Os primeiros americanos a entrar em Berlim foram dois civis: John Groth, um artista e correspondente de guerra do American Legion Magazine, e Seymour Freidin, do Herald Tribune de Nova York. Tinham dado um jeito de chegar a Berlim sem a sanção de russos ou americanos; atrás deles vinha um jipe carregado de soldados fotógrafos do exército americano. Pouco depois do almoço, Freidin, que falava iídiche, convencera um capitão soviético a deixá-los avançar até o coração da cidade. Sob uma "mórbida chuva amarela", passaram pelo arrasado aeródromo de Tempelhof. grande edifício branco da administração estava negro de fumaça e dezenas de aviões avariados jaziam na pista esburacada.
As paredes estavam riscadas com cal, mostrando slogans nazistas: "Heil Werwolf!" ou "Mit unseren Führer zum Sieg!" (Com nosso Führer para a vitória!). Aqui e ali propagandistas russos haviam replicado com dizeres nitidamente desenhados, e sempre os mesmos: "Hitlers vem e vão, mas o povo germânico e o Estado germânico permanecem. Stalin."
Soldados russos tomam posição em frente de
um prédio em chamas na Frankfurter Allee.
Berlim, maio de 1945. |
Homens do Exército Vermelho ovacionavam os dois jipes que subiam a Berlinerstrasse e aproximavam-se de Blucherplatz, um depósito de tanques esmagados, "com corpos incendiados ainda pendendo deles". A praça estava juncada de equipamento alemão abandonado —meias, roupas de baixo, fuzis, bombas, minas. O cheiro de "mel sobre arenque" da morte pairava sobre todas as pilhas de destroços.
Os jipes desviavam-se cuidadosamente das crateras, até chegar a Wilhelmstrasse. O clarão dos edifícios em chamas iluminava em silhuetas irregulares contra o céu as minas. A distância, podiam ouvir o troar da artilharia e mais perto, o matraquear de metralhadoras.
A Wilhelmplatz parecia um queijo Roquefort. A esquerda, Groth viu paredes calcinadas, cobertas com monte de escombros - a Chancelaria do Reich. preso bem alto na parede leste, a cavaleiro das crateras da praça, estava um enorme retrato em preto-e-branco de Stalin. Uma tela a óleo, representando o Führer, pendia inclinada na parede sul. Bandeiras russas, vermelho vivo, mas parecendo púrpura escuro sob a chuva, brotavam por toda parte, nas ruínas.
Os americanos estacionaram os jipes e puseram-se a examinar as ruínas. Freidin procurou em torno da chancelaria, tentando achar o corpo de Hitler, mas seria preciso uma turma tratores trabalhando durante uma semana, para remover todo o entulho.
Os americanos voltaram a.t seus jipes e desceram a Unter den Linden, um vasto cenário de ruínas cinzentas e fumegantes. Mais acima, homens do Exército Vermelho passavam em grande número pelo Portão de Brandenburg a fim de limpar os últimos redutos alemães em Tiergarten. A única nota alegre era uma fileira de estandartes escarlates flutuando sobre o Portão de Brandenburg. O carro da vitória, lá em cima, estava irreconhecivelmente retorcido, com três de seus quatro cavalos tombados. A esquerda, o hotel Adlon era um esqueleto, e uma grande bandeira da Cruz Vermelha flutuava de uma janela superior, dando à região seu único toque de branco.
Groth trepou pela barricada construída entre as colunas do imponente arco e acompanhou os russos até Tiergarten. A cena lembrou-lhe o campo de batalha da Floresta de Hurtgen, em 1944, com as árvores "espalhadas como palitos de fósforo" sobre os buracos e as trincheiras. De trás de uma parede arrasada, viu os russos atacarem através da fumaça.
Alguns minutos depois das três horas, um silêncio aterrador envolveu o parque. Subitamente, ouviu gritos exultantes. Um oficial russo, deitado na lama, ergueu os olhos para Groth. Sorriu: "Berlin kaputt!"
Transcrição: Daniel Moratori (avidanofront.blogspot.com)
TOLAND, John. Os últimos 100 dias - volume II, Editora Nova Fronteira, 1966. p.892-893