Visita do Ministro das Relações Exteriores britânico Anthony Eden (centro, mais a esquerda) a Moscou: dezembro de 1941. Fonte: https://www.prlib.ru/en/node/400766 |
O secretário
do exterior empreendeu a viagem porque as relações entre Stalin e seus liados
ocidentais permaneciam tensas, apesar das declarações de amizade pelos dois
lados. Desde a visita de lorde Beaverbrooke e de Averell Harriman a Moscou em
setembro, o líder soviético tinha continuado a insistir no pedido de entregas
mais rápidas dos suprimentos do Lend-Lease (programa de ajuda militar) e
de toda sorte de ação militar que pudesse tirar um pouco da pressão sobre suas
tropas esgotadas - não importando quantas vezes Churchill e outros lhe
lembrassem que a Grã-Bretanha não tinha a menor condição de começar a lutar no
continente, muito menos considerar a sugestão desvairada de que deveria enviar
tropas para a Rússia.
Havia ainda outra
questão por que Stalin pressionava: a necessidade de um acordo sobre as
fronteiras no pós-guerra. Para desalento de Churchill e Roosevelt, Stalin
insistia na definição dos novos contornos geopolíticos do continente após a
derrota final de Hitler. Os exércitos russos mal conseguiam manter suas
posições nos arredores de Moscou, mas seu líder já sonhava com uma nova ordem
europeia que satisfizesse suas ambições territoriais.
Eden se
ofereceu para essa missão a fim de tentar amortecer aquelas expectativas e
também para manter tranquilas as relações entre esses dois aliados inquietos.
Nem ele nem Churchill sabiam que tipo de recepção deveriam esperar, pois Stalin
já tinha demonstrado sua obstinação em mais de uma ocasião, embora em geral
adotasse um tom mais brando imediatamente após uma discussão mais dura. Ivan
Maisky, o embaixador soviético em Londres que regularmente transmitia as
queixas do seu líder, acompanhou Eden na viagem e forneceu a primeira indicação
do estado de espírito de Stalin.
Depois de
terem atracado em Murmansk, Eden continuou a bordo enquanto Maisky ia à cidade
tentar providenciar um trem fortemente protegido. De volta ao seu
contratorpedeiro, o embaixador soviético pediu uma reunião privada com Eden, e
os dois foram para a cabine do secretário do exterior. Maisky colocou uma bolsa
preta sobre a mesa e comunicou a mensagem de Stalin. O líder soviético, disse
ele, não queria que Eden e a delegação britânica se sentissem
"embaraçados' durante a visita pela controvérsia entre a Grã-Bretanha e a
Rússia em torno da taxa de conversão do rublo. Como os americanos, os
britânicos protestaram muitas vezes contra uma taxa de câmbio que inflava todas
as suas despesas na Rússia. Sem fazer nenhuma concessão nessa questão, Maisky
explicou que Stalin estava colocando à disposição de Eden rublos suficientes
para que a delegação não tivesse nenhum problema durante a visita. Então,
enquanto um atônito Eden observava, o embaixador puxou "pacotes e mais
pacotes" de notas que colocou em filas sobre a mesa.
"Fiquei
boquiaberto diante de tanta riqueza", lembrou o secretário do exterior.
Mas teve a presença de espírito de pedir a Maisky que agradecesse a Stalin pela
generosidade e assegurasse que a delegação britânica era capaz do dinheiro na
mesa.
Maisky ficou
visivelmente desconcertado pela polida recusa de Eden, mas quando o secretário
do Exterior não quis mudar de ideai, ele reuniu os pacotes de rublos, os
colocou de volta na bolsa preta e trancou-a.
Aquilo era típico
Stalin: queria parecer conciliador e amaciar o visitante britânico antes das conversações,
mas com um gesto tão ostensivamente generoso que deixou Eden numa posição
delicada, não lhe restando alternativa a não ser recusar a oferta. O líder
soviético provavelmente não fazia ideia da razão por que seu convidado não
podia aceitar o dinheiro, pois no seu mundo ele gratificava ou punia qualquer
um de acordo com sua inclinação – e nenhuma outra regra se aplicava
No dia
seguinte, 13 de dezembro, Maisky voltou a bordo para dar a Eden a notícia que o
Pravda trombeteava: a vitória soviética na Batalha de Moscou. Apesar de
saber que a luta estava longe de terminada, o secretário do Exterior ficou
feliz. "Isso é maravilhoso! Pela primeira vez, os alemães sofreram um
revés."
Na viagem de
trem que começou no fim da tarde do mesmo dia, Eden se impressionou com a
capacidade dos russos de enfrentar o frio impiedoso que chegava a -26°C à
noite. O trem especial era equipado com metralhadoras antiaéreas, montadas em
vagões abertos entre os vagões de passageiros, e que eram operadas em turnos de
duas horas. "O frio que aqueles homens tinham de suportar quando em
movimento a uma velocidade razoável através daquelas temperaturas árticas deve
ter sido cruel", observou Eden.
Durante uma
das paradas ocasionais, quando desceram para caminhar ao lado dos trilhos, ele
perguntou a Maisky: "como o seu povo suporta tanto rio?" O embaixador
lhe assegurou que as equipes estavam adequadamente vestidas e acostumadas às
temperaturas gélidas, ao que Eden acrescentou: bem, os alemāes não estão
acostumados a esse frio".
Quando o trem chegou a Moscou na
noite de 15 de dezembro, havia pingentes de gelo pendurados nos vagões e a
estação estava mergulhada na escuridão. De repente, as luzes foram acesas no
local, durante os 14 minutos em que Molotov saudou o seu colega britânico. O ministro
do Exterior soviético informou ansioso que tropas soviéticas tinham acabado de expulsar
as tropas alemãs de Klin, a 80 km ao norte de Moscou. Então, as luzes se apagaram
de novo, e as pessoas se moveram como sombras através do vapor e da fumaça do
trem e do blecaute Continuo da capital para evitar oferecer alvos visíveis aos
bombardeiros a alemães. A capital não se sentia tão triunfante quanto a
proclamação oficial fizera parecer dois dias antes.
Se Eden tinha alguma dúvida sobre o impacto da melhora da situação militar no estado de espirito de Stalin, ela se evaporou quando os dois homens se sentaram para a primeira reunião na noite seguinte. Já de início, o líder soviético focalizou as suas ambições territoriais paralelamente às outras ideias para o período do pós-guerra, por mais prematura que parecesse aquela discussão. Stalin não iria permitir que Eden fugisse dos temas, limitando a discussão à situação corrente. O primeiro sucesso real do seu exército - conter os alemães nas fronteiras de Moscou e empurrá-los para trás - só fortalecia a decisão de pressionar o hóspede inglês pelos compromissos que ele desejava. Stalin tentaria parecer generoso oferecendo pacotes de rublos. mas a generosidade não se estendia aos vizinhos do seu país, cuja situação e limites de antes da guerra não lhe agradavam.
Mesmo durante
os primeiros dias da invasão alemã, quando por toda o Exército Vermelho estava
em retirada e uma derrota catastrófica parecia iminente, a liderança soviética
havia sinalizado a determinação em reclamar exigências futuras. Em julho de
1941, por insistência do governo de Churchill, Maisky tinha conduzido
negociações em Londres com o líder do governo polonês no exílio, o general
Wladyslaw Sikorski, destinadas a forçar aqueles vizinhos hostis a restabelecer
relações diplomáticas e cooperar na luta contra a Alemanha. As conversações
forneceram as primeiras pistas de como o lado soviético pretendia conquistar
seus objetivos territoriais.
Os
poloneses, evidentemente, eram a parte prejudicada desde que Stalin juntou
forças com Hitler no desmembramento do seu país, de acordo com o pacto
Molotov-Ribbentrop. Depois de invadir a Polônia pelo Leste em setembro de 1939,
a União Soviética anexou uma grande parte de território que antes fora a
Polônia Oriental e deportou mais de 1,5 milhões de poloneses dessas regiões
para prisões e campos de trabalho soviéticos. Entre eles, estava o equivalente
a várias divisões de soldados poloneses que as forças soviéticas tinham
capturado durante a invasão. Muitos milhares de oficiais tinham de desaparecido
sem vestígios - mais de 4 mil corpos foram descobertos em 1943 numa sepultura
de massa na floresta de Katin, próxima a Smolensk. As vítimas tinham as mãos
amarradas atrás das costas e um tiro na cabeça.
O governo do polonês
Sikorski queria dois compromissos claros de Moscou: uma declaração de que a divisão
nazissoviética da Polônia era nula e sem efeito – o que teria significado, que
ao fim da guerra, o país voltaria às suas fronteiras de: antes de 1939; e a libertação
de todos os civis e militares polonês deportados e presos. Isso permitiria a formação
de unidades do exército polonês na União Soviética que se juntariam à luta
contra os alemães.
Mas durante as
conversações em julho de 1941, Maisky indicou imediatamente que a ideia do
Kremlin de uma Polônia restaurada não estava de acordo com os objetivos dos
poloneses. "Expliquei que, tal como o víamos,o futuro estado polonês
deveria ser composto somente de poloneses e dos territórios habitados por
poloneses", lembrou ele. Pelo que entendiam os negociadores poloneses,
essa formulação significava que o lado soviético pretendia manter o controle
sobre uma grande parte dos territórios que tinham anexado em 1939, pois os viam
como ucranianos e bielo-russos, e já tinham realizado neles a sua própria
versão de limpeza étnica. Se esse fosse o critério para as fronteiras no pós-guerra,
a disposição ostensiva dos soviéticos de renunciar ao seu acordo com o regime
nazista teria pouca significância prática.
Sikorski sentiu-se
compelido a concluir um acordo, apesar de estar muito perturbado pela atitude
soviética. Como explicou Jan Ciechanowski, embaixador polonês em Washington,
"o governo britânico estava pressionando fortemente o general Sikorski
para apressar as conversações com os soviéticos, em vez de pressionar os
soviéticos a aceitar as condições justas da Polônia". Isso Churchill
admitiu nas suas memórias. Apesar de a Grã-Bretanha ter entrado em guerra por
causa da Polônia, ele agora estava particularmente interessado em manter o
aliado soviético na luta contra os alemães - e, pelo menos de acordo com alguns
relatos, ele ainda suspeitava que Stalin pudesse concluir outro acordo com
Hitler se as circunstâncias mudassem outra vez. A questão do futuro territorial
da Polônia deveria ser adiada até tempos mais tranquilos” escreveu o
primeiro-ministro. “Tínhamos a responsabilidade odiosa de recomendar a ao
general Sikorski confiar na boa vontade soviética nos futuros tordos das
relações russo-polonesas, e a não insistir naquele momento em nenhuma garantia escrita
para o futuro”.
Josif Stalin assinando a declaração comum soviético-polaca na presença do primeiro-ministro polaco, general Władysław Sikorski, 4 de dezembro de 1941. |
Menos de duas semanas antes da visita de Eden a Moscou, Sikorski também fez uma viagem tortuosa até a capital soviética, voando de Londres, passando pelo Cairo, Teerã e Kuibyshev. Ao se reunir com Stalin nos dias 3 e 4 de dezembro, ele pediu informações sobre os seus oficiais desaparecidos e sobre a implementação da proclamada anistia de todos os prisioneiros militares poloneses, para que pudessem formar a base de uma nova força de luta. Mas só recebeu negativas e ignorância fingi da quando se discutiu o destino dos oficiais poloneses desaparecidos. "Devem ter fugido em algum lugar", declarou Stalin. Sikorski, contudo, conseguiu a anuência do líder soviético para permitir que os poloneses recém-libertados atravessassem a fronteira para o Irã, onde os britânicos tinham prometido fornecer suprimentos para se equipassem novamente como um exército regular. Sob o comando do general Wladyslaw Anders, mais tarde aqueles soldados lutariam valentemente no norte da África e na tomada do mosteiro de Monte Cassino, durante a campanha italiana de 1944.
Por sua vez,
Stalin tentou conduzir Sikorski a uma discussão sobre as fronteiras entre a
Polônia e a União Soviética no pós-guerra. "Acredito que seria útil se
discutíssemos o assunto. Afinal, as alterações que pretendo sugerir são muito
pequenas." O líder polonês insistiu que não tinha direito de discutir nem
mesmo a menor alteração das fronteiras “invioláveis” do seu país, e Stalin não
insistiu.
Quando se sentou
na primeira reunião com Stalin em Moscou, no dia 16 de dezembro, Eden também
esperava ter sucesso em evitar essa questão politicamente delicada e as novas
suspeitas de que seu governo estaria cedendo exigências soviéticas. Em
Washington, Roosevelt tentava tranquilizar os poloneses de que era sensível aos
seus interesses, e que respeitava o compromisso que ele e Churchill tinham assumido
na carta do Atlântico, proclamada em agosto, durante sua primeira reunião de
cúpula no mar. Naquela reunião, os dois tinham prometido que não haveria
mudanças territoriais "que não se conformem com os desejos livremente expressos
dos povos interessados". Ele insistiu com Churchill para não assumir
nenhum compromisso com Stalin relativo aos acordos no pós-guerra. Para Eden,
quanto menos se dissesse sobre tudo isso em Moscou, melhor.
Stalin não se
dispunha a fazer esse jogo. O líder soviético entregou imediatamente a Eden as
minutas de dois tratados - uma para a sua aliança militar durante a guerra, e a
outra para tratar dos acordos do pós-guerra. Então chocou os seus convidados ao
propor um protocolo secreto para o segundo tratado, que definiria o futuro das
fronteiras europeias. "As ideias russas já estavam bem definidas",
Eden observou ferozmente mais tarde. "Eles pouco mudaram durante os três
anos seguintes, pois seu objetivo era assegurar as garantias físicas mais
tangíveis para a futura segurança da Rússia." Havia um exemplo recente
desses protocolos secretos na redefinição de fronteiras: o pacto
Molotov-Ribbentrop.
Apesar de
Stalin não estar planejando extinguir o estado polonês na quela vez, a
semelhança não terminava aí. Novamente, a Polônia e os Estados Bálticos
figuravam como os primeiros derrotados nesse acordo. Para a Polônia, Stalin
propôs que sua fronteira oriental deveria correr ao longo da linha Curzon - a
linha do armistício sugerida pelo secretário do exterior britânico na guerra
Russo-Polonesa de 1919-1920. As vitórias polonesas durante aquele conflito
geraram uma fronteira muito mais a leste, significando que, no período entre
guerras, a Polônia controlava uma grande faixa de território que o Kremlin cobiçava.
Como resultado do pacto Molotov-Ribbentrop, a União Soviética tomou esse pedaço
da Polônia e traçou uma nova fronteira bem próxima da linha Curzon original.
Agora Stalin desejava tornar permanente essa situação.
Para compensar
a perda de território, Stalin sugeriu que a Polônia deveria receber uma grande
parte da região leste da Alemanha. Ele também sugeriu a restauração de um
estado austríaco separado, privando a Alemanha da Renânia e possivelmente da
Baviera, e a criação de um conselho de vencedores que decidiram o que fazer com
a Alemanha derrotada. Stalin queria saber o que Eden pensava da possibilidade
de a Alemanha pagar reparações pelos danos que estava infligindo. Quanto aos
Estados Bálticos, eles seriam engolidos mais uma vez pelo estado soviético, e
as fronteiras soviéticas com a Finlândia e Romênia reverteriam ao que eram
antes do ataque alemão. Em suma, ele propunha muitos dos termos que iriam
figurar nas discussões das grandes potências em Teerã, em 1943, e em Yalta, em
1945.
Eden sabia
como tinha de responder, e tentou fazê-lo com o maior tato possível. Seu
governo, disse ele, estava aberto a examinar questões como a organização do
controle militar sobre uma Alemanha derrotada, e certamente apoiava uma Áustria
independente. Dado o impacto desastroso das reparações na guerra anterior, ele
se oporia a qualquer esforço de exigência de reparações ao fim desta. Quanto à
questão fundamental das futuras fronteiras, explicou que suas mãos estavam
atadas. "Antes mesmo de a Rússia ser atacada, o senhor Roosevelt nos
enviou uma mensagem pedindo que não entrássemos em nenhum acordo secreto
visando à reorganização da Europa no pós-guerra, sem antes consultá-lo",
disse a Stalin.
De fato, John
Winant, embaixador americano em Londres, tinha recebido instruções para
transmitir uma mensagem do secretário de Estado, Cordell Hull, a Eden pouco
antes de sua partida para Moscou. Datada de 5 de dezembro, a mensagem acentuava
que as políticas do pós-guerra dos dois países e a União Soviética estavam
encapsuladas na Carta do Atlântico, e seria "inadequado" para
qualquer um dos dois governos "assumir compromissos relativos a termos específicos
do acordo do pós-guerra". Acrescentou: "acima de tudo, não deverá
haver acordos secretos"
Tendo em mente
esses avisos, Eden continuou a enfatizar a Stalin que a Rússia, a Grã-Bretanha
e os Estados Unidos precisavam estar de acordo com relação às questões
principais, e que ele não poderia se comprometer sozinho com nada.
"O que
dizer da anexação do protocolo secreto?", perguntou Stalin, recusando-se a
desistir.
Era a volta à
estaca zero e o que Eden descreveu como uma atmosfera "frigida". Ele
explicou mais uma vez que não poderia endossar nada semelhante. Observou que
Churchill havia declarado antes que a Grã-Bretanha não reconheceria alterações
de fronteiras produzidas por guerra - e que isso ocorrera numa época em que a
Alemanha estava avançando e qualquer reconhecimento dessas fronteiras teria
sido prejudicial para a Rússia.
"Se diz
isso, o senhor poderia dizer amanhã que não reconhece que a Ucrânia faz parte
da URSS", Stalin retrucou asperamente.
"Isso é
uma compreensão totalmente errônea da posição", respondeu Eden. "Não
reconhecemos apenas as alterações das fronteiras de antes da guerra."
Stalin não
abandonou o tema, insistindo que a recusa britânica deixaria o seu país como um
suplicante. "Isso faz parecer que eu devia vir com o chapéu na mão",
disse.
Era o Stalin
petulante, que se indignava toda vez que suas exigências - não importando o seu
alcance - não eram aceitas de imediato. Insistia e insistia para ver o que
poderia conseguir. Era uma prévia do Stalin que os líderes americanos e
ingleses tornariam a ver outras vezes, à medida que a guerra avançava. Mas o líder
soviético sabia quando aliviara pressão, em especial quando sentia que suas
táticas agressivas se mostravam contraproducentes. Ele também compreendia
instintivamente que, depois de um ciclo de agressões, poderia ganhar pontos
quando parecia mais razoável.
Que foi exatamente
como os eventos se desenrolaram com Eden. O secretário do exterior percebeu que
também ele teria de demonstrar irritação, se esperava que Stalin agisse mais
razoavelmente. Voltando ao hotel depois da ríspida sessão, ele decidiu que
poderia falar tranquilamente no carro, pois acreditava que aquele era o único
lugar onde suas conversas não seriam monitoradas. Disse aos seus colegas
britânicos que, uma vez na suíte do hotel, ele iria expressar sua frustração em
voz alta para ser captada pelos equipamentos de escuta. Andando para lá para cá
na sala, ele fez exatamente isso, afrontando o comportamento soviético e
dizendo que teria sido melhor não ter vindo a Moscou. "Minha conclusão foi
que, coma maior boa vontade do mundo, era impossível trabalhar com aquelas
pessoas, nem mesmo como parceiros contra um inimigo comum", lembrou ele.
"Os outros se juntaram ao coro."
Algumas horas
depois, Eden recebeu a primeira indicação de que seus anfitriões soviéticos
tentavam desfazer aquela impressão. Antes ele pedira para visitar o front, pois
queria ter uma sensação mais direta da situação militar – mas o pedido tinha
sido ignorado. Mas agora, Maisky estava ao telefone com a notícia de que ele
teria permissão para viajar a Klin, que acabara de ser liberada. No carro com
Maisky, ele viu aldeias incendiadas, tanques alemães e russos destruídos na
luta, e os mortos russos e alemães espalhados sobre os dois lados da estrada.
"Os cadáveres já estavam congelados, geralmente nas poses mais estranhas e
incompreensíveis: alguns com os braços abertos, outros de quatro, alguns de pé
com neve até a cintura", relembrou Maisky.
Eden se
comoveu com a visão de seis jovens prisioneiros alemães - "pouco mais que
meninos", segundo ele - que haviam sido capturados no dia anterior e
tremiam de frio e de medo. "Estavam muito malvestidos, com sobretudos
finos, casacos de lã e sem luvas. Só Deus sabe qual será o destino deles, mas
eu posso imaginar: vítimas de Hitler."
Durante a
viagem de volta a Moscou, Eden reforçou a mensagem que tentou transmitir quando
falou para os microfones da sua suíte. Disse a Maisky que se, como parecia, sua
viagem terminasse em fracasso por causa da insistência do lado soviético em
impor termos que ele não poderia aceitar, somente os alemães ficariam felizes.
Convencido de
que os dois lados não seriam capazes de chegar a um acordo, Eden foi à última
reunião com Stalin no dia 20 de dezembro levando a minuta de um comunicado
curto. Porém, para surpresa do britânico, o líder soviético estava bem mais
cordato do que antes. Apesar de ainda pedir reconhecimento das fronteiras que
queria, ele disse que agora entendia que o lado britânico tinha primeiro de consultar-se
com os Estados Unidos, e que qualquer tratado poderia esperar. Nesse meio
tempo, as relações entre seus dois países continuariam a se desenvolver,
acrescentou. Ofereceu também um comunicado, segundo Eden, "mais longo e
mais direto que o meu”. O secretário do Exterior lembrou que teve uma sensação
de alívio – exatamente o que Stalin queria que ele sentisse.
Por fim,
Stalin convidou Eden e seu grupo para um jantar no Kremlin. O convidado de
honra notou que a refeição era "quase embaraçosamente suntuosa".
Registrou que havia borscht, esturjão, "um leitãozinho infeliz", uma
variedade de carnes - e, é claro, vinho, champanhe e vodca. O marechal
Timoshenko, Eden acrescentou, "parecia estar bebendo desde antes de nos
encontrarmos". Aparentemente embaraçado por Eden ter notado, Stalin lhe
perguntou: "os seus generais se embebedam"? Eden respondeu que eles
raramente tinham oportunidade para tanto.
De acordo com
Maisky, Eden sofreu seu próprio momento embaraçoso. Em certa hora, ele
perguntou a Stalin a respeito de uma garrafa grande sobre uma mesa com um
líquido amarelado. Era brandy de pimenta, mas Stalin sorriu e lhe disse:
"esse é o nosso uísque russo". Quando Eden disse que gostaria de
experimentar, o líder soviético Ihe ofereceu um copo grande. Ele tomou um gole
grande, ficou vermelho e engasgou, "os olhos quase saltando das órbitas',
relembrou Maisky. Stalin então anunciou: "só gente muito forte é capaz de
tomar uma bebida tão forte. Hitler está começando a sentir”.
Eden não
mencionou esse incidente nas suas memórias, preferiu observar que sua visita
terminou com uma "nota amistosa". Mas o banquete o deixou com
"uma sensação de irrealidade, que não se deveu à fome nem à penúria no
nosso meio, nem aos exércitos alemães, tão próximos que quase ouvíamos a sua
artilharia". O que de fato o incomodou foi algo mais profundo.
"Naqueles salões dourados a atmosfera era insalubre, porque onde um homem
domina, todos os outros temem", observou.
Ele também
percebeu que, apesar de conseguir evitar todos os compromissos que Stalin
exigia, sua visita representou apenas o primeiro ato de um drama que teria
continuação. O líder soviético não se dispunha a desistir das suas ambições
territoriais, observou ele no telegrama para Churchill, "e devemos esperar
pressão continua quanto a essa questão".
Transcrição: Daniel Moratori (blog Avidanofront.blogspot.com)
Fonte: NAGORSKI, Andrew. O pior de todos os mundos. In: NAGORSKI, Andrew. A Batalha de Moscou. 1ª. ed. : Editora Contexto, 2013. p. 291-301.