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domingo, 17 de novembro de 2013

Sobreviventes do Trem da Morte



Uma crosta de sangue ressequido recobre seu rosto. Tem de esfregar com força o olho direito para desgrudar as pálpebras. Lentamente, os dedos apalpam a profunda ferida da fronte. Durante alguns segundos ele se pergunta o que teria podido provocar tamanho corte... depois as imagens e os sons invadem sua cabeça. Ele quer dizer: 

- Foi uma garrafa... uma garrafa que me atingiu!... 

Mas nenhuma palavra se forma, não brota nenhum som. Ele vai gritar. A garganta infla-se. Um pigarro apenas. Um sopro de ar. Nada. O silêncio. A mão hesita sobre os lábios, ele se surpreende, sente a carne intumescida, rachada, arrebentada. Lábios desmesurados, lábios gigantescos. Aos poucos volta o suor - o último suor - que dissolve o sangue ressequido sobre a sua face.

Ele está deitado sobre o lado esquerdo. 

Gritos distantes e difusos chegam até ele. O trem está parado; o seu vagão silencioso. A mão desliza sobre o peito nu, pousa no chão, encontra um joelho, uma outra mão, uma... como se tivesse sido queimada, ela se retrai e procura refúgio no peito que acaba de deixar. Treme de medo. A pele, coberta de suor, de repente fica gelada. Em menos de um segundo ele passa pelo martírio da sede, da fome das crispações, das coceiras e, sobretudo, desse zumbido dentro de sua cabeça, que vai crescendo como um trovão, rói, tortura, e que só se manifesta entre os fracos e os loucos que não querem morrer. A vontade impede os reflexos. O corpo inteiro, músculos e nervos, desaparece diante dos olhos. O homem é somente um olho. Um milhão de facetas em cada globo. Pupila ofuscada. Olho inflamado e aguçado. Pela primeira vez desde a partida, o olho vence a penumbra, essa névoa espessa que substitui o pouco ar do vagão de gado, e consegue ver o chão. O chão coberto de cadáveres misturados. Soalho de cadáveres. Cama de cadáveres sobre a qual ele acorda. 

André Gonzales se endireitou. Na sua semi-consciência, imagina mais do que vê esse montão de corpos. Está horrorizado de ter que pisar sobre esses... Os dedos agarram uma argola chumbada na parede metálica. O braço se crispa, ergue o busto e os quadris. Os pés procuram um apoio contra a parede de ferro, escorregam, e encontram um lugar entre duas pernas nuas. André Gonzales chora, imobilizando-se num canto do vagão. Ele sufoca. Não suporta o calor das chapas de ferro. De repente ele corre levantando bem alto os joelhos e desaba contra a porta corrediça. Aproveita uma fresta da porta para respirar o ar puro que vem de fora. Dentes contra o ferro. Ar pesado e espesso. Boca escancarada. 

As narinas, bloqueadas, compartilham os odores, esforçam-se para não sentir o mau cheiro do produto dos intestinos esvaziados. Espumas e vômitos. Miasmas venenosos, fétidos e sufocantes. 

- Respirar. Relaxar-se. Respirar. Rezar mais uma vez. Não olhar para baixo. Respirar e beber. Beber alguma coisa para soltar as crostas que endurecem a língua, cobrem o céu da boca, empurram os lábios para fora.

André Gonzales se levanta, firma os pés nesse tapete que ondula com seus passos e desabotoa as calças. 

- Beber. 

A urina que ele engole parece-lhe fria e adocicada. 

Ajoelhou-se sobre umas costas maciças. 

- Não desmaiar, não dormir. Deitar-se é morrer. Morrer aos dezoito anos. André, desde ontem você tem dezoito anos. E os outros? Todos os outros que estão debaixo de você, que idade teriam? Não! Não procurar saber. Não pensar neles. Não! 

Ele está surpreso por haver escutado o último "não". Ele pode falar! Para se certificar, André Gonzales repete esse "não". Não! Não! 

- Não pensar neles. Sair deste vagão...

De calças curtas e sandálias de corda ele sobe de rochedo em rochedo com seus colegas do Colégio Saint-Udo de Ax-les-Thermes. O "instrutor da excursão" estende a mão para ajudá-lo a atravessar o último obstáculo. Catrapus! A água gelada do Ariège chicoteia seu corpo comprido e magro de adolescente. Esta lembrança e todas as outras cenas de infância que se atropelam por trás dos seus olhos lhe dão vida, sacodem seu torpor. Agora ele reza com o fervor meio amedrontado que lhe foi inculcado pelos frades das Escolas Católicas de Saint-Aubin, em Toulouse. Atravessa as campinas, mata a sede nas torrentes, ladeia as manadas de cavalos e rebanhos de carneiros que descem das pastagens de Puymorens e de Andorra. Feno cortado, chocalhos e, sobretudo, o perfume estranho - enxofre e camomila - que se desprende da bacia de Ladres e das oitenta e três fontes alcalinas de Ax. Isso tudo se mistura, se confunde, desemboca nos plátanos do Boulevard de Estrasburgo, onde ele foi preso com os bolsos atulhados de panfletos, no dia 21 de abril de 1944.

Ele chora. Uma nova angústia, mais densa do que os primeiros temores, dissipa, até mesmo, o rosto de sua mãe. O punho golpeia a porta corrediça: 

- Socorro! Água!

Perto dele, um estertor, apenas perceptível, lhe responde. Ele gostaria de gritar de alegria. O coração se acelera. Várias vezes ele pergunta: 

- Tem alguém? 

Uma massa escura intercepta a nesga de luz que entra por uma fresta da lucarna esquerda, da parte da frente. André Gonzales, dentes cerrados, quer evitar uma briga, custe o que custar. Ele pensa: "Talvez seja o sujeito que ainda há pouco me acertou com a garrafa." Recua, pisando nas carnes mortas, comprimindo caixas torácicas que exalam o seu último suspiro num silvo rascante. 

- Você está aí. Você está vivo. Eu vi. Diga alguma coisa! Ele se agacha, lá atrás, no canto direito, pronto para saltar se for atacado, ignorando o líquido imundo no qual suas mãos mergulham. 

- Diga alguma coisa!

Ele distingue o homem que se aproxima: fantoche desarticulado à procura de equilíbrio. Faltam três passos. Dois. A silhueta se desmancha, se desmorona. Ruído surdo: pá caindo na areia. 

Delicadamente André Gonzales segura-lhe a cabeça entre suas mãos. É um rapaz... talvez de dezoito anos, como ele. As duas pequenas pupilas, perdidas nessa espantosa inchação negra, semeada de pústulas, se animam: 

- Água! 

- Pobrezinho, não tenho nada. É preciso respirar. Vem. Vamos até a porta; tem uma fresta. Eu, eu bebi minha urina. Daqui a pouco você vai ver...

Eles avançam de quatro para o meio do vagão. 

- Assim! Devagar. Profundamente. Encha bem os pulmões.

Ele se volta para André Gonzales e murmura: 

- Obrigado. Obrigado. Estou melhor. Mas tenho um amigo que está ali, onde eu estava... Ele não está morto. Isto é, ainda há pouco, quando eu me mexi, ele também se mexeu e eu senti os seus dedos na minha perna.

- Vamos até lá, nós dois juntos. Mas, antes, ainda um pouco mais de oxigênio. 

Cinco minutos depois, os três únicos sobreviventes do vagão metálico estão reunidos perto da porta corrediça. Tal como André Gonzales, os dois rapazes também beberam suas urinas. O último a ser reanimado era o mais tagarela: 

- Eles nos fecharam aqui dentro para nos matar. Vão continuar o passeio até que estejamos todos mortos. Em Compiègne puseram-nos cem em cada vagão. Aqui somos apenas três sobre-viventes e nos outros vagões talvez todos estejam liquidados. Fizeram de propósito. Queriam que nos amotinássemos. Queriam que ficássemos sem ar. Quanto a mim, eu digo para vocês: este trem é o trem da morte. Nenhum de nós escapará vivo. Vocês compreendem: "O Trem da Morte".

Transcrição: Daniel Moratori (avidanofront.blogspot.com)
Fonte: O Trem da Morte -  Christian Bernadac - pg 11-15

Ver mais sobre o Trem da Morte:
O Trem da Morte - O transporte dos deportados de Compiègne com destino a Dachau.

domingo, 3 de novembro de 2013

O Trem da Morte - O transporte dos deportados de Compiègne com destino a Dachau.





Estou há um tempo enrolando para falar sobre o transporte de Compiègne com destino a Dachau, que ficou conhecido como o "Trem da Morte", por causa do alto número de mortes durante a viagem. Os 2152 homens que compõem este transporte pertenciam a dezoito países diferentes, mas a participação do francesa permanece esmagadora (2.018 indivíduos, aproximadamente 94% do total).

Depois do estudo das vítimas que está logo abaixo, haverá a tabela que contém no site de "Memória à deportação", o qual cito mais detalhadamente no final da matéria. A tabela traz algumas diferenças frente a contagem de mortos de Christian Bernadac, pois o mesmo faz o cálculo durante a viagem, e na tabela a contagem vêm também com os mortos após a viagem; mas já da pra ter uma base da mortalidade na viagem e após ela. Nesses anexos, dá para se notar o trabalho que deu para organizar os depoimentos, e calcular o número de vítimas nesse transporte.

Há uma diferença de 6 embarcados em Compiègne, de 2166 e 2152. 

No mais, irei postando futuramente alguns relatos sobre  os sobreviventes do trem.  Esse é um dos vários tipos de modo de assassinatos que os nazistas prepertaram aos seus opositores.




Detalhes sobre o Trem da Morte - O transporte dos deportados de Compiègne com destino a Dachau.

Anexo I


COMBOIOS SAÍDOS DA FRANÇA

Não existe um estudo geral sobre os comboios de deportados com destino à Alemanha. O relatório do governo francês (documento F274, pagina 124 do volume 37 do Tribunal Militar de Nuremberg) não "fornece uma descrição completa dos comboios,e sim, um número suficiente para indicar a sua progressão, não levando em conta saídos diretamente da Alsácia e da Lorena".

1940............ 3 comboios
1941 ......... 19 comboios
1942........ 104 comboios
1943........ 257 comboios
1944....... 326 comboios¹

1 - de 1º de janeiro de 44 até agosto, isto é, uma média de 10 comboios semanais.


Anexo II

COMBOIO DE 2 DE JULHO DE 1944 - TREM DA MORTE

Embarcados em Compiègne: 2.166
Mortos durante a viagem: 536
Matriculados à chegada: 1.630


Na noite de 5 de julho de 1944, os sobreviventes do Trem da Morte compararam suas "estimativas" das perdas da viagem... Isto não era nada fácil porque a maioria dos deportados ignorava a identidade dos outros "viajantes" do seu vagão. Corria o boato, alimentado pelo rumor, pelos responsáveis de blocks, pelas personalidades do campo, de que havia "mais de mil mortos".

No dia seguinte, esse número caía para 870 (éramos 2.500 na partida, somos 1.630 vivos durante a chamada: portanto 870 morreram durante a viagem). Mas ninguém havia tocado na lista de partida, exceto o abade Fabing, e o abade Fabing (ele me confirmou) não teve tempo de contar porque o Comandante de Dachau tinha pressa em recuperar esta lista (única e preciosa; todos se lembram do guarda-chuva que um SS manteve, durante uma parte da chamada, por cima da cabeça do abade Fabing).

Nos dias que se seguiram, o número de mortos subiu para 984, sem que se saiba, exatamente, por que processos ou verificações alguns deportados, chegavam a este total. Além disso, Eugen Pfeiffer que havia participado do descarregamento dos cadáveres (mas não os havia contado) confirmou "984" e depois um deportado, Auguste Thillot, afirmou: "Eu era o primeiro a' esquerda da coluna, no momento em que esta atravessava a por-ta do campo, eu falo alemão e escutei nosso chefe de comboio dizer: "Eu lhes trago 1630 franceses imundos que fedem como a peste, felizmente 984 morreram durante o trajeto". Acreditaram nele. Aliás, ele devia repetir esta frase durante o processo de Metz e ninguém (nem mesmo a defesa de Dietrich) o contra-disse... o que, no entanto, era fácil: Dietrich havia ficado na plataforma e foram os SS de Dachau que se "encarregaram" dos que chegavam; quanto à chamada que devia determinar o número dos presentes e não o dos ausentes, iniciada no dia 5, foi interrompida e só terminou no dia 6. No entanto, em Metz como em Dachau, acreditaram em Thillot.

O campo de Dachau aceitou esta "verdade de 984" (ainda que alguns deportados, como Michelet, Roche ou Lassus julguem este total muito elevado).

No processo de Nuremberg, em 1945-46, o Ministério francês dos Deportados e Prisioneiros, em seu documento F 274, limitava-se a: "Mais de 600 mortos" (Volume XXXVII do Tribunal Militar Internacional, páginas 126 e 127). Para estabelecer este total, o Ministério fundamentava-se numa primeira compilação dos Arquivos do campo de Compiègne, comparada com o Registro de matrículas de Dachau que acabava de ser encontrado (os 1630 deportados registrados no dia 6 de julho de 1944 receberam números indo de 76.418 até 78.047). Os "Encarregados de Missão" que preparavam os documentos franceses de acusação, na realidade, haviam constatado em suas listas de Compiègne que "em nenhuma hipótese o trem de 2 de julho poderia ter transportado mais de 2200 deportados". Para obter este resultado bastava uma única subtração entre uma chamada de 3 de julho (dia seguinte à partida, e urna chamada dos dois últimos dias de junho. Isto é: 2200 menos 1630 é igual a 570. Este resultado aproximado, porém lógico, conforme veremos, não estava muito longe da verdade. O "mais de 600 mortos" do Auto de acusação oficial era apenas um pequeno exagero, para cobrir a margem de erro que sempre ocorre neste gênero de probfemas.

Em 1950, o processo de Metz ignorou estas primeiras pesquisas, apesar de constarem dos Autos Oficiais, e aceitou a "verdade" de 984 mortos. Entretanto, durante este processo, dois balancos foram citados: 450 mortos em Novéant, quando Dietfich assumiu o comando do trem; 483 na chegada em Sarrebourg. Estes números foram confirmados por várias testemunhas e, constam nos relatórios do inquérito dos inspetores encarregados de interrogar os ferroviários das estações. Ainda que revelado por Dietrich, o "total" de Novéant parece verossímil. O que o é menos, é que, sempre segundo Dietrich, no resto do percurso houve apenas um morto suplementar. Em Sarrebourg, conforme vimos no capítulo relativo aos incidentes desta estação, o comissário Franz Mulherr é categórico: 481 mortos I mais as dois mortos do "vagão enfermaria" Ia Perraudière-Segelle) ou seja, 483 mortos. Este balanço, confirmado por Rocert Mangín que somou os números escritos a giz nos vagões, também é confirmado pelas "boutades" dos chefes de comboios que (pelo menos por três vezes) gritarM para os representante da Cruz Vermelha: "Vocês terão quinhentas rações mais". E, de fato, depois da partida do trem restaram a "grosso modo" quinhentas rações (Processo de Metz). Portanto, esse lanço de 483 mortos em Sarregourg, parece "razoável". Mas, como depois de Sarrebourg, não consta que tenha havido muitas mortes, o total destas, na chegada, deveria estar porvolta de 483 (minimo).

Evidentemente que o ideal teria sido encontrar a lista original da partida de Compiégne. Este documento(num único exemplar, datilografado ou manuscrito, conforme as páginas e repleto de emendas) foi entregue, somente por poucos dias, à Seção política da Administração de Dachau, e em seguida remetido para a Sicherheitspolizei (Polícia de Segurança SIPO) de Paris concentrada em Würtemberg. A remessa do documento original ocorreu no dia 9 de outubro de 1944 (o envio pode ser a prova de que um inquérito estava em curso). No final da guerra os arquivos queimaram e a lista de partida ficou perdida para sempre.

De que maneira, nessas condições, determinar a lista dos mortos de 2 de julho...? Talvez apenas consultando o livro dos mortos de Dachau. Examinei cuidadosamente o registro original. Nele, com a data de 5 de julho, consta apenas um nome de morto: Franz Ryz (ele estava no campo há mais de um ano). Portanto, os corpos retirados do Trem da Morte foram diretamente para o crematório, sem terem sido registrados.

Desde 1945 que no Ministério francês dos Antigos Combatentes, Pierre Garban e uma equipe de inquérito reconstituíam os arquivos dos campos de concentração e, em particular, as listas de nomes. Esta equipe conseguiu 99% de sucessos nessa pesquisa considerada "impossível". O Trem da Morte apresentou inúmeros problemas e, foi objeto de um estudo especial. Estudo incompleto, porém interessante.

Retomando o livro de matrículas das entradas em Compiègne e completando-o com os diferentes documentos do campo (listas de chamada, de cabeleireiro, de enfermaria, de corvéias, de transferências, de partidas parciais, etc.) esta equipe praticamente reconstituiu o conjunto dos nomes dos internados de Royallieu. No livro de matrículas, bem ou mal organizados, conforme o período em que dele se ocupava os secretários-prisioneiros, figuram em geral: o sobrenome do internado, seu nome, o block para o qual havia sido designado seguido da inicial do campo A, B ou C, a data do nascimento e data de sua partida no comboio. Nestas colunas de informações, várias centenas de prisioneiros tinham espaços em branco. Estes vazios foram parcialmente preenchidos pelas outras listas do campo, especial-mente pela de chamadas. Após muitos meses de compilação metódica, de verificações, de leitura com a lupa, M. Garban organizava uma lista alfabética (que nunca foi publicada) de 464 mortos.

Em 1969, M. Garban aconselhou-me a continuar o seu trabalho: "certamente incompleto, mas que não devia estar muito longe da verdade". Eu não sabia, ao aceitá-lo, que esta tentativa de reconstituição ia demorar um ano e mobilizar, em torno do dossiê, quatro pessoas. Entretanto, antes de começar essa "tentativa" eu tinha em meu poder um "balanço" que me parecia o mais próximo possível da realidade. O inquérito aberto para encontrar testemunhas e depoimentos havia permitido que eu recolhesse mais de cento e sessenta manuscritos inéditos redigidos por "viajantes" do Trem da Morte. Isto era uma fonte de informações insubstituível, que antes de mim, nenhum pesquisador havia possuído. Estes sobreviventes forneciam, pelo menos, mil nomes de vivos na chegada, ou de mortos durante o percurso. Os 161 "viajantes" pertenciam ao conjunto do comboio e dessa forma eu tinha uma "amostragem" suficiente para cada vagão. Esses 161 deportados forneciam-me o número exato de mortos em seus vagões (em todos os vagões os mortos foram contados, várias vezes, durante a viagem). Bastava somar todos os vagões.

1) Vagão metálico de André Gonzales: um único sobrevivente na chegada; 99 mortos.

2) Vagão R ohmer (segundo sete depoimentos): 76 mortos. 3) Vagão Fully-Thomas (quatro depoimentos): 75 mortos.

4) Vagão Mamon-Garnal (nove depoimentos): 75 mortos. 5) Vagão Sirvent-Dhenain (onze depoimentos): 64 mortos.

6) Vagão Canac (nove depoimentos): 46 mortos.

7) Vagão Habermacher (onze depoimentos): 44 mortos.

8) Vagão Líotier (oito depoimentos). Este vagão comportava ao partir 120 deportados: 36 mortos.

9) Vagão Puyo (doze depoimentos): 17 mortos.

10 e 11) Foi-me impossível separar exatamente as dezessete testemunhas, encontradas, desses dois vagões e reconstituir a ocupação dos mesmos. Mas é certo que nesses dois vagões foram contados:

10) 8 mortos. 11) 3 mortos.

12) Vagão "enfermaria" la Perraudière-Segelle: 2 mortos.

13) Vagão "inválidos" (segundo o abade Goutaudier): 1 morto.

14) Vagão Helluy-Aubert-Villiers (nove depoimentos): não houve mortos.

15) Vagão Lambert (dez depoimentos): não houve mortos.

16) Vagão de 80 (Chapalin e quinze depoimentos): não houve mortos.

17) Vagão Bernard-Verchuren (nove depoimentos): não houve mortos.

18) Vagão Lutz-Hamburger (dez depoimentos): não houve mortos.

19) Vagão Weil-Fuchs-Kienzler (sete depoimentos): não houve mortos.

20) Vagão Bent-Solladié (doze depoimentos): não houve mortos.

21 e 22) Vagões "duvidosos" (umas vinte testemunhas que não rude situar, mas que não estavam nos outros vagões).

Em geral não utilizei estes depoimentos no livro. Estes dois vagões não têm importância para o nosso "balanço" porque não tiveram mortos.

É evidente que muitos deportados não ocupam seus lugares nos vagões que lhes foram destinados... mas esse não é o caso dos treze vagões que tiveram mortos.

Antes de totalizar, são necessárias duas observações:

1) Os sobreviventes pensavam, desde Dachau, que somente dois vagões haviam tido 72 mortos, quando, com toda a certeza, está demonstrado que os vagões foram três.

2) Os sobreviventes estavam persuadidos de que um único vagão, ou quando muito dois, não continham mortos. Na realidade, encontramos 8 e possivelmente 9.

Total de mortos: 546.

Este total deveria ser o "maior possível" porque em certos casos eliminei os algarismos menores (Liotier, por exemplo, diz que houve 32 mortos no seu vagão, porém baseando-me em outros depoimentos desse mesmo vagão, achei que devia "alterar" este balanço para 36, a fim de não ficar "abaixo" ainda que o depoimento Líotier me parecesse perfeitamente completo e objetivo).

Ao iniciar a tentativa de reconstituição da lista de partida de Compiègne, parecia-me que o "intervalo" ideal apresentava-se assim: 483 mínimo... 546 máximo... (mínimo pela verificação de Sarrebourg, máximo pelos depoimentos.) 483..., 546, estávamos longe dos 984 de Dachau ou do processo de Metz.

Precisávamos, agora, organizar um fichário duplo.

1) Fichário de partida (2 de julho em Compiègne).

2) Fichário de chegada (5 de julho em Dachau).

Retirando o número de fichas 2 do fichário 1, obtinha-se o resultado.

Trabalhando quase sempre com os documentos originais, vá-rios problemas surgiram:

A. Leitura. O registro de Compiègne e as listas (chamadas, cabeleireiro, enfermaria, etc.), são manuscritas, inúmeros nomes estão ilisíveis ou parcialmente apagados. A fotografia em diferentes diafragmas e a ampliação permitiram reconstituir a maioria dos nomes.

O registro das matrículas de Dachau (original) está datilografado, e uma única matrícula, a 88.006, desapareceu, mas os secretários-deportados, alemães ou poloneses, germanizaram ou polonizaram as ortografias, inverteram os nomes e cometeram numerosos erros de datilografia. Para conseguir uma justaposição das fichas Compiegne, Dachau, era necessário uma comparação das datas de nascimento.

B. Homonímias. Em mais de de 10 casos, os mesmos nomes.

C. Nomes falsos. Varios deportados da resistencia foram presos usando seus "codinomes", e os conservaram em Compiegne (Rival quer dizer Rykner, etc.).

D. Partículas. Onde encontrar o Padre Bernard Letourneux de la Perraudiere, em L? T? D? L? P?. Conforme as listas, ele está catalogado obedecendo a qualquer uma dessas iniciais.

E. Depoimentos. Depois das fichas organizadas e comparadas, era preciso verificar na pilha de depoimentos reunidos, se o deportado estava citado, como ausente ou presente, no momento da chegada e, finalmente retomar o estudo de Pierre Garban e do Ministério dos Antigos Combatentes para saber se, pelo menos quanto aos 464 nomes já indexados, as nossas conclusões coincidiam.

A lista de mortos publicada, talvez não esteja "totalmente" exata. Possivelmente algumas ortografias continuam erradas, mas ela está dentro do "intervalo" ideal, e se aproxima da "verdade"com uma margem de erro de cerca de dez nomes.

Transcrição: Daniel Moratori (avidanofront.blogspot.com)
Fonte: O Trem da Morte -  Christian Bernadac - pg 323-332




Obs: O livro em português faltou alguns anexos,como a lista de deportados no trem e a de mortos, que por sinal eu não sabia que existia na edição original. Descobri quando olhei o site do USHMM, quando diz:

"Paginas 303-306 incluem uma lista alfabética de 536 pessoas que morreram quando foram deportados de Compiegne para Dachau em 2 de julho de 1944.  Paginas 306-315 inclui uma lista alfabética de 1.630 sobreviventes deste transporte."²

As referências bibliográficas e registros que cita no site, fico na duvida se são as que estão em nota de rodapé (que abundam o livro) ou se existe mais algumas no final do livro original, mas só mesmo conseguindo um pdf ou o original, que podemos confirmar. 

Para quem quiser saber mais sobre o Trem da morte, sugiro ler mais no site Memoria a Deportação:

Também esse site é muito bom, mostra alguns depoimentos e  mostra comemoração dos sobreviventes:


Abaixo segue a tabela do site Memoria a Deportação:




Créditos as fotos: 

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Pesquisador encontra relatório de deportação nazista em arquivo

Um pesquisador alemão anunciou nesta quarta-feira que encontrou em um arquivo londrino um estremecedor relatório policial sobre a deportação de judeus na Alemanha nazista que constitui um valioso documento histórico.

O relatório, que é assinado pelo capitão da Polícia e membro das tropas de assalto das SS Wilhelm Meurin e data de novembro de 1941, descreve a deportação de Düsseldorf e Wuppertal (oeste da Alemanha) com destino a Minsk (Belarus, URSS) de um total de 992 judeus, dos quais apenas cinco conseguiram sobreviver ao Holocausto.

O funcionário nazista, responsável pela supervisão da deportação, documenta de forma burocrática ao longo de sete páginas todas as paradas do trem da morte, enquanto não há praticamente nenhuma frase sobre o estado no qual se encontravam os judeus deportados Bastian Fleermann, o diretor do memorial das vítimas do regime nacional-socialista em Düsseldorf, explicou que encontrou o documento por acaso ao consultar no catálogo virtual da Biblioteca Wiener de Londres as palavras-chave "Düsseldorf" e "Minsk".

"Não sabemos como (o documento) chegou a este arquivo londrino", declarou Fleermann em Düsseldorf ao apresentar pela primeira vez o relatório policial.

Ao mesmo tempo, ele ressaltou a importância deste documento, já que por enquanto é conhecido apenas um semelhante sobre a deportação de judeus - o "relatório Salitter", encontrado nos anos 60 -, pois os nazistas tentaram eliminar no final da Segunda Guerra Mundial todo o rastro de sua maquinaria assassina.

Este documento, assinado pelo funcionário da Polícia Paul Salitter, descreve com detalhes a deportação no início de 1941 desde a estação para trens de carga de Derendorf, em Düsseldorf, de um total de 1.007 judeus com destino a Riga (Letônia).