quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Os judeus de Varsóvia no entreguerras - Parte 1/3


Os membros do partido Po'ale Tsiyon  marchando na  Parada de Primeiro de Maio, Varsóvia, 1927.  Os slogans em seus cartazes em poloneses e iídiche  incluem "Abaixo Facismo" e "Viva a Sociedade dos Trabalhadores Judeus na Palestina! 

A vida judaica e o lugar dos judeus na sociedade polonesa diferiam bem daqueles na Europa Ocidental. A partir da Revolução Francesa, os judeus, em toda a Europa Ocidental, lutaram por direitos iguais como indivíduos e restringiram as expressões do judaísmo à esfera religiosa. Em contraste, a maioria dos judeus na Polônia independente no entre guerras insistia no seu reconhecimento como povo, com direitos de uma minoria nacional. Eles queriam ser reconhecidos como uma comunidade — fazendo parte, mas separados de outros elementos da sociedade polonesa.

Nos países da Europa Ocidental os judeus constituíam uma pequena percentagem da população global, mas, na Polônia, um em cada dez habitantes era judeu, e em muitas cidades, cidadezinhas e aldeias os judeus formavam uma grande parcela da população total. Em algumas cidades, eles constituíam a maioria da população. Diferentemente de outras nacionalidades minoritárias na Polônia, os judeus estavam dispersos pelas várias regiões do país. Assim, não estavam em posição idêntica à da minoria ucraniana, que se concentrava num território específico e podia exigir uma forma de autonomia territorial, tal como o reconhecimento governamental de seu idioma como língua oficial de uma região, ou sistemas judiciários e educacionais independentes.

O nacionalismo polonês era intensamente católico e muito mais imune às pressões de secularização do que em países mais ocidentais. Em conseqüência, era profunda a brecha entre Estado e sociedade, e os judeus eram muito mais internamente orientados do que seus congêneres na Europa Ocidental. Embora a presença de judeus na Polônia fosse muito antiga — remonta ao ano 963 - ela foi quase sempre temerosa. Os judeus haviam chegado à Polônia, convidados por príncipes poloneses, para realizar funções economicamente complementares que não pudessem ser empreendidas pela população majoritária. A utilidade econômica dos judeus levou a classe dirigente a se mostrar mais inclinada à tolerância e ao pluralismo; assim, a Polônia atraiu, nos séculos XIII e XIV, judeus que sofriam discriminação na Alemanha. Entre a população geral na sociedade polonesa economicamente atrasada, as massas não tinham prosperidade, nem mesmo segurança econômica. Seu ressentimento contra os judeus era intenso. A Igreja Católica Romana, ela mesma chegada tardiamente à Polônia, seguia amiúde uma política de discriminação e ódio contra os judeus. Ela perpetuava imagens judaicas negativas presentes no cristianismo: judeus como outsíders, traidores, perpetradores de deicídio.

Depois da Primeira Guerra Mundial, a Polônia conseguiu, após 136 anos de partilha e ocupação, a independência. A restauração do Estado polonês, que havia sido o objetivo de uma longa e obstinada luta do povo polonês pelo direito à autodeterminação, foi uma conseqüência direta da desordem (fosse devida a derrota militar ou agitação revolucionária) entre os inimigos e ocupantes da Polônia: Áustria-Hungria, Alemanha e Rússia. Isso levou às decisões político-territoriais tomadas na conferência da paz em Versalhes.

A ordem política e territorial resultante da Primeira Guerra Mundial parecia favorecer aqueles que buscavam status de minoria nacional. Mediante os tratados que foram impostos à Romênia e a uma série de países novos ou renovados — Polônia inclusive — , os novos Estados foram obrigados a dar direitos a minorias, protegidas por lei e com supervisão da Liga das Nações. A decisão de assumir esses tratados e definir o conteúdo dos mesmos deveu-se, em grande parte, a insistência de representantes americanos (incluindo grupos judaicos americanos) e de outros países europeus em Versalhes. Na realidade, os tratados sobre minorias concediam direitos aos judeus unicamente como um grupo religioso, mas muitos judeus interpretaram erroneamente esses tratados como se os mesmos lhes concedessem os direitos de uma minoria nacional.

Na Polônia, o "tratado de minorias" parecia garantir constitucionalmente os direitos dos judeus como um dos grupos minoritários do país. No papel, tratado assegurava às minorias nacionais e religiosas, como estipulação fundamental da nova constituição, direitos iguais. judeus e outras minorias receberam direitos políticos e civis. Por uma questão de direito, cabia-lhes justiça igual perante a lei. Até mesmo suas heranças lingüísticas e culturais, inclusive os sistemas escolares judaicos, eram preservados. A discriminação em contratações e empregos era ilegal.

Quando o governo polonês, que era constituído por partidos de centro e de direita, tentou adotar um sistema eleitoral que afetaria a representação proporcional das minorias no Parlamento, os judeus reagiram, formando uma frente unida — um "bloco de minorias" — para concorrer ás eleições. O bloco acabou obtendo unia substancial vitória, com 22% de todos os votos para o primeiro Sejm polonês, em 1922. Somente a facção judaica havia eleito 35 representantes, uns 8%, num total de 444 membros do Sejm. Neste, facções políticas da direita, do centro e da esquerda se hostilizavam, neutralizando-se reciprocamente. Nenhuma delas tinha o poder de por si só formar um governo ou de fazer pender a balança a seu favor em questões decisivas. Conseqüentemente, a influência do bloco dc minorias foi favorecida e, embora por curto tempo, ele gozou de uma influência desproporcional.

Membros da facção judaica no Parlamento polonês diferiam em sua avaliação da política do bloco de minorias. Alguns acreditavam na existência do bloco como um grupo parlamentar permanente, que deveria se mostrar ativo na cena política geral polonesa servindo, ao mesmo tempo, para proteger questões essenciais das minorias. Já outros representantes, especialmente os da Galícia oriental, acreditavam ser o bloco, na melhor das hipóteses, um casamento especulativo e tático de conveniência. Não era de se supor que a desproporcional representação judaica iria continuar. Duvidavam de perspectivas de cooperação a longo prazo com os ucranianos, conhecidos por sua hostilidade profundamente arraigada contra os judeus. Assim, eles insistiam que os judeus se envolvessem menos nas lutas internas pelo poder entre as várias tendências políticas na Polônia.

Com o passar do tempo, tornou-se claro que a solidariedade entre as minorias era duvidosa. Após a ascensão de líder ao poder parecia que, em diversos países, as minorias alemãs não estavam dispostas a se opor à legislação antijudaica na Alemanha nazista. Os judeus se viram assim constrangidos a sair da organização de minorias européias quando foram abandonados por outros grupos minoritários e pelo público em geral.

Em 1924 e 1925, membros destacados do governo polonês empreenderam sondagens que resultaram em discussões práticas com representantes judeus no Sejm. Eles buscavam uma acomodação segundo as linhas da política judaica tradicional. Os representantes judeus seriam obrigados a adotar em questões básicas a linha do governo e a apoiar os interesses de poder da Polônia, o que podia ser interpretado como aprovação da conduta do regime em relação à minoria eslava na fronteira leste da Polônia. O governo prometia, em troca, concessões e auxílios numa variedade de áreas essencialmente judaicas, tais como economia, emprego, direitos civis, educação e religião. Esse acordo político, conhecido como UGODA, foi instigado por um dos líderes do movimento nacionalista Endecja e pelo irmão do então Primeiro-ministro Stanislav Grabski, e foi apoiado pela maioria dos representantes judeus no Parlamento polonês.

Judeus nacionalistas extremados, tanto sionistas quanto adeptos do Bund, decididos a preservar os direitos nacionais judaicos, encaravam a UGODA corno uma quase traição do princípio nacional judaico e apelaram, para encontrar apoio na controvérsia, ao mais amplo público judeu. Este, porém, mostrou-se indiferente e decepcionado com os resultados dos seus empenhos políticos e parlamentares. Nos dias iniciais do renascido Estado polonês, os judeus tiveram grandes esperanças, mas estas rapidamente se esvaneceram. Inflamados discursos no Sejm não tinham o poder de levar as autoridades a alterar padrões de discriminação econômica. A UGODA também foi de pouca ajuda e nem chegou a ser implementada.

Nos primeiros anos após a independência, o bloco das minorias, do qual os judeus faziam parte, deteve temporariamente o equilíbrio do poder entre direita e esquerda. Mas, depois de impressionantes êxitos iniciais, o bloco foi perdendo força nas eleições subsequentes. Houve também uma acentuada queda no prestígio e na popularidade da principal facção sionista liderada por ltzhak Gruenbaum. A população judaica aprendeu que a luta parlamentar tinha pouco impacto tangível em sua vida diária e que na vida econômica o poder operacional e decisivo estava concentrado nas mãos do governo e da administração dirigente.

Em maio de 1926, Jozef Pilsudski, com ajuda de um grupo de oficiais e de algumas unidades do exército, organizou um sangrento golpe de estado. Pilsudski, em sua juventude um socialista, havia fundado as forças armadas nacionais na Primeira Guerra Mundial e comandara o exército polonês que, na campanha de 1920, derrotou os bolchevistas, que haviam penetrado profundamente na Polônia, quase chegando aos arredores de Varsóvia. As massas viam Pilsudski como um herói que simbolizava o renascimento da Polônia. Ele era muito admirado nos círculos esquerdistas, mas optou por sair da cena política quando compreendeu que não podia dominá-la. À direita, que nas eleições havia conquistado o apoio da maioria, encarava-o com desconfiança. A "aposentadoria" de Pilsudski, contudo, foi de curta duração. Ele estava apenas esperando o momento propício para impor sua autoridade e dirigir o país.

O pensamento político polonês com relação à estrutura de um Estado polonês independente movia-se em duas direções contrárias. A concepção direitista era a de que deveria haver uma completa identificação do Estado com a nação polonesa, enquanto esquerda e centro se inclinavam para uma parceria mais ampla no Estado. Poloneses étnicos eram os primeiros entre iguais, mas a Polônia seria a pátria de muitas nacionalidades.

O Endecja optou por um Estado polonês católico — um Estado que seria domínio exclusivo dos poloneses étnicos. Minorias eram consideradas como sendo formadas por cidadãos tolerados ou pessoas assimiladas ao Estado polonês. Os judeus eram vistos como estranhos sem nenhum direito legítimo de estar na Polônia: desnecessários, até mesmo prejudiciais. Em contraste, Pilsudski e seus adeptos queriam ver a Polônia como uma potência política e foco de uma aliança confederada dos Estados menores na região, de preferência a um Estado que exibisse a tendência expansionista da Rússia e da Alemanha.

Esboços bastante obscuros de autonomia territorial para minorias foram redigidos, especialmente no setor oriental eslavo. Mas o que fazer com os judeus já era mais complicado, por estarem eles dispersos. Nada de explícito foi para eles cogitado, mas acreditava-se que Pilsudski estava interessado em integrar os judeus na sociedade polonesa.

Em relação aos judeus, a atitude da administração Pilsudski foi positiva e animadora, especialmente no início. O Marechal Pilsudski centralizava a maior parte de suas atenções em assuntos de defesa e relações exteriores. Não demonstrou qualquer interesse especial pela questão judaica e nem exibiu, em público ou em declarações políticas, quaisquer sentimentos contrários aos judeus, e ele evidentemente reprimiu tendências anti-semitas entre seus adeptos. Não se sentia inclinado a usar os judeus como bode expiatório por seus fracassos ou pelos erros de sua administração, como era comum não só na Polônia mas também em outros países europeus. Apolinary Hartglas, um dos líderes sionistas na Polônia, escreveu que o primeiro ano, mais ou menos, foi um tempo de genuínas mudanças:

Aquele período foi como uma verdadeira "primavera entre as nações": a propaganda anti-semita cessou ... ninguém atrevia-se a publicar listas negras de poloneses que ousavam comprar em lojas judaicas, ninguém atacava ou surrava judeus. Os governadores de regiões distantes esqueciam da existência de restrições que eram válidas em tempos czaristas ... Escolas secundárias judaicas começaram a receber reconhecimento oficial, instituíram-se comissões para avaliar resultados de matrículas, e havia até alguns examinadores que sabiam hebraico. Novos advogados judeus estavam sendo registrados, enquanto alguns judeus até foram aceitos no serviço público. E os judeus deixaram de se queixar dos pesados fardos das taxas que lhes eram impostas.

A esperança de que Pilsudski iria impor um conceito multinacional nunca se concretizou. A idéia de uma federação não era de modo algum exequível, Porque logo desde o início da existência da nova Polônia houve tensões e reivindicações em relação a regiões em disputa, a fronteiras impostas e a áreas tomadas pela força.

Porém, mesmo na área menor sob a autoridade polonesa, a suposição de que a Polônia, com Pilsudski na chefia, conheceria maior liberalidade e ordem democrática não se tornou realidade. O novo líder acreditava que a fonte da fraqueza da Polônia estava no número excessivo de partidos políticos e em sua anárquica estrutura parlamentar, propagando corrupção e gerando uma deficiente ordem de prioridades. Ele, portanto, se esforçou para solapar o parlamentarismo e livrar o establishment político de seus interesses de classe e corrupção. Não buscou apoio na esquerda; pelo contrário, voltou-se para a aristocracia organizada no movimento conservador e para o alto comércio.

O governo autoritário de Pilsudski não apresentava o molde de um regime fascista, muito embora tomasse algumas medidas que eram brutais desvios de uma ordem democrática. Nos seus primeiros anos, o regime gozou de certas propostas econômicas proveitosas, mas após a profunda crise que resultou do craque de 1929, o país ficou sujeito a uma depressão profunda e a desemprego em massa. As reformas planejadas foram postas de lado, tendo em vista a necessidade de enfrentar agitadas pressões diárias.

Nenhuma verdadeira análise foi feita da questão das minorias, nenhum plano executado para melhorar a situação das mesmas, e, finalmente, houve um retrocesso na atitude das autoridades e até, em certas ocasiões, o uso brutal de força. Ocorreu eventualmente uma transformação do conceito da condição de Estado, abrangendo todos os cidadãos do país, para uma ideologia nacionalista.

A perceptível fraqueza do Parlamento e de toda a estrutura democrática não levou a uma revolta, mas tampouco funcionou vantajosamente para os judeus. A discriminação contra eles foi hesitantemente renovada, mas até a morte do marechal, em 1935, certos limites foram mantidos. Seu falecimento marcou, sem dúvida alguma, um momento crítico. Os judeus estavam bem conscientes do fato de que a vigorosa personalidade de Pilsudski, mesmo durante sua enfermidade, havia contido fortes explosões anti-semitas, e eles tiveram uma sensação de perda e apreensão pelo futuro. No primeiro ano após sua morte, um governo provisório sob a égide do Presidente Ignacy Moscicki governou o país. Devido à sua fraqueza, ou talvez por genuína intenção, esse governo tentou, sem entusiasmo, gerir o Estado por linhas democráticas, mas acabou subjugado por crescentes dificuldades econômicas e tensões sociais. No governo estabelecido em 1936, o poder foi dividido entre o presidente e o herdeiro de Pilsudski no alto comando do exército, o Marechal Rydz-Smigly, que não havia demonstrado nenhuma competência marcante nos preparativos militares e defensivos do seu país. Os resultados foram lamentáveis. O regime se moveu numa direção populista-totalitária e rejeitou, de imediato, qualquer tentativa de criar uma frente unida com as várias correntes de opinião, em vista do crescente perigo que representava a Alemanha nazista.

No período pós-Pilsudski, o ódio aos judeus aumentou, e uma política contrária aos judeus foi adotada pelo sistema administrativo e pela oposição direitista. A morte de Pilsudski parecia ter desencadeado todas as forças que ele havia contido. De junho de 1935 em diante, ocorreram em vários lugares violentos distúrbios por iniciativa do Endecja e da direita radical. Nas universidades e escolas, onde foram impostas quotas antijudaicas, os judeus eram cada vez mais empurrados para "bancos de gueto" separados, não obstante as objeções expressas por estudantes judeus e a solidariedade de seus colegas cristãos e de alguns membros do corpo acadêmico. Na maioria dos casos, esse processo de discriminação terminava com a imposição de separação racial e a introdução de quotas. Propostas de natureza antijudaica e até racial foram apresentadas no Sejm, mas nunca aprovadas. As propostas radicais antijudaicas não tardaram a ser obscurecidas pela crise política, prenunciando o advento da guerra.

Não obstante, a tendência antijudaica continuou a se propagar pelo campo dirigente, mas sua liderança assumiu um tom ligeiramente diferente. No tempo de Pilsudski os judeus faziam parte da grande coligação de seus adeptos. Nas eleições para o Parlamento, os judeus, que eram excluídos como representantes de grupos apoiando a facção Pilsudski, apareciam nas listas do amplo grupo apartidário de apoio ao governo e do bloco apartidário para colaboração com o governo. Pouco depois da morte de Pilsudski, o "bloco" foi dissolvido e Walery Slawek, o homem que estava na sua liderança e estivera próximo de Pilsudski, foi excluído da cena política.

No começo de 1937, formou-se um novo agrupamento que ajudou os Diadochi (os sucessores) governantes — o OZON, "campo dos nacionalistas consolidados". No OZON, dava-se ênfase a princípios totalitários e laços católicos. Em sua fase inicial, o novo "partido" tentou atrelar-se às fileiras dos anti-semitas e pró-fascistas radicais que haviam saído do Endecja por achá-lo pouco extremista. Os líderes do OZON afirmaram que não aceitariam judeus por considerá-los uma entidade nacional separada, e que sua organização só admitia cristãos. Em maio de 1938, o conselho supremo desse partido ocupava-se em formular sua posição sobre a "questão judaica" na Polônia, que proibiria certas profissões a judeus. A solução desse problema judaico seria alcançada com o país livrando-se de uma grande parte da população judaica. A propaganda anti-semita atingira o auge.

Reunião ao ar livre da Organização da Juventude bundista, Varsóvia, junho 1932

Nos primeiros anos da república, o anti-semitismo havia sido um fato aceito, embora contido, camuflado pela suposição formal de que tudo estava como deveria ser. Em 1938, o anti-semitismo unia oposição e governo. Este se absteve de usar violência e terror físico — distúrbios, agressões e remoção forçada —, insistindo que a política anti-semita devia funcionar através de canais semilegais. O governo foi cauteloso: violência de rua dirigida por uma oposição inclinada ao totalitarismo poderia facilmente redirecionar contra ele próprio a fúria das multidões. A direita radical falava de expulsão em massa dos judeus e alegava que isso não podia ser alcançado sem o uso de pressão e violência. Por outro lado, porta-vozes do governo procuravam febrilmente lugares que aceitassem judeus como imigrantes. Cogitou-se ate a emigração de judeus para Madagascar. Os judeus eram descritos como um verdadeiro empecilho ao progresso da Polônia. Muitos socialistas de esquerda e os círculos liberais opuseram-se ao anti-semitismo e vieram em defesa dos judeus. Havia também aqueles que, sustentando opiniões liberais, especialmente os simpáticos ao sionismo, falavam calorosamente de os judeus emigrarem para a Palestina, mas sempre fazendo questão de declarar que a migração ou integração era uma escolha a ser feita pelos próprios judeus e não algo a ser imposto ou forçado de fora. Nas várias polêmicas que naqueles dias ocupavam a imprensa e a opinião pública, havia socialistas ativos que, por motivos econômicos e sociais, tentavam coagir os demais em favor de uma grande emigração judaica. Entre os próprios judeus, alguns líderes clamavam por um êxodo em massa da Polônia. Essa grita toda, compreende-se, involuntariamente acrescentava lenha às fogueiras do anti-semitismo.

Em 1936, por exemplo, Zev Jabotinsky, o carismático líder dos sionistas revisionistas, irradiou publicamente seu plano de "evacuação" para judeus poloneses. Os círculos governamentais e o Endecja ficaram entusiasmados com o plano, mas a proposta também esbarrou em fortes críticas e indignação por parte da maioria dos jornalistas judeus. Os protestos mais ruidosos vieram principalmente de adeptos do Bund e do Agudatli Israel, os quais, por mais que divergissem entre si, procuravam, ambos, assegurar a vida judaica na Polônia. E até mesmo a imprensa pró-sionista considerou as opiniões de Jabotinsky não práticas, pois presumiam que a emigração em massa dos judeus da Polônia dependia antes de tudo dos próprios judeus.

As tensões sociais na Polônia, um estado de espírito cada vez mais antijudaico, e as crescentes exigências públicas por uma emigração em massa de judeus certamente impulsionaram o desejo de emigrar. Antes da Primeira Guerra Mundial, os judeus formavam 30% dos emigrantes da Polônia, os poloneses 5590 e os ucranianos 15%. Esse padrão se alterou durante o período 1921-25. Nos primeiros anos de independência da Polônia, a emigração judaica representou 69% do total. Em números, saíram da Polônia cerca de 270 mil judeus, dos quais 190 mil foram para os Estados Unidos e 30 mil para a Palestina, que então se achava bem no início do seu desenvolvimento como lar nacional judaico. Após 1926, a percentagem de judeus emigrantes decresceu (40% do número total de emigrantes), mas o numero de emigrantes judeus ainda estava em elevação. A queda percentual não refletia um enfraquecimento essencial do desejo deles de sair da Polônia, mas podia ser atribuída às condições cada vez mais difíceis criadas pelos países que poderiam recebê-los. Para saírem, os judeus precisavam de um lugar para onde ir. Na realidade, o número dos ansiosos por emigrar da Polônia e outros países estava em proporção inversa ao número de exigências e leis de emigração impostas pelos governos de suas pretendidas destinações. Em primeiro lugar, na lista de urgentes prioridades internacionais da época, estava a necessidade de encontrar uma solução para os que fugiam da Alemanha nazista. Durante esses anos, os Estados Unidos impuseram limitações à emigração, introduzindo um sistema de quotas que discriminava os oriundos da Europa Oriental. Outros países muito espaçosos e pouco povoados seguiram o exemplo americano e se recusaram a receber imigrantes. A severidade da Grande Depressão e a pressão do desemprego trouxeram o temor de mão-de-obra imigrante a baixo preço. Os países dispostos a permitir uma imigração controlada queriam agricultores, e os judeus não podiam oferecer-lhes muita coisa em matéria de trabalhadores agrícolas experientes. Na aquecida atmosfera antijudaica dos anos 30, muitos países não hesitaram em declarar sua má vontade em receber judeus.

Transcrição: Daniel Moratori - avidanofront.blogspot.com
Fonte: GUTMAN, Israel - Resistência. Ed. Imago, 1995, pg 29-37.

Os judeus de Varsóvia no entreguerras - Parte 1/3, Parte 2/3, Parte 3/3
A extensa discriminação aos judeus orientais(Ostjuden) pelos judeus-alemães - Link