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domingo, 26 de janeiro de 2014

Os judeus de Varsóvia no entreguerras - Parte 3/3

Os membros do Hashomer Hatzair(movimento juvenil sionista) 
fica em formação ao longo de uma estrada, vários deles segurando
 instrumentos musicais.
Membros das profissões liberais e assimilacionistas confessos moravam em ruas e casas ocupadas por poloneses ou por uma combinação de judeus e poloneses. É difícil calcular o número deles, mas não poderiam ser mais do que 20 ou 25% dos judeus vivendo em Varsóvia. O comércio atacadista judeu e suas ramificações estavam concentrados em determinadas ruas. A rua Gesia era conhecida pelos tecidos e acessórios a eles relacionados; a rua Franciszkanska pelas lojas de artigos de couro e curtidores; e a rua Swietokszyska por suas editoras, lojas para livros escolares e antiquários, comercializando livros usados e obras raras. O próprio bairro judeu podia ser distinguido por suas casas e pelas condições de suas ruas. 

O status financeiro e o estilo de vida dos inquilinos determinavam em grande parte a aparência da rua: as calçadas, a quantidade de gente, o barulho, a limpeza e os cheiros. Os becos judeus eram congestionados e obviamente descuidados. Paul Tarpman descreveu o ritmo de vida de um beco típico: 

A rua está fervilhando com uma espécie de atividade que só é encontrada no bairro judeu, pois ela funciona como centro nervoso de comércio e trabalho. Não está familiarizada com o sono. Aqui o tempo noturno tinha pouca significação. Durante o dia, as lojas ficavam cheias de fregueses e carregadores, que nos seus fortes ombros levavam sacos, caixotes, rolos de tecido, móveis... As calçadas, desde o raiar do dia, apinhadas de gente: vendedores apregoavam pãezinhos e água gasosa, ambulantes carregavam cestos cheios de amendoim, sementes de girassol, cadernos e velas; empréstimos e outras pechinchas eram oferecidos, com os tons mais sedutores, a qualquer passante; mendigos esfarrapados louvavam suas mercadorias, nos termos mais elogiosos, para todos.


Aqui um judeu da província gritava e se lastimava de que, num único segundo, suas posses haviam desaparecido como se nunca houvessem existido. E, ali, um homem que caíra na miséria implorava por alguma comida ou roupa. Mais adiante, um criado xingava um amigo com todas as imprecações e maldições bíblicas que era capaz de lembrar, e na esquina um policial polonês preparava uma arapuca para um ambulante judeu. Judeus trajando os longos e tradicionais cafetãs pretos (kapote), outros com bonés pretos com pequenas palas e rostos barbeados; mulheres elegantemente vestidas ou algumas com roupas mais simples. Crianças sujas e limpas, algumas bem alimentadas e outras magras como uma vara — aí podia-se encontrar tudo.

David Canaani, natural de Varsóvia, descreveu a sua rua e a casa em que morava quando jovem:

A rua consistia principalmente de casas residenciais. Havia poucas lojas, apenas o suficiente para suprir as necessidades mais simples: mercearias, sapateiros e alfaiates, uma lavanderia, um depósito de carvão, uma minúscula papelaria, onde se podia comprar qualquer coisa, desde cadarço até cola. Aqui você tem todo o comércio da rua. Nossa rua era em parte rua e em parte alameda. Uma rua — pois de ambos os lados havia quadras de casas de três, quatro ou até sete andares, e em cada casa moravam não menos que quarenta ou cinqüenta famílias. Uma alameda — pois nenhum bonde passava por lá. Era iluminada por luz de gás, e não por eletricidade. Era pavimentada com pedras, e cada carroça que passava fazia horrendos sons ribombantes e ecos de parar o coração. Era uma rua estreita. Uma tira de céu cinzento dependurava-se frouxamente sobre nossas cabeças: a luz do sol mal conseguia se esgueirar entre as paredes dos altos prédios. Somente ao entardecer é que os raios do sol poente douravam os inclinados telhados de zinco e as bruxuleantes luzes aliviavam o escuro desalento.


No inverno, a rua ficava ainda mais estreita, devido às pilhas de neve suja e compacta amontoada nos lados. Mas nas manhã de verão ela era às vezes perfumada com os produtos de uma carroça de aldeão, cheirando a frutas e flores do campo.

Nossa rua, pouso de milhares de judeus, foi uma das centenas de ruas judaicas de Varsóvia que se tornaram montes de ossos e de ruínas. Nossa casa, a número 15 da rua Nowolipki, era uma das milhares de casas judias, anônimas e cinzentas de Varsóvia. Suas janelas são vistas à distância do tempo e lugar. Não obstante, parece haver algo a singularizá-la, apagando seu anonimato e obscuridade. Há, indubitavelmente, entre os habitantes de Varsóvia, muitos que se lembram dessa casa por causa do jornal Unser Express ("Nosso Expresso"), que por breve tempo teve ali sua redação.

Durante décadas, milhares passaram pelo prédio, indo para a clínica da organização beneficente conhecida como Achiezer ("Ajuda Fraterna"). Dessa casa estabeleceram-se vínculos com velhos colonos na Palestina: por alguns anos foi o centro para fundos do Rabi Meir Bal Haness. Cobradores para instituições religiosas, funcionários e simples judeus comuns podiam ser vistos constantemente indo e vindo. Centenas de alunos estudavam no Estherson, o Heder Metukan do Litvak [na escola ortodoxa, as crianças, desde muito cedo, aprendiam quase exclusivamente a Torá, enquanto que no Heder Metukan eram ensinados também outras disciplinas, tais corno aritmética, a língua do país conhecimentos gerais), até ele transformar a escola num hotel.

Centenas, talvez milhares de migrantes que partiam para a Palestina e para a America passavam seus últimos dias e noites nesse "hotel".

Não eram, porém, as instituições que davam ao nosso pátio o seu caráter. Nossa casa era essencialmente uma residência para dezenas de famílias judias que ali viviam permanentemente. Era uma casa antiga, de uns sessenta ou setenta anos, com o formato típico das casas de Varsóvia e um pátio fechado pelos quatro lados chamado de "caixa". Em cada canto havia escadas, além das entradas mais amplas e mais elegantes dando para a rua... Quase todos os apartamentos consistiam de dois quartos e cozinha, um pequeno corredor em que o sanitário ficava escondido por trás de uma cortina de tábuas e onde também podiam ser encontrados um cesto de roupa suja e todo tipo de velharias. Apartamentos desse tipo eram considerados respeitáveis e hem arrumados. No centro do bairro judeu, não só todos os residentes eram judeus como também todas as instituições e serviços se destinavam a judeus e tinham um caráter essencialmente judaico. Os judeus tinham ali a sensação de estar em casa, entre eles mesmos e em seu próprio elemento. Tinham total liberdade de se comportar como quisessem e fazer o que lhes aprouvesse. A língua ídiche dominava as ruas. A variada multidão criava uma existência harmoniosa e colorida em meio ao abundante clamor e alarido. Aos olhos dos poloneses de ruas mais abastadas e elegantes, mas apenas a poucos minutos de distância, o bairro judeu parecia um mundo diferente e estranho, enquanto que, do ponto de vista de muitos judeus, as ruas especificamente polonesas eram uma área de desconforto e, por vezes, cenários de ataques, xingamentos injuriosos por parte de desordeiros, e até de agressão física, particularmente nos anos 30.
Os transtornos ocasionados pela Primeira Guerra Mundial — operações militares, movimentos de populações e mudanças de governos — paralisaram a da econômica de Varsóvia. Os poloneses demonstraram incansável e persistente entusiasmo em sua luta pela restauração da independência política, mas a verdade nacional por si mesma não solucionava os problemas existenciais de ri povo. No entreguerras a Polônia sofreu com o enfraquecimento dos mercados russos, que anteriormente constituíam um consumidor de sua produção industrial, e estava debilitada por recessões e pela grande crise econômica naquele período. 

Na Polônia do entreguerras houve uma acentuada tendência para expulsar deus das posições de destaque na economia. Seria um exagero atribuir aos poloneses em geral, e a todos os órgãos políticos da nação, a tendência de tornar economia livre de judeus e de encarar o futuro da Polônia pelo prisma do anti-semitismo, mas slogans antijudaicos predominavam. Havia muitos que viam) banimento dos judeus de posições econômicas — e, a partir de fins da década 1930, na expulsão total de judeus — uma panacéia para todos os males da polônia. Era essa a opinião dominante no Endecja, com seu grande contingente a burguesia, da classe média e da intelectualidade. E era também a doutrina que impregnava as fileiras de muitos jovens estudantes e ativistas políticos que, os anos 30, abandonaram o Endecja e fundaram um ramo radical-nacionalista que, não obstante sua confessada orientação católica, se apropriava entusiasticamente de muitos elementos da ideologia fascista e adotava como modelo a política antijudaica dos nazistas.
 Nas cidades polonesas, os judeus eram um elemento nitidamente urbano.

Excetuando-se uma pequena minoria de alemães, alguns dos quais haviam obscurecido ou rejeitado sua identidade anterior, eram os judeus na Polônia, sob muitos aspectos, a mais nítida das minorias. Uma situação tão grave de tensões e de escassez proporcionava, obviamente, um terreno fértil para acusações contra os judeus. Estes, alegava-se, eram responsáveis pelo atraso das cidades polonesas, e as indústrias e o comércio mal administrados da Polônia eram conseqüência direta do número excessivo de intermediários e de sua disputa por lucros especulativos. 

Muitos judeus, ou melhor, a maioria dos judeus era ativa no mundo dos negócios e do comércio, bem como em certos ofícios e profissões que empregavam métodos bem mais antiquados que os em uso nas nações ocidentais. As autoridades polonesas, contudo, em vez de tratarem das causas da situação precária de suas cidades e do atraso no comércio, e de energicamente introduzir reformas básicas e melhorias tanto no setor urbano quanto no rural, freqüente-mente pretendiam atribuir à responsabilidade por esse triste estado de coisas aos judeus, retratados como obstáculo às mudanças ansiosamente esperadas. 

De acordo com as estatísticas, os judeus possuíam em Varsóvia, ao fim da Primeira Guerra Mundial, 73% dos negócios particulares da cidade, enquanto que, em 1928, essa porcentagem baixou para 54%, e continuou em declínio até a Segunda Guerra Mundial. Esse declínio fica ainda mais evidente examinando-se a categoria de negócios em mãos de judeus. Os 39,5% que representam o comércio judeu de Varsóvia em 1928, decresceram para 23% em 1933. Mas o fato de os judeus se dedicarem ao pequeno comércio e ao comércio ambulante não diminuiu o antagonismo. Pelo contrário, o pequeno lojista era visto pelo consumidor como um empresário independente, fornecendo todos os ramos de produção, e responsável pela lacuna cada vez maior entre salários e preços, assim como pelos problemas dos desempregados, que compravam mercadorias a crédito e não podiam pagar suas dívidas a tempo. 

A imagem do judeu rico manipulando as cordas do comércio era muito comum entre poloneses de classe baixa. Um erudito polonês, Jerzi Tomaszewski, documentou no seu livro A República de Muitas Nações aquele ápice da economia da Polônia no entreguerras. Havia então, nas fileiras da oligarquia financeira que determinava a política econômica, 92 indivíduos específicos. A julgar pelos seus nomes e por outros indícios, 14 deles, no máximo, eram judeus — e alguns tinham se assimilado ou convertido. Mas conforme já é tradicional no estereótipo anti-semita, basta haver apenas um pequeno número de judeus, ou até mesmo um só, envolvido numa determinada área de comércio para que isso comprove uma dominação judaica. Os judeus foram também os primeiros a derrubar a barreira erguida pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas após a revolução, e a Associação Mercantil Judaica organizou uma companhia acionária cuja especialidade era estabelecer conexões comerciais com o Leste. O núcleo da Associação Mercantil, uma prestigiosa e poderosa instituição fundada em 1906, localizava-se em Varsóvia daí se espalhando pelo país para formar uma rede, organizada segundo atividade comerciais específicas. De acordo com o historiador judeu Meir Balaban, essa organização podia se vangloriar de ter em Varsóvia, em 1928, uns 6 mil membros. A Associação promovia convenções anuais que, segundo um de seus membros, eram "eventos importantes no calendário político judaico na Polônia". 

Os comerciantes de Varsóvia eram as figuras dominantes na Associação Mercantil. Em 1935, presidia-a Abraham Gepner. Era um homem de enorme vitalidade, que começara a vida como entregador de uma firma comercial e chegara a uma posição de destaque no comércio e fabricação de metais. Nos anos 30, tornou-se conhecido como figura pública de princípios elevados e como filantropo particularmente sensível ao destino de crianças órfãs. Ao tempo da guerra e do gueto, Gapner, então com quase 70 anos, foi membro do Judenrat, sendo responsável por suprimentos, isto é, pela área extremamente sensível e socialmente explosiva da distribuição de alimentos a pessoas famintas. Nesse papel ingrato, sua integridade nunca foi posta em dúvida. E, além disso, ele apoiava secretamente o movimento clandestino e a Organização Combatente judaica. Em seus últimos dias, Gepner escreveu não estar arrependido de ter permanecido no gueto com seus irmãos e irmãs, e "se eu pudesse enxugar apenas uma lágrima — eu estaria bem recompensado". 

Os judeus se destacaram no desenvolvimento das manufaturas, tanto no âmbito do Estado polonês quanto internacionalmente. Quando as grandes companhias saíram do campo das empresas privadas e se tornaram sociedades anônimas, muitos judeus foram nomeados diretores. Os judeus, preferiam de um modo geral, trabalhar independentemente, isto é, não serem assalariados e terem seu próprio negocio ou loja, por menor que fosse. Foi somente sob a forte pressão dos impostos, que afetaram as classes médias inferiores, e especialmente após a confusão causada pela grande depressão que os judeus que haviam sido pequenos negociantes sentiram o doloroso processo da proletarização. Havia muitos artesãos entre os judeus da Polônia, mas o número de judeus trabalhando na agricultura, num país basicamente agrário, era acentuadamente baixo. Isso refletia restrições governamentais sobre posse de terras por judeus, repetidamente impostas no decorrer da história judaica. Em 1918, os judeus constituíam 37% dos artesãos, e esse percentual aumentou consideravelmente durante os anos de independência da Polônia. Eles concentravam-se em certos ramos de trabalho, especialmente os que exigiam alguma perícia, tais como, entre outros, a manufatura de roupas, sapatos, chapéus, artigos de couro, artigos de armarinho e casacos de peles.

Em 1926, um levantamento do governo revelou que 55% de todos os empregados de oficinas eram judeus. No ano seguinte foram introduzidas amplas reformas em relação a padrões e condições de trabalho em oficinas que obrigavam os trabalhadores a serem examinados pelas autoridades, para obter uma licença (patente) que lhes dava o direito, caso aprovados, de exercer seu ofício. Muitos judeus fracassaram, e houve queixas de que tais reprovações não se deveram a falhas de produção e sim porque aos examinandos foi pedido que provassem seu domínio da língua polonesa. Em conseqüência, muitas oficinas judaicas foram obrigadas a funcionar sem uma licença oficial, e isso teve efeito nos preços que podiam cobrar. O trabalho tinha de ser feito em casa pelos trabalhadores. Nos setores judeus mais pobres, nas ruas Mila, Smocza, Krochmalma, e outras, havia muitos alfaiates, sapateiros, costureiras, e trabalhadores temporários de todo tipo, que trabalhavam como artesãos independentes ou assumiam empregos temporários de empreiteiros. Artesãos e trabalhadores temporários, conhecidos como chalupnicy, moravam num pequeno quarto e usavam a oficina para comer, dormir e para a vida familiar diária. Crianças faziam seus deveres de casa ou brincavam numa minúscula área desse quarto, que freqüentemente era sombrio. 

Futuro conselho judeu de Varsóvia. Sentado atrás da mesa, 2 a 4 na
 esquerda: o industrial Abraham Gepner; presidente Adam Czerniakow
e advogado Gustavo Wielikowski. Varsóvia, Polônia, entre 1939 e 1942. 

Com o decorrer do tempo, esses severos regulamentos foram um tanto atenuados. Os artesãos se organizaram num sindicato profissional denominado Associação Central de Artesãos Judeus, que tinha somente em Varsóvia uns oito mil membros, com mais de quinhentas ramificações em todo o país. O sindicato cuidava de muitos aspectos do setor profissional e protegia os direitos dos artesãos nos âmbitos oficial e jurídico. As opiniões contraditórias que levaram a uma cisão desse sindicato multilateral não eram só políticas, mas causadas às vezes por um conflito de personalidades e pela ambição de dominar o sindicato, segundo Joseph Marcus, autor de um livro sobre a história política e social dos judeus poloneses no entreguerras. Até 1929, o sindicato foi presidido por Adam Czerniakow, um engenheiro que estava próximo dos assimilacionistas mas que, à semelhança de outros membros com opiniões análogas, passou a servir os judeus sob outras condições e a defendê-los contra as políticas discriminatórias das autoridades. Czerniakow foi presidente do Judenrat no gueto de Varsóvia desde o início da ocupação nazista, de outubro de 1939 até cometer suicídio, quando começaram as deportações de judeus para Treblinka, a 22 de julho de 1942.

Os sindicatos judeus maiores tinham também um sistema bancário e uru fundo de assistência social. O American Jewish Joint Distribution Comntittet (o Joint) teve uma grande participação em capitalizar e canalizar fundos para a manutenção da rede financeira e assistencial. De acordo com Joseph Marcus, ocorreu na esteira do crack da Bolsa um declínio no envolvimento do Joint e no auxilio a essas instituições bancárias. Isso só exacerbou as terríveis condições dos judeus poloneses. Houve também, conseqüentemente, um enfraquecimento da eficácia das associações econômicas judaicas na época em que elas eram mais necessárias. Em resposta, nesse momento crítico, aumentou o auxilio mútuo independente de fontes judaicas locais. 

A década de 1930 foi, em conjunto, em toda a Polônia, um período de terrível pobreza e desemprego em massa, mas o fardo mais pesado recaiu sobre os judeus empregados nos setores mais vulneráveis da economia que menos ajuda receberam do governo, que se mostrou incapaz de enfrentar a situação econômica. De meados dos anos 30 em diante, evidências da crescente influência do rumo antijudaico na economia tiveram sua expressão mais nítida e extrema na política da oposição direitista radical, que não se absteve de recorrer a violentos distúrbios e perseguições. Ao mesmo tempo, os governantes seguidores de Pilsudski adotaram, nas esferas política e econômica, medidas antijudaicas pelo processo de "legitimização" de um boicote antijudeu. Quando indagado sobre sua política em relação aos judeus, o primeiro-ministro, General Felicjan Slawoy-Skladkowiski, respondeu que ele rejeitava métodos violentos mas que sanções econômicas eram obrigatórias. Sanções econômicas dirigidas contra um setor da população cujos costumes, crenças e língua diferiam dos da maioria eram consideradas apropriadas. Aproximadamente um quarto dos habitantes judeus da cidade eram indigentes necessitados de ajuda, alguns deles a ponto de morrer de fome. 

A sociedade judaica tinha a estrutura de uma pirâmide: no topo uns poucos abastados. A camada do meio era constituída pela maior parte da classe média, e na ampla base estavam às pessoas de baixa renda ou sem renda estável. Segundo o sociólogo Jacob Lestchinsky, essas proporções com o decorrer do tempo se alteraram. O topo e as camadas intermediárias se estreitaram, enquanto a camada mais baixa inchou desmesuradamente. Durante todo o período de entreguerras, os judeus sentiram a necessidade de reorientar suas vidas profissionais e de se deslocarem do pequeno comércio e de posições de intermediários para a indústria e ocupações estáveis. Sentiam que uma alteração no status econômico dos judeus melhoraria sua imagem perante os não-judeus. Nos anos 30, o trabalho nas indústrias era visto como uma garantia de estabilidade e uma promessa de condições de trabalho decentes. Houve, por parte de órgãos Públicos judaicos, inúmeras petições e tentativas de direcionar os muitos judeus sem meios de subsistência aos judeus proprietários de fábricas, mas os resultados foram apenas modestos. Judeus donos de fábricas não se dispunham, por várias razões, a empregar outros judeus. As empresas pertencentes a não-judeus empregavam, em regra, poucos judeus, e a presença de um grande número de judeus numa só fábrica era um inconfundível indício de que o proprietário era judeu — algo que ele preferia esconder. Em segundo lugar, a maioria dos judeus não queria trabalhar no sábado, o dia de repouso da família judaica, mesmo nos círculos mais laicos. Era natural que urna empresa com grande número de empregados tivesse o domingo como dia compulsório de repouso, e exceções a essa regra causavam incômodo e confusão no processo de produção. Em certas indústrias, os próprios trabalhadores não-Judeus faziam objeção ao emprego de judeus. De qualquer maneira, porém, a intensa aflição bem como o anti-semitismo evidentemente levaram alguns industriais judeus a admitir muitos trabalhadores judeus, a despeito dos inconvenientes envolvidos. 

O governo polonês desempenhou um papel ativo na direção da economia. Quase um quarto do capital, assim como a propriedade de algumas indústrias básicas, estava em mãos do governo. A nacionalização de setores inteiros da indústria, tais como sal, fumo, álcool e loterias excluía judeus de áreas em que anteriormente tinham considerável participação. Judeus alegavam também que políticas de crédito os discriminavam. Os judeus estavam quase completamente excluídos do trabalho nas administrações municipais e nacional. Em seu livro intitulado A História dos Judeus em Varsóvia, Abraham Levinson escreveu: 

em 1931 havia no governo polonês meio milhão de funcionários administrativos, dentre os quais 1% de judeus — menos que uni décimo do setor judaico no seu todo. Em 1923, entre os 3.177 funcionários empregados em instituições nacionais de crédito — uma esfera da economia em que judeus eram conhecidos por sua experiência e talento nato — havia 23 judeus, ou 0,66%. Os judeus formavam 33% da população de Varsóvia e, no entanto, em 1928, entre os 4.342 empregados e funcionários dos serviços municipais de bondes havia apenas dois judeus, ou 0,05%. Quinhentos novos empregados e funcionários foram admitidos em 1929, e após muitos esforços, outros... 4 judeus. 

Numa situação cada vez mais terrível, o auxílio e conselhos dados pelas instituições judaicas, lidando com garantias mútuas, desempenharam significativo papel. Em acréscimo aos sindicatos profissionais organizados de acordo com suas atividades econômicas havia também, dentro da estrutura comunitária judaica, fundos para empréstimos e assistência urgente. A Organização de Reabilitação pelo Trabalho (ORT) e a Sociedade para Promoção do Trabalho Agrícola e Vocacional entre os judeus preparavam jovens de origem judaica para trabalharem como artesãos e artífices, e auxiliaram fornecendo maquinaria c treinamento para pessoal de oficinas. 

Houve também tentativas de dirigir gente jovem para instrução agrícola. O movimento Hechalutz, constituído de membros mais velhos de movimentos juvenis que eram treinados para ingressar num kibutz na Palestina, e outros pioneiros desejosos de participar de uni esforço comunitário antes de emigrar, trabalhavam em fazendas agrícolas e faziam outros tipos de trabalho na expectativa de constituir bom futuro na Palestina. Embora alguns grupos juvenis não passassem de reservas para um partido político, movimentos juvenis sionistas tais como Hashonier Hatzair, Jovens Sionistas e Akiva tinham ideologias bem definidas mas não estavam vinculados a um partido político. Seus membros, especialmente os dos movimentos de pioneiros que os preparavam para viver na Palestina, se abstinham de atividades públicas e políticas na Diáspora, enfocando a preparação para aliyah, a ascensão à terra. 

A comunidade judaica de Varsóvia mantinha uma rede educacional que também enfatizava o treinamento vocacional. A mais popular e eficiente das organizações era o grupo de companhias oferecendo empréstimos sem juros aos necessitados — uma forma de assistência que combinava a antiga tradição de garantias mútuas com o preceito da Torá de não emprestar dinheiro a juros. A Organização Central de Sociedades para o Apoio ao Crédito sem juros e Fomento do Trabalho Produtivo (CEKABE), que se tornou conhecida por suas realizações organizacionais e práticas, foi instituída em 1926 com ajuda financeira do Joint. Imediatamente após a Primeira Guerra Mundial o Joint veio em socorro das comunidades judaicas que haviam sofrido com os grandes transtornos causados pela guerra, e mais tarde voltou a fim de prestar ajuda aos judeus da Polônia em sua crescente desgraça econômica. O conceito básico que orientava a assistência do Joint era o da reabilitação construtiva —, isto é, não a ajuda filantrópica para necessidades diárias, e sim dinheiro que possibilitaria aos que o recebessem reconstruir ou fortalecer sua fonte de sustento, ou passar por uma reciclagem profissional. Nas circunstâncias prevalecentes na época, essa forma de ajuda era uma medida de proteção para os judeus poloneses. Aqueles que recebiam dinheiro eram obrigados a devolvê-lo em pequenas quantias especificadas, enquanto que a rede de fundos era organizada na base das contribuições dos seus membros. Com o passar do tempo, a participação dos judeus poloneses no fundo começou a crescer. Marcus escreve que em 1937 a CEKABE, que dava empréstimos sem juros, arregimentava 825 companhias locais, com um total de 100 mil membros pagantes. 

O historiador e cronista do Holocausto Emanuel Ringelblum, que trabalhou para o Joint na Polônia, escreveu um estudo biográfico de Yitzhak Gitterman, um dos dirigentes do Joint na Polônia e uma das forças impulsionadoras por trás do conceito e organização da rede de fundos. (Gitterman foi assassinado pelos nazistas em janeiro de 1943, mais de um ano antes do assassinato do próprio Ringelblum.) Gitterman afirmava que devia haver menos caridade, mas que o dinheiro à disposição dos fundos deveria servir como estímulo para a economia. De acordo com Ringelblum, os fundos eram uma instituição popular na cena judaica, tendo um papel em todas as comunidades judaicas, e até naquelas cidadezinhas onde a comunidade mal se estabelecera. As atividades do movimento cooperativo entre os judeus também foram significativas, em parte porque o movimento abandonou as tendências conservadoras arraigadas na mentalidade judaico-polonesa. Provou seu valor em muitas ocasiões pelos meios eficazes que adotou para reagir a infortúnios. 

Dentre as muitas instituições beneficentes, tais como asilos para idosos, hospitais, e assim por diante, a posição mais respeitada era ocupada pela Associação para o Cuidado de órfãos Judeus (CENTOS). Dava apoio a orfanatos, dentre eles o famoso orfanato dirigido pelo pedagogo e escritor Dr. Janusz Korczak c sua assistente Stefania Wilczynska, que não somente criou um lar modelo para crianças como também introduziu métodos originais de educação e auto-instrução para crianças tanto judias como polonesas, que vieram a ser estudados por outros educadores. Korczak, Wilczynska e os diretores de outros orfanatos em Varsóvia não abandonaram os que a eles estavam entregues: nos dias do Holocausto, a última viagem de Korczak, no verão de 1942, com duzentas crianças no trem para Treblinka serviu como um farol de dignidade em meio à apavorante escuridão de barbárie e carnificina. 

A sociedade TOZ era responsável pela saúde e cuidados com a infância. A Agência Central de Ajuda a Judeus em Varsóvia cuidava das necessidades mais urgentes dos pobres e em 1936 prestava assistência a umas três mil famílias. E talvez a forma mais original de auxílio viesse de um grupo de voluntários que percorria os pátios judaicos com grandes cestos na mão, pedindo alimentos para os pacientes em hospitais. Esse grupo era chamado "Bom Shabat, Judeuzinhos", pela saudação com que anunciavam seu pedido de alimentos para os enfermos. As crianças ali aguardavam excitadamente sua chegada, trazendo pequenos pacotes que continham comida e doces. 

Os movimentos juvenis desempenharam um papel fundamental na luta e ação defensiva, que foi a última clara manifestação da vontade de viver dos judeus de Varsóvia. Os movimentos juvenis, que tratavam a adolescência e a juventude mais corno um período apreciável do que simplesmente urna transição para a idade adulta, originaram-se na Alemanha no início do século XX. Segundo o livro de Walter Laqueur sobre os movimentos juvenis alemães, a maioria dos seus membros era gente jovem de classe média que se sentia alienada e procurava uma mudança na estrutura social. Dentro do ambiente íntimo dos movimentos juvenis, eles tentavam melhorar o clima social. 

Embora rudimentos dos movimentos juvenis judaicos na Polônia se evidenciassem antes da Primeira Guerra Mundial, a consolidação e maturidade dos mesmos se deu entre as guerras. Os movimentos juvenis proporcionaram unia ideologia aos que ansiavam por um propósito e por uma ligação íntima com algo que aliviasse a monotonia de suas vidas. Embora não se saiba quantos pertenceram aos movimentos juvenis da Polônia, pode-se dizer que sessenta mil é uma estimativa razoável. Durante a ocupação e ao tempo do gueto, esse reservatório de gente jovem direcionou sua atenção para atividades e assuntos locais na comunidade judaica. Os historiadores podem meditar sobre qual poderia ter sido o destino dos judeus poloneses se os alemães não tivessem invadido a Polônia em 1939 e imposto a "solução final". O que pudemos assegurar é que as duas décadas entre as guerras foram, para os judeus, um tempo não só de dificuldades e provações mas também de realizações. E, afinal de contas, as dificuldades das relações com não-judeus eram pelo menos conflitos com uma dimensão humana; a guerra e a ocupação nazista proporcionaram a transição de uma era de transtornos humanos para outra de desumanidade e destruição.

Transcrição: Daniel Moratori  (avidanofront.blogspot.com)
Fonte: GUTMAN, Israel - Resistência. Ed. Imago, 1995, pg 47-57

Ver também:
Os judeus de Varsóvia no entreguerras - Parte 1/3Parte 2/3, Parte 3/3
A extensa discriminação aos judeus orientais(Ostjuden) pelos judeus-alemães - Link aqui

Fontes das fotos: Foto 1, foto 2


Obs: Depois de um tempo sem postar por motivos pessoais, vou atualizar o blog agora constantemente, e colocar as matérias que estavam faltando, como essa, a 3 parte sobre os judeus no entreguerras em Varsóvia.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Os judeus de Varsóvia no entreguerras - Parte 2/3


Delegados de Wegrow, Grodno, e outras cidades marcham na convenção nacional de Tsukunft, o movimento juvenil  judeu socialista Bund (Varsóvia, 1931).
No período entre as duas guerras mundiais, os judeus poloneses, e especialmente os de Varsóvia, desempenharam um papel central na vida judaica em todo o mundo. Superada apenas por Nova Iorque, no que diz respeito à quantidade de judeus, Varsóvia continha uma vida judaica que era, ao mesmo tempo, tradicional e criativa, religiosamente conservadora e nacionalista. Apesar do intenso movimento na cultura polonesa, os judeus da Polônia se viam antes como parte do povo judeu disperso pelo mundo do que como parte integrante daquela sociedade.

De 1918 em diante, Varsóvia foi a capital de uma Polônia independente, abrangendo áreas que por mais de um século haviam sido ocupadas por potências estrangeiras decididas a solapar o nacionalismo polonês. Sob ocupação russa, Varsóvia tinha sido o alvo principal de uma política que visava a erradicar qualquer vestígio de nacionalismo polonês. Não obstante, e a despeito dos esforços russos, a geração mais jovem permaneceu politicamente orientada e nacionalista. Varsóvia foi também palco de impulso e desenvolvimento econômico. 

Assim como na Europa Ocidental, empreendedores judeus desempenharam um papel desbravador em bancos, ferrovias, finanças internacionais e novas indústrias. Famílias judaicas tiveram considerável participação no estabelecemento de uma economia capitalista e sua expansão por toda a Polônia. Muitos desses pioneiros econômicos eram rodeados de assistentes e agentes leais, que em sua maioria eram judeus. A semelhança dos judeus da "parte alta" da cidade de Nova Iorque, alguns membros dessas famílias de destaque se converteram ao cristianismo quando ainda jovens, enquanto outros, da segunda ou terceira geração, se assimilaram na aristocracia e burguesia polonesas. Outros permaneceram na comunidade judaica. 

O impacto desses indivíduos e famílias se estendeu ao desenvolvimento e progresso de instituições artísticas e culturais, jornalismo e editoras. Na filantropia, judeus contribuíram amplamente para a educação e a fundação de hospitais e instituições públicas de beneficência. Seus generosos donativos permitiram que judeus que pensavam da mesma maneira progredissem na sociedade polonesa, mas seu progresso, no entanto, freqüentemente atenuava seus vínculos, sua utilidade e sua lealdade para com a comunidade judaica. Ainda assim, quando essas famílias estavam em boa situação, seus membros contribuíam generosamente para as necessidades públicas da população polonesa em geral ou dos judeus. Alguns deles — mas de modo algum todos — também eram ativos em questões da comunidade judaica.

O crescimento de Varsóvia como comunidade judaica influente resultou da migração de judeus durante várias gerações. Em 1781, quando a Polônia estava prestes a perder sua independência, havia em Varsóvia 2.609 judeus. Em Praga, um subúrbio da cidade na margem oriental do rio Vístula, a comunidade judaica totalizava 24 indivíduos. No limiar do século XX, em 1897, esta mesma comunidade seria formada por cerca de 219.128 judeus. Ao irromper a Primeira Guerra Mundial, os judeus de Varsóvia constituíam 38% de toda a população da cidade, percentual esse que se tornaria ainda maior quando refugiados e pessoas deslocadas acorreram a Varsóvia durante a guerra. Na república independente da Polônia dos anos de entreguerras, o número de judeus vivendo em Varsóvia cresceu em termos globais, mas declinou em termos relativos. Em 1921, a comunidade judaica abrangia 310.300 pessoas, ou seja, 33% dos 936.700 habitantes de Varsóvia. Em 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, havia em Varsóvia uns 375 mil judeus, e eles compunham 29,1% dos 1.289.000 habitantes da cidade.

Os números por si só não refletem a importância da comunidade judaica de Varsóvia no entreguerras. A Varsóvia judaica não possuía a tradição e a distinção que caracterizavam outras comunidades judaicas da Polônia, tais como Cracóvia, Lublin e Lvov, onde judeus haviam vivido por gerações. Varsóvia não tinha prédios antigos e nem a aura de gloriosas lembranças, vestígios de um passado influente não havia sinagogas antigas como a de Cracóvia; nenhuma que tivesse sido lar de eruditos mundialmente famosos. No cemitério judeu de Varsóvia, a lápide mais velha datava de 1807. Havia, não obstante, amplas oportunidades de recém-chegados causarem impacto, e tinha-se a sensação de uma comunidade que ia adquirindo personalidade própria. As fachadas relativamente novas de Varsóvia e o seu rápido crescimento eram fontes de receptividade. Habitantes novos e visitantes casuais podiam se sentir bem-vindos. A mudança social predominava sobre a estabilidade.

Devido, em parte, à rejeição pela sociedade polonesa desses assimilacionistas em potencial, idéias que vinham do leste — regiões da Rússia e Lituânia, onde a cultura nacionalista judaica já havia adquirido variadas formas de organização e maturidade ideológica — iam ganhando influência cada vez maior na comunidade dos judeus de Varsóvia. A vida judaica caracterizava-se por um grande número de partidos políticos, instituições parcialmente coincidentes, debates públicos violentos e rixas particulares. 

Três movimentos judaicos politicamente realistas e perspicazes emergiram às vésperas da independência da Polônia: o sionismo, com suas várias orientações; o Bund e suas organizações; e o Agudath Israel, que unia elementos ortodoxos, hassídicos e mitnaged (opositores ortodoxos do hassidismo) do judaísmo polonês. Todos os três movimentos viam os judeus como uma nação distinta, separada dos poloneses, muito embora suas definições divergentes sobre o que constituía uma nação distinta levassem por vezes os três grupos a uma amarga rivalidade.

O movimento sionista na Polônia adotou dois princípios fundamentais: o reestabelecimento de judeus na Palestina e os direitos fundamentais de judeus vivendo na Diáspora. Os sionistas acreditavam que um renascimento nacional na Palestina também teria de prover os judeus na Diáspora, fora da Palestina, durante sua aparentemente longa estada na Europa, com o sentido da unidade nacional. Na Polônia, o sionismo empreendeu no âmbito da sociedade judaica em Diáspora uma intensa atividade como "trabalho para o presente", tendo como meta futura a colonização na Palestina (muito embora no período de entreguerras o Hechalutz e outros movimentos juvenis sionistas estivessem ativamente engajados em incentivar a imigração na Palestina como uma "atividade dos dias de hoje"). O hebraico foi ressuscitado como língua viva, mas o ídiche continuou sendo a língua de trabalho do movimento. 

O Bund, a Federação Geral de Trabalhadores Judeus dedicada ao nacionalismo judeu laico, usava o ídiche tanto para organizar estes trabalhadores numa estrutura separada quanto para disseminar a idéia do socialismo entre os seus falantes. O Bund não tardou a advogar direitos nacionais baseados em autonomia nacional e cultural: o direito do indivíduo, ou grupo de indivíduos, de conservar, num Estado especificamente socialista, uma língua, cultura e vida social separadas. 

O Bund trabalhava em escala nacional por toda a Polônia, e suas principais conexões eram freqüentemente baseadas em classe. Assim, preferia trabalhar Com partidos socialistas locais não judeus do que com organizações judaicas burguesas. Ao mesmo tempo, muitos judeus poloneses convergiam para um partido socialista separado, não com base internacional e sim, nacional judaica Esse fenômeno era desconhecido na Europa Ocidental, tuas tornou-se um movimento de força considerável e de impressionantes realizações na Polônia do entreguerras.


Reunião ao ar livre da Organização da Juventude bundista,Varsóvia, junho de 1932.
O Agudath Israel - o partido ortodoxo que incluía grandes grupos hassídicos — adotou certos aspectos de organização política moderna semelhantes aos de outros partidos políticos, não obstante sua vinculação à tradição e sua meticulosa observância das normas judaicas. Esses aspectos incluíam representação em instituições de governo e limitadas reformas no sistema educacional. O Agudath Israel possuía uma imprensa, líderes políti-cos e um sistema de patronagem próprios. Os judeus ortodoxos, em sua maioria, rejeitavam o sionismo porque este buscava o retorno dos judeus à sua terra através de esforço humano, e não por decreto divino. O Agudath Israel, quietista em sua orientação religiosa, só acreditava no renascimento da nação judaica como um ato divino.

 Apenas um pequeno grupo desproporcionalmente influente de judeus religiosos, organizados no movimento Mizrachi, punha-se ao lado dos sionistas laicos. Advogavam o sionismo e eram opostos ao Agudath Israel, e também se opunham aos sionistas laicos, com os quais, entretanto, trabalhavam de perto e cooperativamente, buscando estabelecer um caráter religioso e cultural nos esforços sionistas.

 Os princípios orientadores da ideologia política adotada pelos judeus poloneses no período de entreguerras admitiam que o judaísmo era não só uma religião definida por seus rituais, crenças e práticas, mas também que os judeus constituíam uma entidade nacional, buscando política, educação e cultura nacionalistas.

Em Varsóvia, localizavam-se sedes de partidos políticos, representantes e instituições estatais; o centro administrativo de organizações de beneficência e auto-ajuda; o eixo de vários tipos de redes educacionais e culturais, grupos de escritores, e admiradores das línguas ídiche e hebraica. Jornais e livros eram, em sua maioria, publicados em Varsóvia, para serem distribuídos através da Polônia e enviados para o exterior. 

Poder treinar para as profissões liberais era uma atração que levou muitos estudantes judeus de Varsóvia e de outras partes do país a estudar em escolas de ensino superior. Em alguns anos, os judeus, inclusive muitas mulheres, constituíam uma substancial percentagem dos formados de todas as escolas secundárias e universidades. Diplomados judeus procuravam as universidades para poder continuar seus estudos de medicina, farmácia, direito, humanidades, química, língua e literatura polonesas. Mas o percentual de judeus na educação anos de superior entrou em constante declínio no período entreguerras. Nos 1921-22, judeus formavam 24,6% de todos os estudantes; em 1925-26, 20,7%; em 1934-35, 14,9%; e em 1937-38, 9,9%.

Nos últimos anos de independência polonesa anteriores à Segunda Guerra Mundial, o número de estudantes judeus preencheu o limite estabelecido por quotas, uma política nunca formalmente autorizada mas executada na prática. Levando em conta que a percentagem de estudantes de áreas urbanas era bem maior que a de estudantes de distritos de províncias, parecia que o número de estudantes judeus decrescia conforme a camada da população a que pertenciam.

 Estudantes judeus organizaram sua própria associação e fundaram a Casa dos Acadêmicos, um pensionato para trezentos estudantes e uma sala de reuniões para muitos outros. De 1928 até irromper a guerra, o historiador judeu e líder sionista Yitzhak Schiper foi seu último diretor. Instituição abrangente de estudantes judeus e organizações judaicas, cuidava não só da defesa de estudantes atacados por grupos malévolos de jovens poloneses, mas também da promoção de atividades culturais e eventos esportivos.

Em todos os níveis, até mesmo nas escolas independentes, os estudos eram feitos na língua polonesa. Alguns erroneamente consideram esse extenso uso do polonês, especialmente como idioma cotidiano dos jovens, como indício de uma assimilação que se espalhava entre os judeus em geral e particularmente entre os de Varsóvia. A assimilação, porém, não atraía os judeus. Ao contrário, ela estava em declínio na Polônia de entreguerras. Judeus falavam polonês e eram ávidos leitores de literatura polonesa e de autores poloneses, que freqüentemente retratavam judeus de maneira muito positiva. Muitos jovens também apoiaram a luta da Polônia pela independência. Ao mesmo tempo, no entanto, estavam conscientes do seu judaísmo, filiavam-se a organizações judaicas, e pensavam em termos do futuro judaico. Diferentemente de muitos judeus alemães, que se consideravam alemães, os judeus poloneses absorviam a cultura polonesa mas não se assimilavam nela. Em sua maior parte, a assimilação de judeus de fala Polonesa não era mais comum do que a assimilação dos hassídicos falantes de inglês do Brooklyn.

 A contribuição dos judeus e daqueles de origem judaica à literatura polonesa, particularmente à poesia, no período de entreguerras foi característica. Ao contrário dos romancistas judeus americanos no período pós-Segunda Guerra Mundial, tais como Saul Bellow, Philip Roth e Bernard Malamud, poucos dos principais escritores de origem judaica tratavam de temas judaicos, e alguns até s  converteram ao cristianismo. Mas mesmo aqueles que usavam temas judaicos retratavam judeus como figuras fora do seu próprio mundo espiritual. 

A despeito da instabilidade política e da debilidade econômica, a cultura judaica em Varsóvia possuía uma vitalidade única. Varsóvia era o maior e mais importante centro de atividades criativas e culturais tanto em hebraico quanto em ídiche. O hebraico, a língua sagrada, lembrava os dias em que os judeus estavam cm seu próprio país, o tempo da maior criatividade do povo judeu. Era a língua do Livro e de oração — mas o hebraico se tornara uma obscurecida lembrança nas mentes e línguas dos judeus. O renascimento do hebraico: Diáspora, no século XIX, foi acompanhado por tentativas de renovar a língua na literatura e em periódicos. Embora popular nos círculos intelectuais, não cativou as massas para se tornar uma língua do povo. Só quando o hebraico foi adotado pelo movimento sionista e se tornou parte essencial do renascimento nacional e social, transformou-se de um símbolo em uma língua viva. Os sionistas foram os principais advogados da língua hebraica. Em contraste, o Bund se opunha ao hebraico, e certos elementos do Agudath Israel eram contrários à laicização da língua sacra.

 Na Diáspora, especialmente na Polônia, o ídiche continuou sendo a língua do povo. No entreguerras as línguas judaicas floresceram na Polônia, Varsóvia em particular, mesmo quando estavam sendo abandonadas na União Soviética e no Ocidente. Fora dos círculos de imigrantes nos Estados Unidos, o uso das línguas diminuiu. Na última década do século XIX, o ídiche atingiu a maturidade e, no século XX, literatura, jornais e outras publicações se desenvolveram cultural e comercialmente.

Os escritores e poetas, jornalistas e editores de Varsóvia não eram, em sua maioria, naturais da cidade, e sim a ela atraídos de distantes distritos do leste, da Lituânia e das pequenas cidades provinciais da Polônia. O crescimento e a consolidação de Varsóvia como um eixo cultural deveu-se não só ao fato de sediar a maior população judaica urbana da Europa, mas também às suas estimulantes tendências social-nacionalistas e seus mutáveis estilos de vida.

Na Polônia independente havia uma abundância de diários e semanários judeus, a maioria em ídiche, mas alguns em polonês e hebraico. Em acréscimo à imprensa comercial, também eram publicados jornais diários de partidos. Nos anos que precederam de pouco a Segunda Guerra Mundial havia em toda a Polônia, de acordo com o YIVO(1), 230 jornais em ídiche, incluindo 27 diários, 100 semanários, 24 publicações quinzenais e 58 periódicos mensais. Tais números, evidentemente, incluíam publicações de vida curta assim como per-manentes. A maior parte dos jornais principais apareciam em Varsóvia, onde editoras também encontravam mercados para obras originais de conhecidos escritores ídiches, bem como de traduções de ficção e não-ficção.

Mais que qualquer outro meio criativo, o teatro judeu falava às massas, e suas produções despertavam emoções intensas entre devotados freqüentadores. Historiadores do teatro creditam a Abraham Goldfaden a paternidade do teatro judeu, com sua criação de uma companhia em lasi, na Roménia, em 1874. Em 1885, quando Varsóvia se encontrava na esfera russa, Goldfaden levou seu teatro judeu alemão à Varsóvia e ali atuou por dois anos (a produção de Shulamith foi recebida com muito entusiasmo). A cidade recebeu também ocasionais apresentações de trupes de atores que interpretavam num dialeto alemão semelhante ao ídiche, já que peças em ídiche eram proibidas. O teatro judaico tinha de enfrentar não só as restrições impostas pelas autoridades russas como também tabus internos da comunidade em relação à língua, temas para espetáculos teatrais e o recato.

 Judeus inclinados à assimilação consideravam o teatro judaico um retrocesso, que distanciava os freqüentadores de teatro judeu do teatro de arte polonês. Na realidade, fontes históricas assinalam que o desenvolvimento da música e do teatro em Varsóvia no século XIX devia muito ao patrocínio de judeus ricos e a públicos judeus.

 Em 1905, a fundação da Companhia Literária trouxe aos judeus de Varsóvia um teatro ídiche permanente oficialmente sancionado. A companhia valia-se principalmente das obras dramáticas de Jacob Gordin e das interpretações de vários atores e atrizes excepcionais, entre eles a brilhante Esther Rachel Kaminska, que encantou e fascinou públicos judeus na Polônia, Rússia e Estados Unidos. Segundo conhecedores de teatro, esta atriz era especialista em retratar as personalidades e as vidas das heroínas de um modo que deixava o público encantado. As peças eram, em geral, lacrimejantes dramalhões, sobrecarregados de instrução moralista. Era um estilo que interessava um público confiante de que seu destino estava em grande parte sob seu próprio controle.

Muitos escritores, especialmente I. L. Peretz, mostraram um acentuado interesse no desenvolvimento do teatro ídiche. Formou-se unia sociedade para estimular o teatro, e levantaram-se fundos para dar apoio a teatro de alto nível artístico, com Peretz e Sholem Asch ativos na coleta de fundos. Embora nem sempre seus esforços fossem bem-sucedidos, o teatro manteve uma reputação de qualidade através da apresentação de obras de autores bem conhecidos.

O teatro ídiche de Varsóvia eram famoso pelo seu público entusiasta. Atores e companhias itinerantes, dos Estados Unidos e outros países, eram visitantes freqüentes. Em 1917, a trupe de Vilna visitou Varsóvia, introduzindo um nível mais alto de espetáculo teatral com seu tratamento moderno do drama ídiche. A trupe obteve grande sucesso em Varsóvia, e alguns dos seus membros lã permaneceram para estabelecer o que se tornou o mais destacado teatro da cidade no período de entreguerras.


A influencia dos judeus de Varsóvia, no período entre as guerras, também aumentou em decorrência da ruptura e declínio de status sentido pelos judeus sob o regime bolchevista na U.R.S.S., e do honor que despencou sobre os judeus da Alemanha com a ascensão do nazismo em 1933. Na Europa, o período de entreguerras começou com grandes esperanças e expectativas geradas pela legitimação da autodeterminação nacional e pelo reconhecimento dos direitos de minorias nacionais prometido pelo presidente Woodrow Wilson, e pela promessa proclamada na Declaração Balfour de 1917, que afirmava: "O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento de um lar nacional judeu na Palestina".

Porém, quanto maiores às esperanças, tanto maiores as decepções. Essa época viu a escalada do nacionalismo agressivo, o crescimento do totalitarismo e a predominância de um não contido racismo anti-semita. Nessas duas décadas de ingênuas expectativas e esperanças de curta duração tornou-se Varsóvia, com sua diversificada composição e seus contrastes, o foco de uma ilimitada e ampla atividade judaica. Naqueles dias de confusão à beira do abismo, ela foi virtual-mente a capital do povo judeu, especialmente devido ao isolamento e à desconexão dos judeus soviéticos.

 Muitos — talvez a maioria — dos economistas, líderes políticos, escritores, artistas, jornalistas, editores, historiadores, líderes, rabinos, eruditos talmúdicos e hassidim que alcançaram proeminência em Varsóvia no entreguerras não eram naturais da cidade, mas haviam chegado lá em resposta à sua atração magnética e a seu ambiente promissor, da mesma maneira como outros judeus eram atraídos a Paris ou a Nova Iorque. Muitos judeus chegaram a Varsóvia vindos das províncias, e muitos outros da fronteira oriental da Polônia e de partes da Rússia e Lituânia. Judeus que chegavam de cidades do leste encontravam forte oposição de círculos poloneses, que encaravam a chegada dos "Litvaks" (judeus lituanos) como uma invasão de estranhos que espalhavam o uso da língua e cultura russas e eram responsáveis pela "russificação" dos judeus locais, assim como os judeus de Nova Iorque deploravam a chegada de imigrantes europeu-orientais, falantes de ídiche entre 1881 e 1920. Considerável critica dos "Litvaks" também provinha de membros mais estabelecidos da comunidade, que ridicularizavam dialeto ídiche dos recém-chegados. Varsóvia, no entanto, servia não só de refúgio para proscritos como dava também aos que chegavam às suas portas a sensação de lar, provendo-os de amplas oportunidades para participar da vida cultural e comunitária. Pessoas comuns, vagueando em direção a Varsóvia ou que escapavam para a cidade vindos de longe, aclimatavam-se rapidamente aos costumes da cidade e da comunidade judaica local, tornando-se, sob todos os aspectos, verdadeiros cidadãos de Varsóvia.


Em sua saga A Família Moskat, Isaac Bashevis Singer revelou os pensamentos de um rabino de cidadezinha que veio a Varsóvia:
Rabi Dan Katzenellenbogen compreendeu agora o significado completo da frase talmúdica "Em cidades grandes a vida é difícil", mas Varsóvia tinha outros méritos. Aqui encontrou livros que não podia encontrar em sua cidadezinha de Binuv, ou mesmo em Lublin. A cidade era um lugar de estudo: onde quer que fosse, havia sinagogas, casas de estudo, shtieblach, banhos rituais. Coletores faziam as rondas e recolhiam as taxas semanais para ieshivot. Dos héders e escolas religiosas ouve-se a voz de escolares, por cuja própria vida o mundo existe. É verdade que aqui há também muitas coisas profanas, coisas modernas: homens de barba raspada, mulheres que conservam seu cabelo natural, estudantes que estudam nos gymnasia, toda espécie de sionistas, grevistas e simples ralé, que abandonaram seu judaísmo. Mas Rabi Dan não levou isso em conta. Gradativamente foi se tornando conhecido pelos eruditos de Varsóvia e eles vieram lhe dar as boas-vindas. Em sua própria cidadezinha, Rabi Dan não recebia um décimo do respeito que recebeu aqui, na estranha Varsóvia: aconteceu exatamente como estava escrito: "Sai da tua terra ... e te engrandecerei o nome."
A oportunidade de ingressar na vida judaica não se restringia apenas aos judeus religiosos. Um destacado membro do Bund socialista, Bernard Goldstein, pinta outra espécie de quadro, ao retornar a Varsóvia de suas viagens para o leste ao fim da Primeira Guerra Mundial:
Atraído ao vasto público dos adeptos do Bund ... fui ao "Clube" ... Era como uma colméia. Já anoitecia, e o clube estava apinhado. Estavam por toda parte, e em todos os cantos. Em todas as salas havia reuniões, o coro estava ensaiando, a sala de leitura, cheia de gente; mal se podia passar pelos corredores. Diversas pessoas me olhavam. Reconheci velhos amigos do trabalho clandestino e amigos novos, jovens, rostos irreconhecíveis ... uma das minhas primeiras tarefas foi ajudar a greve de funcionários da comunidade judaica e professores de suas escolas. Já tinham uma organização profissional, mas eram típicos trabalhadores de colarinho branco ("proletariado dos punhos engomados", como eram chamados) e completamente incapazes de conduzir uma greve.
 Nos subúrbios de Varsóvia, bairros e ruas inteiras eram habitados principal-mente por judeus, com maior concentração no setor norte da cidade. Em certas ruas, todos os prédios eram ocupados por judeus, excetuando o zelador. Judeus laicos e religiosos viviam lado a lado como vizinhos, freqüentemente pertencendo à mesma família. Em muitas famílias, o pai cumpria os preceitos religiosos e seguia todas as regras tradicionais de vestuário. A mãe usava peruca e fastidiosamente mantinha sua cozinha pura de acordo com a dietética judaica. Alguns adolescentes seguiam os passos dos seus pais, mas outros, que tinham "errado o caminho", tornavam-se sionistas, socialistas e até comunistas. Jovens devoravam avidamente ficção, livros teóricos, periódicos e jornais proibidos, fumavam no shabat e enchiam seus lares com intermináveis e ruidosas discussões políticas.

 A vida religiosa dos judeus de Varsóvia expressava-se no seu estilo de vida no lar, no cumprimento dos mandamentos, nas muitas instituições e serviços, tais como banhos rituais, os preceitos dietéticos judaicos, a rede de rabinos e dayans (juízes) e as muitas casas de orações. Nas sinagogas e shtiebels, os judeus religiosos e tradicionais se reuniam para rezar nos feriados religiosos, no shabat e dias úteis, e para intermináveis horas de estudo e discussão com amigos. Nos anos 30, havia trezentas dessas casas de oração, e quase todos que lá iam tinham um lugar cativo. Nos feriados, especialmente Rosh Hashaná e Yom Kipur, o estilo do culto era considerado muito importante e cantores com voz proeminente eram muito solicitados. A grande sinagoga da rua Tlomacka, que na realidade evoluía para tornar-se um dos mais esclarecidos locais de culto, atraía devotos tendentes à assimilação. Introduziram-se certas reformas, tais como proferir sermões em polonês, quando isso foi permitido pelo governo.

 As classes instruídas e os assimilacionistas estavam convictos de que, para terem qualquer influência, teriam de introduzir mudanças no sistema educacional, no traje e no estilo de vida, mas deveriam a todo custo abster-se de interferir no rigoroso ritual religioso. Assim, não estavam dispostos a instituir um judaísmo "reformista" ou "conservador", e a vida religiosa permaneceu ortodoxa. Mesmo nas sinagogas mais esclarecidas não foram introduzidos órgãos nos serviços religiosos, já que isso era considerado não-tradicional. Por outro lado, porém, serviços que incluíam um coro masculino foram considerados inteira-mente aceitáveis, e um componente importante do serviço era obviamente a música litúrgica vocal do cantor de sinagoga. Na grande sinagoga, oficiavam freqüentemente cantores bem conhecidos, como Gershon Sirota, que morreu no gueto de Varsóvia, e Moshe Kossovicki.

Os shtiebels hassídicos, além de serem casas de oração e estudo, eram também usados como alojamentos para os seguidores do rabino hassídico. As rezas no shtiebel eram altamente emocionais. Lá era palco de deliberações sobre literatura hassídica, homilias proferidas em dias  (Shavuot), e espontâneas cantorias e danças. Dentre as seitas hassídicas de Varsóvia, o grupo mais poderoso era o dos hassidim de Ger. A sede rabínica ficava na cidadezinha de Ger, não longe de Varsóvia. O local inteiro vivia sob o patrocínio da corte do rabino, e acorriam ao lugar milhares dos seus seguidores, especialmente em dias festivos e feriados. O Admor(2) de Ger, Rabi Abraham Mordecai Alter, afirmava que, a fim de combater a secularização e erosão da integridade religiosa dos judeus, era necessário mover-se em novas direções. A fundação do Agudath Israel e o papel dominante exercido pelo Admor e seus seguidores marcaram realmente a adoção de métodos até então desconhecidos por um campo religioso ortodoxo. Entre os rabinos hassídicos sediados em Varsóvia figurava Klonimus-Kalmish Schapira de Piaseczno, que deixou uma coleção dos seus sermões dos dias de gueto, publicada sob o título Fogo Sagrado.

Transcrição: Daniel Moratori - avidanofront.blogspot.com 
Fonte: GUTMAN, Israel - Resistência. Ed. Imago, 1995, pg 37-47


(1) YIVO — em idiche, Yídisher Visenshoftlihher Institui (Instituto para Pesquisa Judaica), fundado oit Vilna, em 1925, para o estudo científico da vida judaica e com especial ênfase nos judeus cai: Europa Oriental e seus descendentes falantes de idiche em todo o mundo. Ao irromper a Segunda Guerra Mundial, sua sede foi transferida para Nova Iorque (N. do T.).



(2) Admor (iniciais das palavras hebraicas Adonenu Morenu ve-Rabbenu, ou seja [não literalmente] “Nosso Mestre e Senhor") — titulo em geral dado, especialmente em contextos hebraicos, a rabinos hassídicos (N. do T).  


Ver também:
Os judeus de Varsóvia no entreguerras - Parte 1/3 Parte 2/2, Parte 3/3
A extensa discriminação aos judeus orientais(Ostjuden) pelos judeus-alemães - Link

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Os judeus de Varsóvia no entreguerras - Parte 1/3


Os membros do partido Po'ale Tsiyon  marchando na  Parada de Primeiro de Maio, Varsóvia, 1927.  Os slogans em seus cartazes em poloneses e iídiche  incluem "Abaixo Facismo" e "Viva a Sociedade dos Trabalhadores Judeus na Palestina! 

A vida judaica e o lugar dos judeus na sociedade polonesa diferiam bem daqueles na Europa Ocidental. A partir da Revolução Francesa, os judeus, em toda a Europa Ocidental, lutaram por direitos iguais como indivíduos e restringiram as expressões do judaísmo à esfera religiosa. Em contraste, a maioria dos judeus na Polônia independente no entre guerras insistia no seu reconhecimento como povo, com direitos de uma minoria nacional. Eles queriam ser reconhecidos como uma comunidade — fazendo parte, mas separados de outros elementos da sociedade polonesa.

Nos países da Europa Ocidental os judeus constituíam uma pequena percentagem da população global, mas, na Polônia, um em cada dez habitantes era judeu, e em muitas cidades, cidadezinhas e aldeias os judeus formavam uma grande parcela da população total. Em algumas cidades, eles constituíam a maioria da população. Diferentemente de outras nacionalidades minoritárias na Polônia, os judeus estavam dispersos pelas várias regiões do país. Assim, não estavam em posição idêntica à da minoria ucraniana, que se concentrava num território específico e podia exigir uma forma de autonomia territorial, tal como o reconhecimento governamental de seu idioma como língua oficial de uma região, ou sistemas judiciários e educacionais independentes.

O nacionalismo polonês era intensamente católico e muito mais imune às pressões de secularização do que em países mais ocidentais. Em conseqüência, era profunda a brecha entre Estado e sociedade, e os judeus eram muito mais internamente orientados do que seus congêneres na Europa Ocidental. Embora a presença de judeus na Polônia fosse muito antiga — remonta ao ano 963 - ela foi quase sempre temerosa. Os judeus haviam chegado à Polônia, convidados por príncipes poloneses, para realizar funções economicamente complementares que não pudessem ser empreendidas pela população majoritária. A utilidade econômica dos judeus levou a classe dirigente a se mostrar mais inclinada à tolerância e ao pluralismo; assim, a Polônia atraiu, nos séculos XIII e XIV, judeus que sofriam discriminação na Alemanha. Entre a população geral na sociedade polonesa economicamente atrasada, as massas não tinham prosperidade, nem mesmo segurança econômica. Seu ressentimento contra os judeus era intenso. A Igreja Católica Romana, ela mesma chegada tardiamente à Polônia, seguia amiúde uma política de discriminação e ódio contra os judeus. Ela perpetuava imagens judaicas negativas presentes no cristianismo: judeus como outsíders, traidores, perpetradores de deicídio.

Depois da Primeira Guerra Mundial, a Polônia conseguiu, após 136 anos de partilha e ocupação, a independência. A restauração do Estado polonês, que havia sido o objetivo de uma longa e obstinada luta do povo polonês pelo direito à autodeterminação, foi uma conseqüência direta da desordem (fosse devida a derrota militar ou agitação revolucionária) entre os inimigos e ocupantes da Polônia: Áustria-Hungria, Alemanha e Rússia. Isso levou às decisões político-territoriais tomadas na conferência da paz em Versalhes.

A ordem política e territorial resultante da Primeira Guerra Mundial parecia favorecer aqueles que buscavam status de minoria nacional. Mediante os tratados que foram impostos à Romênia e a uma série de países novos ou renovados — Polônia inclusive — , os novos Estados foram obrigados a dar direitos a minorias, protegidas por lei e com supervisão da Liga das Nações. A decisão de assumir esses tratados e definir o conteúdo dos mesmos deveu-se, em grande parte, a insistência de representantes americanos (incluindo grupos judaicos americanos) e de outros países europeus em Versalhes. Na realidade, os tratados sobre minorias concediam direitos aos judeus unicamente como um grupo religioso, mas muitos judeus interpretaram erroneamente esses tratados como se os mesmos lhes concedessem os direitos de uma minoria nacional.

Na Polônia, o "tratado de minorias" parecia garantir constitucionalmente os direitos dos judeus como um dos grupos minoritários do país. No papel, tratado assegurava às minorias nacionais e religiosas, como estipulação fundamental da nova constituição, direitos iguais. judeus e outras minorias receberam direitos políticos e civis. Por uma questão de direito, cabia-lhes justiça igual perante a lei. Até mesmo suas heranças lingüísticas e culturais, inclusive os sistemas escolares judaicos, eram preservados. A discriminação em contratações e empregos era ilegal.

Quando o governo polonês, que era constituído por partidos de centro e de direita, tentou adotar um sistema eleitoral que afetaria a representação proporcional das minorias no Parlamento, os judeus reagiram, formando uma frente unida — um "bloco de minorias" — para concorrer ás eleições. O bloco acabou obtendo unia substancial vitória, com 22% de todos os votos para o primeiro Sejm polonês, em 1922. Somente a facção judaica havia eleito 35 representantes, uns 8%, num total de 444 membros do Sejm. Neste, facções políticas da direita, do centro e da esquerda se hostilizavam, neutralizando-se reciprocamente. Nenhuma delas tinha o poder de por si só formar um governo ou de fazer pender a balança a seu favor em questões decisivas. Conseqüentemente, a influência do bloco dc minorias foi favorecida e, embora por curto tempo, ele gozou de uma influência desproporcional.

Membros da facção judaica no Parlamento polonês diferiam em sua avaliação da política do bloco de minorias. Alguns acreditavam na existência do bloco como um grupo parlamentar permanente, que deveria se mostrar ativo na cena política geral polonesa servindo, ao mesmo tempo, para proteger questões essenciais das minorias. Já outros representantes, especialmente os da Galícia oriental, acreditavam ser o bloco, na melhor das hipóteses, um casamento especulativo e tático de conveniência. Não era de se supor que a desproporcional representação judaica iria continuar. Duvidavam de perspectivas de cooperação a longo prazo com os ucranianos, conhecidos por sua hostilidade profundamente arraigada contra os judeus. Assim, eles insistiam que os judeus se envolvessem menos nas lutas internas pelo poder entre as várias tendências políticas na Polônia.

Com o passar do tempo, tornou-se claro que a solidariedade entre as minorias era duvidosa. Após a ascensão de líder ao poder parecia que, em diversos países, as minorias alemãs não estavam dispostas a se opor à legislação antijudaica na Alemanha nazista. Os judeus se viram assim constrangidos a sair da organização de minorias européias quando foram abandonados por outros grupos minoritários e pelo público em geral.

Em 1924 e 1925, membros destacados do governo polonês empreenderam sondagens que resultaram em discussões práticas com representantes judeus no Sejm. Eles buscavam uma acomodação segundo as linhas da política judaica tradicional. Os representantes judeus seriam obrigados a adotar em questões básicas a linha do governo e a apoiar os interesses de poder da Polônia, o que podia ser interpretado como aprovação da conduta do regime em relação à minoria eslava na fronteira leste da Polônia. O governo prometia, em troca, concessões e auxílios numa variedade de áreas essencialmente judaicas, tais como economia, emprego, direitos civis, educação e religião. Esse acordo político, conhecido como UGODA, foi instigado por um dos líderes do movimento nacionalista Endecja e pelo irmão do então Primeiro-ministro Stanislav Grabski, e foi apoiado pela maioria dos representantes judeus no Parlamento polonês.

Judeus nacionalistas extremados, tanto sionistas quanto adeptos do Bund, decididos a preservar os direitos nacionais judaicos, encaravam a UGODA corno uma quase traição do princípio nacional judaico e apelaram, para encontrar apoio na controvérsia, ao mais amplo público judeu. Este, porém, mostrou-se indiferente e decepcionado com os resultados dos seus empenhos políticos e parlamentares. Nos dias iniciais do renascido Estado polonês, os judeus tiveram grandes esperanças, mas estas rapidamente se esvaneceram. Inflamados discursos no Sejm não tinham o poder de levar as autoridades a alterar padrões de discriminação econômica. A UGODA também foi de pouca ajuda e nem chegou a ser implementada.

Nos primeiros anos após a independência, o bloco das minorias, do qual os judeus faziam parte, deteve temporariamente o equilíbrio do poder entre direita e esquerda. Mas, depois de impressionantes êxitos iniciais, o bloco foi perdendo força nas eleições subsequentes. Houve também uma acentuada queda no prestígio e na popularidade da principal facção sionista liderada por ltzhak Gruenbaum. A população judaica aprendeu que a luta parlamentar tinha pouco impacto tangível em sua vida diária e que na vida econômica o poder operacional e decisivo estava concentrado nas mãos do governo e da administração dirigente.

Em maio de 1926, Jozef Pilsudski, com ajuda de um grupo de oficiais e de algumas unidades do exército, organizou um sangrento golpe de estado. Pilsudski, em sua juventude um socialista, havia fundado as forças armadas nacionais na Primeira Guerra Mundial e comandara o exército polonês que, na campanha de 1920, derrotou os bolchevistas, que haviam penetrado profundamente na Polônia, quase chegando aos arredores de Varsóvia. As massas viam Pilsudski como um herói que simbolizava o renascimento da Polônia. Ele era muito admirado nos círculos esquerdistas, mas optou por sair da cena política quando compreendeu que não podia dominá-la. À direita, que nas eleições havia conquistado o apoio da maioria, encarava-o com desconfiança. A "aposentadoria" de Pilsudski, contudo, foi de curta duração. Ele estava apenas esperando o momento propício para impor sua autoridade e dirigir o país.

O pensamento político polonês com relação à estrutura de um Estado polonês independente movia-se em duas direções contrárias. A concepção direitista era a de que deveria haver uma completa identificação do Estado com a nação polonesa, enquanto esquerda e centro se inclinavam para uma parceria mais ampla no Estado. Poloneses étnicos eram os primeiros entre iguais, mas a Polônia seria a pátria de muitas nacionalidades.

O Endecja optou por um Estado polonês católico — um Estado que seria domínio exclusivo dos poloneses étnicos. Minorias eram consideradas como sendo formadas por cidadãos tolerados ou pessoas assimiladas ao Estado polonês. Os judeus eram vistos como estranhos sem nenhum direito legítimo de estar na Polônia: desnecessários, até mesmo prejudiciais. Em contraste, Pilsudski e seus adeptos queriam ver a Polônia como uma potência política e foco de uma aliança confederada dos Estados menores na região, de preferência a um Estado que exibisse a tendência expansionista da Rússia e da Alemanha.

Esboços bastante obscuros de autonomia territorial para minorias foram redigidos, especialmente no setor oriental eslavo. Mas o que fazer com os judeus já era mais complicado, por estarem eles dispersos. Nada de explícito foi para eles cogitado, mas acreditava-se que Pilsudski estava interessado em integrar os judeus na sociedade polonesa.

Em relação aos judeus, a atitude da administração Pilsudski foi positiva e animadora, especialmente no início. O Marechal Pilsudski centralizava a maior parte de suas atenções em assuntos de defesa e relações exteriores. Não demonstrou qualquer interesse especial pela questão judaica e nem exibiu, em público ou em declarações políticas, quaisquer sentimentos contrários aos judeus, e ele evidentemente reprimiu tendências anti-semitas entre seus adeptos. Não se sentia inclinado a usar os judeus como bode expiatório por seus fracassos ou pelos erros de sua administração, como era comum não só na Polônia mas também em outros países europeus. Apolinary Hartglas, um dos líderes sionistas na Polônia, escreveu que o primeiro ano, mais ou menos, foi um tempo de genuínas mudanças:

Aquele período foi como uma verdadeira "primavera entre as nações": a propaganda anti-semita cessou ... ninguém atrevia-se a publicar listas negras de poloneses que ousavam comprar em lojas judaicas, ninguém atacava ou surrava judeus. Os governadores de regiões distantes esqueciam da existência de restrições que eram válidas em tempos czaristas ... Escolas secundárias judaicas começaram a receber reconhecimento oficial, instituíram-se comissões para avaliar resultados de matrículas, e havia até alguns examinadores que sabiam hebraico. Novos advogados judeus estavam sendo registrados, enquanto alguns judeus até foram aceitos no serviço público. E os judeus deixaram de se queixar dos pesados fardos das taxas que lhes eram impostas.

A esperança de que Pilsudski iria impor um conceito multinacional nunca se concretizou. A idéia de uma federação não era de modo algum exequível, Porque logo desde o início da existência da nova Polônia houve tensões e reivindicações em relação a regiões em disputa, a fronteiras impostas e a áreas tomadas pela força.

Porém, mesmo na área menor sob a autoridade polonesa, a suposição de que a Polônia, com Pilsudski na chefia, conheceria maior liberalidade e ordem democrática não se tornou realidade. O novo líder acreditava que a fonte da fraqueza da Polônia estava no número excessivo de partidos políticos e em sua anárquica estrutura parlamentar, propagando corrupção e gerando uma deficiente ordem de prioridades. Ele, portanto, se esforçou para solapar o parlamentarismo e livrar o establishment político de seus interesses de classe e corrupção. Não buscou apoio na esquerda; pelo contrário, voltou-se para a aristocracia organizada no movimento conservador e para o alto comércio.

O governo autoritário de Pilsudski não apresentava o molde de um regime fascista, muito embora tomasse algumas medidas que eram brutais desvios de uma ordem democrática. Nos seus primeiros anos, o regime gozou de certas propostas econômicas proveitosas, mas após a profunda crise que resultou do craque de 1929, o país ficou sujeito a uma depressão profunda e a desemprego em massa. As reformas planejadas foram postas de lado, tendo em vista a necessidade de enfrentar agitadas pressões diárias.

Nenhuma verdadeira análise foi feita da questão das minorias, nenhum plano executado para melhorar a situação das mesmas, e, finalmente, houve um retrocesso na atitude das autoridades e até, em certas ocasiões, o uso brutal de força. Ocorreu eventualmente uma transformação do conceito da condição de Estado, abrangendo todos os cidadãos do país, para uma ideologia nacionalista.

A perceptível fraqueza do Parlamento e de toda a estrutura democrática não levou a uma revolta, mas tampouco funcionou vantajosamente para os judeus. A discriminação contra eles foi hesitantemente renovada, mas até a morte do marechal, em 1935, certos limites foram mantidos. Seu falecimento marcou, sem dúvida alguma, um momento crítico. Os judeus estavam bem conscientes do fato de que a vigorosa personalidade de Pilsudski, mesmo durante sua enfermidade, havia contido fortes explosões anti-semitas, e eles tiveram uma sensação de perda e apreensão pelo futuro. No primeiro ano após sua morte, um governo provisório sob a égide do Presidente Ignacy Moscicki governou o país. Devido à sua fraqueza, ou talvez por genuína intenção, esse governo tentou, sem entusiasmo, gerir o Estado por linhas democráticas, mas acabou subjugado por crescentes dificuldades econômicas e tensões sociais. No governo estabelecido em 1936, o poder foi dividido entre o presidente e o herdeiro de Pilsudski no alto comando do exército, o Marechal Rydz-Smigly, que não havia demonstrado nenhuma competência marcante nos preparativos militares e defensivos do seu país. Os resultados foram lamentáveis. O regime se moveu numa direção populista-totalitária e rejeitou, de imediato, qualquer tentativa de criar uma frente unida com as várias correntes de opinião, em vista do crescente perigo que representava a Alemanha nazista.

No período pós-Pilsudski, o ódio aos judeus aumentou, e uma política contrária aos judeus foi adotada pelo sistema administrativo e pela oposição direitista. A morte de Pilsudski parecia ter desencadeado todas as forças que ele havia contido. De junho de 1935 em diante, ocorreram em vários lugares violentos distúrbios por iniciativa do Endecja e da direita radical. Nas universidades e escolas, onde foram impostas quotas antijudaicas, os judeus eram cada vez mais empurrados para "bancos de gueto" separados, não obstante as objeções expressas por estudantes judeus e a solidariedade de seus colegas cristãos e de alguns membros do corpo acadêmico. Na maioria dos casos, esse processo de discriminação terminava com a imposição de separação racial e a introdução de quotas. Propostas de natureza antijudaica e até racial foram apresentadas no Sejm, mas nunca aprovadas. As propostas radicais antijudaicas não tardaram a ser obscurecidas pela crise política, prenunciando o advento da guerra.

Não obstante, a tendência antijudaica continuou a se propagar pelo campo dirigente, mas sua liderança assumiu um tom ligeiramente diferente. No tempo de Pilsudski os judeus faziam parte da grande coligação de seus adeptos. Nas eleições para o Parlamento, os judeus, que eram excluídos como representantes de grupos apoiando a facção Pilsudski, apareciam nas listas do amplo grupo apartidário de apoio ao governo e do bloco apartidário para colaboração com o governo. Pouco depois da morte de Pilsudski, o "bloco" foi dissolvido e Walery Slawek, o homem que estava na sua liderança e estivera próximo de Pilsudski, foi excluído da cena política.

No começo de 1937, formou-se um novo agrupamento que ajudou os Diadochi (os sucessores) governantes — o OZON, "campo dos nacionalistas consolidados". No OZON, dava-se ênfase a princípios totalitários e laços católicos. Em sua fase inicial, o novo "partido" tentou atrelar-se às fileiras dos anti-semitas e pró-fascistas radicais que haviam saído do Endecja por achá-lo pouco extremista. Os líderes do OZON afirmaram que não aceitariam judeus por considerá-los uma entidade nacional separada, e que sua organização só admitia cristãos. Em maio de 1938, o conselho supremo desse partido ocupava-se em formular sua posição sobre a "questão judaica" na Polônia, que proibiria certas profissões a judeus. A solução desse problema judaico seria alcançada com o país livrando-se de uma grande parte da população judaica. A propaganda anti-semita atingira o auge.

Reunião ao ar livre da Organização da Juventude bundista, Varsóvia, junho 1932

Nos primeiros anos da república, o anti-semitismo havia sido um fato aceito, embora contido, camuflado pela suposição formal de que tudo estava como deveria ser. Em 1938, o anti-semitismo unia oposição e governo. Este se absteve de usar violência e terror físico — distúrbios, agressões e remoção forçada —, insistindo que a política anti-semita devia funcionar através de canais semilegais. O governo foi cauteloso: violência de rua dirigida por uma oposição inclinada ao totalitarismo poderia facilmente redirecionar contra ele próprio a fúria das multidões. A direita radical falava de expulsão em massa dos judeus e alegava que isso não podia ser alcançado sem o uso de pressão e violência. Por outro lado, porta-vozes do governo procuravam febrilmente lugares que aceitassem judeus como imigrantes. Cogitou-se ate a emigração de judeus para Madagascar. Os judeus eram descritos como um verdadeiro empecilho ao progresso da Polônia. Muitos socialistas de esquerda e os círculos liberais opuseram-se ao anti-semitismo e vieram em defesa dos judeus. Havia também aqueles que, sustentando opiniões liberais, especialmente os simpáticos ao sionismo, falavam calorosamente de os judeus emigrarem para a Palestina, mas sempre fazendo questão de declarar que a migração ou integração era uma escolha a ser feita pelos próprios judeus e não algo a ser imposto ou forçado de fora. Nas várias polêmicas que naqueles dias ocupavam a imprensa e a opinião pública, havia socialistas ativos que, por motivos econômicos e sociais, tentavam coagir os demais em favor de uma grande emigração judaica. Entre os próprios judeus, alguns líderes clamavam por um êxodo em massa da Polônia. Essa grita toda, compreende-se, involuntariamente acrescentava lenha às fogueiras do anti-semitismo.

Em 1936, por exemplo, Zev Jabotinsky, o carismático líder dos sionistas revisionistas, irradiou publicamente seu plano de "evacuação" para judeus poloneses. Os círculos governamentais e o Endecja ficaram entusiasmados com o plano, mas a proposta também esbarrou em fortes críticas e indignação por parte da maioria dos jornalistas judeus. Os protestos mais ruidosos vieram principalmente de adeptos do Bund e do Agudatli Israel, os quais, por mais que divergissem entre si, procuravam, ambos, assegurar a vida judaica na Polônia. E até mesmo a imprensa pró-sionista considerou as opiniões de Jabotinsky não práticas, pois presumiam que a emigração em massa dos judeus da Polônia dependia antes de tudo dos próprios judeus.

As tensões sociais na Polônia, um estado de espírito cada vez mais antijudaico, e as crescentes exigências públicas por uma emigração em massa de judeus certamente impulsionaram o desejo de emigrar. Antes da Primeira Guerra Mundial, os judeus formavam 30% dos emigrantes da Polônia, os poloneses 5590 e os ucranianos 15%. Esse padrão se alterou durante o período 1921-25. Nos primeiros anos de independência da Polônia, a emigração judaica representou 69% do total. Em números, saíram da Polônia cerca de 270 mil judeus, dos quais 190 mil foram para os Estados Unidos e 30 mil para a Palestina, que então se achava bem no início do seu desenvolvimento como lar nacional judaico. Após 1926, a percentagem de judeus emigrantes decresceu (40% do número total de emigrantes), mas o numero de emigrantes judeus ainda estava em elevação. A queda percentual não refletia um enfraquecimento essencial do desejo deles de sair da Polônia, mas podia ser atribuída às condições cada vez mais difíceis criadas pelos países que poderiam recebê-los. Para saírem, os judeus precisavam de um lugar para onde ir. Na realidade, o número dos ansiosos por emigrar da Polônia e outros países estava em proporção inversa ao número de exigências e leis de emigração impostas pelos governos de suas pretendidas destinações. Em primeiro lugar, na lista de urgentes prioridades internacionais da época, estava a necessidade de encontrar uma solução para os que fugiam da Alemanha nazista. Durante esses anos, os Estados Unidos impuseram limitações à emigração, introduzindo um sistema de quotas que discriminava os oriundos da Europa Oriental. Outros países muito espaçosos e pouco povoados seguiram o exemplo americano e se recusaram a receber imigrantes. A severidade da Grande Depressão e a pressão do desemprego trouxeram o temor de mão-de-obra imigrante a baixo preço. Os países dispostos a permitir uma imigração controlada queriam agricultores, e os judeus não podiam oferecer-lhes muita coisa em matéria de trabalhadores agrícolas experientes. Na aquecida atmosfera antijudaica dos anos 30, muitos países não hesitaram em declarar sua má vontade em receber judeus.

Transcrição: Daniel Moratori - avidanofront.blogspot.com
Fonte: GUTMAN, Israel - Resistência. Ed. Imago, 1995, pg 29-37.

Os judeus de Varsóvia no entreguerras - Parte 1/3, Parte 2/3, Parte 3/3
A extensa discriminação aos judeus orientais(Ostjuden) pelos judeus-alemães - Link