram, em 1943, criar na escola a Horta da Vitória, que era estimulada pela LBA-Legião Brasileira de Assistência. Por iniciativa do Moisés Veltman, que era uma espécie de alma e mola propulsora da minha turma, muito politizado aos onze anos de idade, começamos também a rodar no mimeógrafo da escola um combativo jornalzinho chamado GHB.
Tínhamos um professor de francês, Rodolfo Arditi, judeu de Marselha, de quem gostávamos muito. Era dia de aula dele quando os aliados entraram em Paris (25 de agosto de 1944) e a turma resolveu fazer-lhe uma homenagem: mal ele entrou na sala, começamos a cantar A Marselhesa. Foi emocionante. Nós cantávamos e ele chorava, nós chorávamos e ele cantava.
A notícia se espalhara com grande velocidade. Não havia tevê, mas o rádio era um fator de comunicação muito importante, ouvia-se a BBC em ondas curtas e, além de “testemunha ocular da História”, o Repórter Esso era também “o primeiro a dar as últimas”. A alegria pelo fim da guerra era tamanha que as pessoas se telefonavam para comentar a boa nova mesmo de madrugada. Para reforçar a comemoração, alguém descobriu que os primeiros acordes da 5a. Sinfonia de Beethoven correspondiam à letra V no código Morse, que se usava em telegrafia e era bastante conhecido. Aqueles acordes passaram a simbolizar a vitória dos aliados.
Eu, garoto, tinha a idéia de que afinal haveria paz, de que “agora, tudo vai ser bom”. Infelizmente, acabou a Segunda Guerra e começou a Guerra Fria.

Alberto Dines


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Muita bebida em Fiorenzuola D’Arda

Fui soldado voluntário do 1o Regimento de Infantaria, conhecido como Regimento Sampaio. Na tropa, sabia-se da existência dos campos de concentração, mas não tínhamos informação da matança de judeus nas proporções que assumiu. Depois de uma ofensiva contra os alemães a partir dos Apeninos, estávamos, no dia da rendição incondicional do Comando alemão, 9 de maio de 1945, no pequeno povoado de Fiorenzuola D’arda, perto de Milão. Àquela altura, a população italiana, exceto os fascistas, era toda contra os alemães e muito afetuosa com os brasileiros. Então alguém trouxe a notícia de que a guerra tinha acabado.
Eu havia combatido oito meses na linha de frente, tinha visto muitos companheiros mortos e feridos. Foi, portanto, uma sensação de alívio formidável saber que estávamos fora de perigo. Todos procuramos um bom vinho italiano, enchemos a cara e fizemos um carnaval. Fomos transportados para Gênova e seguimos de navio para Nápoles, onde ficamos acampados até 22 de agosto, quando embarcamos de volta em navios de transporte americanos.
No Rio, fomos recebidos por um milhão de pessoas que nos viram desfilar, fuzil na mão, pela Avenida Rio Branco. Já na Vila Militar, cada um recebeu baixa e uma passagem de navio. Com a passagem, voltei para Salvador, de onde sou natural.

Jacob Gorender


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Tiros na cara de Hitler

No dia 8 de maio de 1945, saí cedo de casa para a aula de piano.
Desde quando me lembro, a guerra fazia parte da minha vida. Eu não estava na guerra, mas a guerra estava em mim. Ela aparecia no choro constante da minha mãe, ou na fisionomia grave do meu pai, olhando fixo para o rádio, como se enxergasse as notícias através dele. Ao primeiro acorde do Repórter Esso, todos, inclusive as crianças, deviam estar em pétreo silêncio, até o fim do noticiário. Mesmo nas matinês de domingo, os cinemas exibiam documentários sobre o conflito, o que eu odiava, porque retardavam a exibição dos filmes.
No início de 1945, contudo, o clima estava mudando.
Nossa casa era mais ou menos o quartel general dos judeus progressistas de Madureira. À medida que os combates na Europa recrudesciam, as reuniões, quase que na mesma proporção, se sucediam no quartel. Creio que foi no dia em que os soviéticos entraram em Berlim que nosso sobrado se transformou num campo de batalha e festa. Meu pai havia comprado algumas bebidas, minha mãe preparara uns petiscos. Naquela noite, um a um, foram chegando os habituais companheiros do meu pai, Aron Sapir, Júlio Braz, Adam Rozen, Finkielstein, José Gorenstein, Morgenstern, Feldon, e outros que já não lembro. Estavam todos muito alegres.
A horas tantas, alguém desenhou com giz a cara do Hitler na porta do barracão onde eram guardadas as tralhas da casa e meu pai, com uma pistola lembrança dos tempos em que servira o exército na Polônia, foi o primeiro, seguido pelos outros, a dar os tiros que matariam implacavelmente o monstro nazista. Estava consumada a catarse!
Naquele 8 de maio, quando saí da casa da professora, muita gente circulava, apressada ou correndo, numa área geralmente quase deserta. Em algum lugar soltavam fogos. Nas casas, com as janelas abertas, os rádios tocavam música ou falavam em alto volume.
Intuindo que alguma coisa maravilhosa estava acontecendo, parei diante de uma janela para tentar descobrir a razão daquele rebuliço, daquela euforia coletiva, de tamanha explosão de alegria, quando distingui a voz do locutor, aos gritos: “A guerra acabou!”
Senti o coração quase parar.
Eu estava com nove anos, mas tinha plena consciência do que isso significava. Era o fim do fantasma. Era a minha paz. Trêmula, o coração aos pulos, saltando pela boca, corri o mais rápido que podia, querendo ter asas para vencer a interminável distância que me separava de casa. Subi os degraus de dois em dois, até alcançar o salão. O rádio tocava a Marselhesa. Eu não podia falar. Pela emoção e pelo cansaço da corrida. Quando me viu, meu pai, o austero Max, chorando, me pegou no colo e rodopiou comigo, como se fosse uma valsa vienense.
Nunca fui tão feliz!

Clara Goldfarb


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Carlos Frias e quatro ouvintes

Berlim foi conquistada pelo Exército Vermelho da União Soviética. As últimas matilhas nazistas foram esmagadas. Iossl e Fêiguele, meus pais, choravam. Eu e Gustavo, meu irmão, também. O rádio Philco, e o famoso olho, ligados.
De repente, Carlos Frias entrou no ar e, com seu maravilhoso vozeirão, bradou: “Terminou a guerra! Vitória soviética em Berlim!”
Papai pegou o rádio e o colocou na sacada aberta para a Rua Marechal Floriano, ex-Rua Larga, para dar a boa nova ao povo. O volume, no máximo. Parecia que ele, com seu rádio, queria chegar até as gloriosas tropas soviéticas. “Derrotadas as hordas nazistas! Hitler, não mais! Paz! Viva a paz!
Enquanto Frias dava vazão à sua alegria, fui até a sacada olhar a rua. Nenhuma aglomeração... A rua estava deserta...
Carlos Frias foi o primeiro locutor no Brasil a anunciar o fim da Segunda Guerra Mundial.


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Moysés Ajchenblat

Fim esperado
O dia da declaração do final da guerra não foi uma surpresa. Depois de mais de cinco anos de pesadelo, esse final já era esperado pelos acontecimentos anteriores denotando o enfraquecimento da Alemanha e as várias conquistas dos aliados, tanto do lado da Rússia como do lado ocidental.
Tínhamos o rádio ligado praticamente o tempo todo e, embora estivéssemos a salvo aqui no Brasil, os horrores do conflito também nos faziam sofrer. Não eram sempre aceitáveis as estratégias dos aliados e nos causavam muita perplexidade medidas como o lançamento da bomba atômica ou os grandes bombardeios, embora nos dando conta de que eram inevitáveis face aos selvagens bombardeios do inimigo. Lembro-me do suspiro de alívio quando ouvimos pelo rádio a rendição, mas, como disse, já era esperada.

José Mindlin


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Festa na charrete

Estávamos reunidos em Curitiba, na casa de amigos dos meus pais, comemorando o aniversário de sete anos de sua filha e minha amiga Berta. Eu tinha quase sete.
Meus pais e seus amigos eram todos imigrantes da Polônia e acompanhavam o desenrolar da guerra com apreensão, pois todos tinham algum parente por lá.
Ao entardecer, quando estávamos cantando os parabéns, chegou a notícia de que a guerra havia terminado. Corremos todos para fora. Aos poucos a rua foi se enchendo com as pessoas que saíam de suas casas para festejar a boa nova.
Telefonei recentemente para Berta para ver se esta lembrança era real, e ela ainda me disse que depois ganhamos um passeio na charrete de seu pai.
Algum tempo depois, não me recordo quanto, fomos todos à estação ferroviária festejar a volta dos pracinhas que haviam lutado na Itália.
Gitel (Guita)

Arszyn Bucaresky


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Suspensão das aulas no Pedro II


Em altos brados, Severo, o enfermeiro do Colégio Pedro II – Internato, acordou os alunos, que dormiam serenamente. Eram 5 horas da manhã – a sineta tocava normalmente às 5h30. Os alunos que acordavam iam chamando os outros colegas. Ainda cambaleando de sono, começamos a farra, pois com a severa disciplina do Internato, qualquer chance extra que aparecesse era uma explosão de bagunça.
Os quatro dormitórios se situavam no quarto e último andar do velho casarão de São Cristóvão. Eram salões amplos, onde dormiam cem alunos em cada um. Cada aluno era responsável pela sua cama. Ainda sem lavar o rosto, todos descemos as escadarias em direção do refeitório e do pátio de recreio, a fim de entender o que estava acontecendo.
O diretor liberou os alunos por dois dias para que o término da guerra fosse comemorado com os familiares.

Pedro Bucaresky


Fonte: http://www.asa.org.br/boletim/94/depoimentos.htm