domingo, 26 de janeiro de 2014

Os judeus de Varsóvia no entreguerras - Parte 3/3

Os membros do Hashomer Hatzair(movimento juvenil sionista) 
fica em formação ao longo de uma estrada, vários deles segurando
 instrumentos musicais.
Membros das profissões liberais e assimilacionistas confessos moravam em ruas e casas ocupadas por poloneses ou por uma combinação de judeus e poloneses. É difícil calcular o número deles, mas não poderiam ser mais do que 20 ou 25% dos judeus vivendo em Varsóvia. O comércio atacadista judeu e suas ramificações estavam concentrados em determinadas ruas. A rua Gesia era conhecida pelos tecidos e acessórios a eles relacionados; a rua Franciszkanska pelas lojas de artigos de couro e curtidores; e a rua Swietokszyska por suas editoras, lojas para livros escolares e antiquários, comercializando livros usados e obras raras. O próprio bairro judeu podia ser distinguido por suas casas e pelas condições de suas ruas. 

O status financeiro e o estilo de vida dos inquilinos determinavam em grande parte a aparência da rua: as calçadas, a quantidade de gente, o barulho, a limpeza e os cheiros. Os becos judeus eram congestionados e obviamente descuidados. Paul Tarpman descreveu o ritmo de vida de um beco típico: 

A rua está fervilhando com uma espécie de atividade que só é encontrada no bairro judeu, pois ela funciona como centro nervoso de comércio e trabalho. Não está familiarizada com o sono. Aqui o tempo noturno tinha pouca significação. Durante o dia, as lojas ficavam cheias de fregueses e carregadores, que nos seus fortes ombros levavam sacos, caixotes, rolos de tecido, móveis... As calçadas, desde o raiar do dia, apinhadas de gente: vendedores apregoavam pãezinhos e água gasosa, ambulantes carregavam cestos cheios de amendoim, sementes de girassol, cadernos e velas; empréstimos e outras pechinchas eram oferecidos, com os tons mais sedutores, a qualquer passante; mendigos esfarrapados louvavam suas mercadorias, nos termos mais elogiosos, para todos.


Aqui um judeu da província gritava e se lastimava de que, num único segundo, suas posses haviam desaparecido como se nunca houvessem existido. E, ali, um homem que caíra na miséria implorava por alguma comida ou roupa. Mais adiante, um criado xingava um amigo com todas as imprecações e maldições bíblicas que era capaz de lembrar, e na esquina um policial polonês preparava uma arapuca para um ambulante judeu. Judeus trajando os longos e tradicionais cafetãs pretos (kapote), outros com bonés pretos com pequenas palas e rostos barbeados; mulheres elegantemente vestidas ou algumas com roupas mais simples. Crianças sujas e limpas, algumas bem alimentadas e outras magras como uma vara — aí podia-se encontrar tudo.

David Canaani, natural de Varsóvia, descreveu a sua rua e a casa em que morava quando jovem:

A rua consistia principalmente de casas residenciais. Havia poucas lojas, apenas o suficiente para suprir as necessidades mais simples: mercearias, sapateiros e alfaiates, uma lavanderia, um depósito de carvão, uma minúscula papelaria, onde se podia comprar qualquer coisa, desde cadarço até cola. Aqui você tem todo o comércio da rua. Nossa rua era em parte rua e em parte alameda. Uma rua — pois de ambos os lados havia quadras de casas de três, quatro ou até sete andares, e em cada casa moravam não menos que quarenta ou cinqüenta famílias. Uma alameda — pois nenhum bonde passava por lá. Era iluminada por luz de gás, e não por eletricidade. Era pavimentada com pedras, e cada carroça que passava fazia horrendos sons ribombantes e ecos de parar o coração. Era uma rua estreita. Uma tira de céu cinzento dependurava-se frouxamente sobre nossas cabeças: a luz do sol mal conseguia se esgueirar entre as paredes dos altos prédios. Somente ao entardecer é que os raios do sol poente douravam os inclinados telhados de zinco e as bruxuleantes luzes aliviavam o escuro desalento.


No inverno, a rua ficava ainda mais estreita, devido às pilhas de neve suja e compacta amontoada nos lados. Mas nas manhã de verão ela era às vezes perfumada com os produtos de uma carroça de aldeão, cheirando a frutas e flores do campo.

Nossa rua, pouso de milhares de judeus, foi uma das centenas de ruas judaicas de Varsóvia que se tornaram montes de ossos e de ruínas. Nossa casa, a número 15 da rua Nowolipki, era uma das milhares de casas judias, anônimas e cinzentas de Varsóvia. Suas janelas são vistas à distância do tempo e lugar. Não obstante, parece haver algo a singularizá-la, apagando seu anonimato e obscuridade. Há, indubitavelmente, entre os habitantes de Varsóvia, muitos que se lembram dessa casa por causa do jornal Unser Express ("Nosso Expresso"), que por breve tempo teve ali sua redação.

Durante décadas, milhares passaram pelo prédio, indo para a clínica da organização beneficente conhecida como Achiezer ("Ajuda Fraterna"). Dessa casa estabeleceram-se vínculos com velhos colonos na Palestina: por alguns anos foi o centro para fundos do Rabi Meir Bal Haness. Cobradores para instituições religiosas, funcionários e simples judeus comuns podiam ser vistos constantemente indo e vindo. Centenas de alunos estudavam no Estherson, o Heder Metukan do Litvak [na escola ortodoxa, as crianças, desde muito cedo, aprendiam quase exclusivamente a Torá, enquanto que no Heder Metukan eram ensinados também outras disciplinas, tais corno aritmética, a língua do país conhecimentos gerais), até ele transformar a escola num hotel.

Centenas, talvez milhares de migrantes que partiam para a Palestina e para a America passavam seus últimos dias e noites nesse "hotel".

Não eram, porém, as instituições que davam ao nosso pátio o seu caráter. Nossa casa era essencialmente uma residência para dezenas de famílias judias que ali viviam permanentemente. Era uma casa antiga, de uns sessenta ou setenta anos, com o formato típico das casas de Varsóvia e um pátio fechado pelos quatro lados chamado de "caixa". Em cada canto havia escadas, além das entradas mais amplas e mais elegantes dando para a rua... Quase todos os apartamentos consistiam de dois quartos e cozinha, um pequeno corredor em que o sanitário ficava escondido por trás de uma cortina de tábuas e onde também podiam ser encontrados um cesto de roupa suja e todo tipo de velharias. Apartamentos desse tipo eram considerados respeitáveis e hem arrumados. No centro do bairro judeu, não só todos os residentes eram judeus como também todas as instituições e serviços se destinavam a judeus e tinham um caráter essencialmente judaico. Os judeus tinham ali a sensação de estar em casa, entre eles mesmos e em seu próprio elemento. Tinham total liberdade de se comportar como quisessem e fazer o que lhes aprouvesse. A língua ídiche dominava as ruas. A variada multidão criava uma existência harmoniosa e colorida em meio ao abundante clamor e alarido. Aos olhos dos poloneses de ruas mais abastadas e elegantes, mas apenas a poucos minutos de distância, o bairro judeu parecia um mundo diferente e estranho, enquanto que, do ponto de vista de muitos judeus, as ruas especificamente polonesas eram uma área de desconforto e, por vezes, cenários de ataques, xingamentos injuriosos por parte de desordeiros, e até de agressão física, particularmente nos anos 30.
Os transtornos ocasionados pela Primeira Guerra Mundial — operações militares, movimentos de populações e mudanças de governos — paralisaram a da econômica de Varsóvia. Os poloneses demonstraram incansável e persistente entusiasmo em sua luta pela restauração da independência política, mas a verdade nacional por si mesma não solucionava os problemas existenciais de ri povo. No entreguerras a Polônia sofreu com o enfraquecimento dos mercados russos, que anteriormente constituíam um consumidor de sua produção industrial, e estava debilitada por recessões e pela grande crise econômica naquele período. 

Na Polônia do entreguerras houve uma acentuada tendência para expulsar deus das posições de destaque na economia. Seria um exagero atribuir aos poloneses em geral, e a todos os órgãos políticos da nação, a tendência de tornar economia livre de judeus e de encarar o futuro da Polônia pelo prisma do anti-semitismo, mas slogans antijudaicos predominavam. Havia muitos que viam) banimento dos judeus de posições econômicas — e, a partir de fins da década 1930, na expulsão total de judeus — uma panacéia para todos os males da polônia. Era essa a opinião dominante no Endecja, com seu grande contingente a burguesia, da classe média e da intelectualidade. E era também a doutrina que impregnava as fileiras de muitos jovens estudantes e ativistas políticos que, os anos 30, abandonaram o Endecja e fundaram um ramo radical-nacionalista que, não obstante sua confessada orientação católica, se apropriava entusiasticamente de muitos elementos da ideologia fascista e adotava como modelo a política antijudaica dos nazistas.
 Nas cidades polonesas, os judeus eram um elemento nitidamente urbano.

Excetuando-se uma pequena minoria de alemães, alguns dos quais haviam obscurecido ou rejeitado sua identidade anterior, eram os judeus na Polônia, sob muitos aspectos, a mais nítida das minorias. Uma situação tão grave de tensões e de escassez proporcionava, obviamente, um terreno fértil para acusações contra os judeus. Estes, alegava-se, eram responsáveis pelo atraso das cidades polonesas, e as indústrias e o comércio mal administrados da Polônia eram conseqüência direta do número excessivo de intermediários e de sua disputa por lucros especulativos. 

Muitos judeus, ou melhor, a maioria dos judeus era ativa no mundo dos negócios e do comércio, bem como em certos ofícios e profissões que empregavam métodos bem mais antiquados que os em uso nas nações ocidentais. As autoridades polonesas, contudo, em vez de tratarem das causas da situação precária de suas cidades e do atraso no comércio, e de energicamente introduzir reformas básicas e melhorias tanto no setor urbano quanto no rural, freqüente-mente pretendiam atribuir à responsabilidade por esse triste estado de coisas aos judeus, retratados como obstáculo às mudanças ansiosamente esperadas. 

De acordo com as estatísticas, os judeus possuíam em Varsóvia, ao fim da Primeira Guerra Mundial, 73% dos negócios particulares da cidade, enquanto que, em 1928, essa porcentagem baixou para 54%, e continuou em declínio até a Segunda Guerra Mundial. Esse declínio fica ainda mais evidente examinando-se a categoria de negócios em mãos de judeus. Os 39,5% que representam o comércio judeu de Varsóvia em 1928, decresceram para 23% em 1933. Mas o fato de os judeus se dedicarem ao pequeno comércio e ao comércio ambulante não diminuiu o antagonismo. Pelo contrário, o pequeno lojista era visto pelo consumidor como um empresário independente, fornecendo todos os ramos de produção, e responsável pela lacuna cada vez maior entre salários e preços, assim como pelos problemas dos desempregados, que compravam mercadorias a crédito e não podiam pagar suas dívidas a tempo. 

A imagem do judeu rico manipulando as cordas do comércio era muito comum entre poloneses de classe baixa. Um erudito polonês, Jerzi Tomaszewski, documentou no seu livro A República de Muitas Nações aquele ápice da economia da Polônia no entreguerras. Havia então, nas fileiras da oligarquia financeira que determinava a política econômica, 92 indivíduos específicos. A julgar pelos seus nomes e por outros indícios, 14 deles, no máximo, eram judeus — e alguns tinham se assimilado ou convertido. Mas conforme já é tradicional no estereótipo anti-semita, basta haver apenas um pequeno número de judeus, ou até mesmo um só, envolvido numa determinada área de comércio para que isso comprove uma dominação judaica. Os judeus foram também os primeiros a derrubar a barreira erguida pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas após a revolução, e a Associação Mercantil Judaica organizou uma companhia acionária cuja especialidade era estabelecer conexões comerciais com o Leste. O núcleo da Associação Mercantil, uma prestigiosa e poderosa instituição fundada em 1906, localizava-se em Varsóvia daí se espalhando pelo país para formar uma rede, organizada segundo atividade comerciais específicas. De acordo com o historiador judeu Meir Balaban, essa organização podia se vangloriar de ter em Varsóvia, em 1928, uns 6 mil membros. A Associação promovia convenções anuais que, segundo um de seus membros, eram "eventos importantes no calendário político judaico na Polônia". 

Os comerciantes de Varsóvia eram as figuras dominantes na Associação Mercantil. Em 1935, presidia-a Abraham Gepner. Era um homem de enorme vitalidade, que começara a vida como entregador de uma firma comercial e chegara a uma posição de destaque no comércio e fabricação de metais. Nos anos 30, tornou-se conhecido como figura pública de princípios elevados e como filantropo particularmente sensível ao destino de crianças órfãs. Ao tempo da guerra e do gueto, Gapner, então com quase 70 anos, foi membro do Judenrat, sendo responsável por suprimentos, isto é, pela área extremamente sensível e socialmente explosiva da distribuição de alimentos a pessoas famintas. Nesse papel ingrato, sua integridade nunca foi posta em dúvida. E, além disso, ele apoiava secretamente o movimento clandestino e a Organização Combatente judaica. Em seus últimos dias, Gepner escreveu não estar arrependido de ter permanecido no gueto com seus irmãos e irmãs, e "se eu pudesse enxugar apenas uma lágrima — eu estaria bem recompensado". 

Os judeus se destacaram no desenvolvimento das manufaturas, tanto no âmbito do Estado polonês quanto internacionalmente. Quando as grandes companhias saíram do campo das empresas privadas e se tornaram sociedades anônimas, muitos judeus foram nomeados diretores. Os judeus, preferiam de um modo geral, trabalhar independentemente, isto é, não serem assalariados e terem seu próprio negocio ou loja, por menor que fosse. Foi somente sob a forte pressão dos impostos, que afetaram as classes médias inferiores, e especialmente após a confusão causada pela grande depressão que os judeus que haviam sido pequenos negociantes sentiram o doloroso processo da proletarização. Havia muitos artesãos entre os judeus da Polônia, mas o número de judeus trabalhando na agricultura, num país basicamente agrário, era acentuadamente baixo. Isso refletia restrições governamentais sobre posse de terras por judeus, repetidamente impostas no decorrer da história judaica. Em 1918, os judeus constituíam 37% dos artesãos, e esse percentual aumentou consideravelmente durante os anos de independência da Polônia. Eles concentravam-se em certos ramos de trabalho, especialmente os que exigiam alguma perícia, tais como, entre outros, a manufatura de roupas, sapatos, chapéus, artigos de couro, artigos de armarinho e casacos de peles.

Em 1926, um levantamento do governo revelou que 55% de todos os empregados de oficinas eram judeus. No ano seguinte foram introduzidas amplas reformas em relação a padrões e condições de trabalho em oficinas que obrigavam os trabalhadores a serem examinados pelas autoridades, para obter uma licença (patente) que lhes dava o direito, caso aprovados, de exercer seu ofício. Muitos judeus fracassaram, e houve queixas de que tais reprovações não se deveram a falhas de produção e sim porque aos examinandos foi pedido que provassem seu domínio da língua polonesa. Em conseqüência, muitas oficinas judaicas foram obrigadas a funcionar sem uma licença oficial, e isso teve efeito nos preços que podiam cobrar. O trabalho tinha de ser feito em casa pelos trabalhadores. Nos setores judeus mais pobres, nas ruas Mila, Smocza, Krochmalma, e outras, havia muitos alfaiates, sapateiros, costureiras, e trabalhadores temporários de todo tipo, que trabalhavam como artesãos independentes ou assumiam empregos temporários de empreiteiros. Artesãos e trabalhadores temporários, conhecidos como chalupnicy, moravam num pequeno quarto e usavam a oficina para comer, dormir e para a vida familiar diária. Crianças faziam seus deveres de casa ou brincavam numa minúscula área desse quarto, que freqüentemente era sombrio. 

Futuro conselho judeu de Varsóvia. Sentado atrás da mesa, 2 a 4 na
 esquerda: o industrial Abraham Gepner; presidente Adam Czerniakow
e advogado Gustavo Wielikowski. Varsóvia, Polônia, entre 1939 e 1942. 

Com o decorrer do tempo, esses severos regulamentos foram um tanto atenuados. Os artesãos se organizaram num sindicato profissional denominado Associação Central de Artesãos Judeus, que tinha somente em Varsóvia uns oito mil membros, com mais de quinhentas ramificações em todo o país. O sindicato cuidava de muitos aspectos do setor profissional e protegia os direitos dos artesãos nos âmbitos oficial e jurídico. As opiniões contraditórias que levaram a uma cisão desse sindicato multilateral não eram só políticas, mas causadas às vezes por um conflito de personalidades e pela ambição de dominar o sindicato, segundo Joseph Marcus, autor de um livro sobre a história política e social dos judeus poloneses no entreguerras. Até 1929, o sindicato foi presidido por Adam Czerniakow, um engenheiro que estava próximo dos assimilacionistas mas que, à semelhança de outros membros com opiniões análogas, passou a servir os judeus sob outras condições e a defendê-los contra as políticas discriminatórias das autoridades. Czerniakow foi presidente do Judenrat no gueto de Varsóvia desde o início da ocupação nazista, de outubro de 1939 até cometer suicídio, quando começaram as deportações de judeus para Treblinka, a 22 de julho de 1942.

Os sindicatos judeus maiores tinham também um sistema bancário e uru fundo de assistência social. O American Jewish Joint Distribution Comntittet (o Joint) teve uma grande participação em capitalizar e canalizar fundos para a manutenção da rede financeira e assistencial. De acordo com Joseph Marcus, ocorreu na esteira do crack da Bolsa um declínio no envolvimento do Joint e no auxilio a essas instituições bancárias. Isso só exacerbou as terríveis condições dos judeus poloneses. Houve também, conseqüentemente, um enfraquecimento da eficácia das associações econômicas judaicas na época em que elas eram mais necessárias. Em resposta, nesse momento crítico, aumentou o auxilio mútuo independente de fontes judaicas locais. 

A década de 1930 foi, em conjunto, em toda a Polônia, um período de terrível pobreza e desemprego em massa, mas o fardo mais pesado recaiu sobre os judeus empregados nos setores mais vulneráveis da economia que menos ajuda receberam do governo, que se mostrou incapaz de enfrentar a situação econômica. De meados dos anos 30 em diante, evidências da crescente influência do rumo antijudaico na economia tiveram sua expressão mais nítida e extrema na política da oposição direitista radical, que não se absteve de recorrer a violentos distúrbios e perseguições. Ao mesmo tempo, os governantes seguidores de Pilsudski adotaram, nas esferas política e econômica, medidas antijudaicas pelo processo de "legitimização" de um boicote antijudeu. Quando indagado sobre sua política em relação aos judeus, o primeiro-ministro, General Felicjan Slawoy-Skladkowiski, respondeu que ele rejeitava métodos violentos mas que sanções econômicas eram obrigatórias. Sanções econômicas dirigidas contra um setor da população cujos costumes, crenças e língua diferiam dos da maioria eram consideradas apropriadas. Aproximadamente um quarto dos habitantes judeus da cidade eram indigentes necessitados de ajuda, alguns deles a ponto de morrer de fome. 

A sociedade judaica tinha a estrutura de uma pirâmide: no topo uns poucos abastados. A camada do meio era constituída pela maior parte da classe média, e na ampla base estavam às pessoas de baixa renda ou sem renda estável. Segundo o sociólogo Jacob Lestchinsky, essas proporções com o decorrer do tempo se alteraram. O topo e as camadas intermediárias se estreitaram, enquanto a camada mais baixa inchou desmesuradamente. Durante todo o período de entreguerras, os judeus sentiram a necessidade de reorientar suas vidas profissionais e de se deslocarem do pequeno comércio e de posições de intermediários para a indústria e ocupações estáveis. Sentiam que uma alteração no status econômico dos judeus melhoraria sua imagem perante os não-judeus. Nos anos 30, o trabalho nas indústrias era visto como uma garantia de estabilidade e uma promessa de condições de trabalho decentes. Houve, por parte de órgãos Públicos judaicos, inúmeras petições e tentativas de direcionar os muitos judeus sem meios de subsistência aos judeus proprietários de fábricas, mas os resultados foram apenas modestos. Judeus donos de fábricas não se dispunham, por várias razões, a empregar outros judeus. As empresas pertencentes a não-judeus empregavam, em regra, poucos judeus, e a presença de um grande número de judeus numa só fábrica era um inconfundível indício de que o proprietário era judeu — algo que ele preferia esconder. Em segundo lugar, a maioria dos judeus não queria trabalhar no sábado, o dia de repouso da família judaica, mesmo nos círculos mais laicos. Era natural que urna empresa com grande número de empregados tivesse o domingo como dia compulsório de repouso, e exceções a essa regra causavam incômodo e confusão no processo de produção. Em certas indústrias, os próprios trabalhadores não-Judeus faziam objeção ao emprego de judeus. De qualquer maneira, porém, a intensa aflição bem como o anti-semitismo evidentemente levaram alguns industriais judeus a admitir muitos trabalhadores judeus, a despeito dos inconvenientes envolvidos. 

O governo polonês desempenhou um papel ativo na direção da economia. Quase um quarto do capital, assim como a propriedade de algumas indústrias básicas, estava em mãos do governo. A nacionalização de setores inteiros da indústria, tais como sal, fumo, álcool e loterias excluía judeus de áreas em que anteriormente tinham considerável participação. Judeus alegavam também que políticas de crédito os discriminavam. Os judeus estavam quase completamente excluídos do trabalho nas administrações municipais e nacional. Em seu livro intitulado A História dos Judeus em Varsóvia, Abraham Levinson escreveu: 

em 1931 havia no governo polonês meio milhão de funcionários administrativos, dentre os quais 1% de judeus — menos que uni décimo do setor judaico no seu todo. Em 1923, entre os 3.177 funcionários empregados em instituições nacionais de crédito — uma esfera da economia em que judeus eram conhecidos por sua experiência e talento nato — havia 23 judeus, ou 0,66%. Os judeus formavam 33% da população de Varsóvia e, no entanto, em 1928, entre os 4.342 empregados e funcionários dos serviços municipais de bondes havia apenas dois judeus, ou 0,05%. Quinhentos novos empregados e funcionários foram admitidos em 1929, e após muitos esforços, outros... 4 judeus. 

Numa situação cada vez mais terrível, o auxílio e conselhos dados pelas instituições judaicas, lidando com garantias mútuas, desempenharam significativo papel. Em acréscimo aos sindicatos profissionais organizados de acordo com suas atividades econômicas havia também, dentro da estrutura comunitária judaica, fundos para empréstimos e assistência urgente. A Organização de Reabilitação pelo Trabalho (ORT) e a Sociedade para Promoção do Trabalho Agrícola e Vocacional entre os judeus preparavam jovens de origem judaica para trabalharem como artesãos e artífices, e auxiliaram fornecendo maquinaria c treinamento para pessoal de oficinas. 

Houve também tentativas de dirigir gente jovem para instrução agrícola. O movimento Hechalutz, constituído de membros mais velhos de movimentos juvenis que eram treinados para ingressar num kibutz na Palestina, e outros pioneiros desejosos de participar de uni esforço comunitário antes de emigrar, trabalhavam em fazendas agrícolas e faziam outros tipos de trabalho na expectativa de constituir bom futuro na Palestina. Embora alguns grupos juvenis não passassem de reservas para um partido político, movimentos juvenis sionistas tais como Hashonier Hatzair, Jovens Sionistas e Akiva tinham ideologias bem definidas mas não estavam vinculados a um partido político. Seus membros, especialmente os dos movimentos de pioneiros que os preparavam para viver na Palestina, se abstinham de atividades públicas e políticas na Diáspora, enfocando a preparação para aliyah, a ascensão à terra. 

A comunidade judaica de Varsóvia mantinha uma rede educacional que também enfatizava o treinamento vocacional. A mais popular e eficiente das organizações era o grupo de companhias oferecendo empréstimos sem juros aos necessitados — uma forma de assistência que combinava a antiga tradição de garantias mútuas com o preceito da Torá de não emprestar dinheiro a juros. A Organização Central de Sociedades para o Apoio ao Crédito sem juros e Fomento do Trabalho Produtivo (CEKABE), que se tornou conhecida por suas realizações organizacionais e práticas, foi instituída em 1926 com ajuda financeira do Joint. Imediatamente após a Primeira Guerra Mundial o Joint veio em socorro das comunidades judaicas que haviam sofrido com os grandes transtornos causados pela guerra, e mais tarde voltou a fim de prestar ajuda aos judeus da Polônia em sua crescente desgraça econômica. O conceito básico que orientava a assistência do Joint era o da reabilitação construtiva —, isto é, não a ajuda filantrópica para necessidades diárias, e sim dinheiro que possibilitaria aos que o recebessem reconstruir ou fortalecer sua fonte de sustento, ou passar por uma reciclagem profissional. Nas circunstâncias prevalecentes na época, essa forma de ajuda era uma medida de proteção para os judeus poloneses. Aqueles que recebiam dinheiro eram obrigados a devolvê-lo em pequenas quantias especificadas, enquanto que a rede de fundos era organizada na base das contribuições dos seus membros. Com o passar do tempo, a participação dos judeus poloneses no fundo começou a crescer. Marcus escreve que em 1937 a CEKABE, que dava empréstimos sem juros, arregimentava 825 companhias locais, com um total de 100 mil membros pagantes. 

O historiador e cronista do Holocausto Emanuel Ringelblum, que trabalhou para o Joint na Polônia, escreveu um estudo biográfico de Yitzhak Gitterman, um dos dirigentes do Joint na Polônia e uma das forças impulsionadoras por trás do conceito e organização da rede de fundos. (Gitterman foi assassinado pelos nazistas em janeiro de 1943, mais de um ano antes do assassinato do próprio Ringelblum.) Gitterman afirmava que devia haver menos caridade, mas que o dinheiro à disposição dos fundos deveria servir como estímulo para a economia. De acordo com Ringelblum, os fundos eram uma instituição popular na cena judaica, tendo um papel em todas as comunidades judaicas, e até naquelas cidadezinhas onde a comunidade mal se estabelecera. As atividades do movimento cooperativo entre os judeus também foram significativas, em parte porque o movimento abandonou as tendências conservadoras arraigadas na mentalidade judaico-polonesa. Provou seu valor em muitas ocasiões pelos meios eficazes que adotou para reagir a infortúnios. 

Dentre as muitas instituições beneficentes, tais como asilos para idosos, hospitais, e assim por diante, a posição mais respeitada era ocupada pela Associação para o Cuidado de órfãos Judeus (CENTOS). Dava apoio a orfanatos, dentre eles o famoso orfanato dirigido pelo pedagogo e escritor Dr. Janusz Korczak c sua assistente Stefania Wilczynska, que não somente criou um lar modelo para crianças como também introduziu métodos originais de educação e auto-instrução para crianças tanto judias como polonesas, que vieram a ser estudados por outros educadores. Korczak, Wilczynska e os diretores de outros orfanatos em Varsóvia não abandonaram os que a eles estavam entregues: nos dias do Holocausto, a última viagem de Korczak, no verão de 1942, com duzentas crianças no trem para Treblinka serviu como um farol de dignidade em meio à apavorante escuridão de barbárie e carnificina. 

A sociedade TOZ era responsável pela saúde e cuidados com a infância. A Agência Central de Ajuda a Judeus em Varsóvia cuidava das necessidades mais urgentes dos pobres e em 1936 prestava assistência a umas três mil famílias. E talvez a forma mais original de auxílio viesse de um grupo de voluntários que percorria os pátios judaicos com grandes cestos na mão, pedindo alimentos para os pacientes em hospitais. Esse grupo era chamado "Bom Shabat, Judeuzinhos", pela saudação com que anunciavam seu pedido de alimentos para os enfermos. As crianças ali aguardavam excitadamente sua chegada, trazendo pequenos pacotes que continham comida e doces. 

Os movimentos juvenis desempenharam um papel fundamental na luta e ação defensiva, que foi a última clara manifestação da vontade de viver dos judeus de Varsóvia. Os movimentos juvenis, que tratavam a adolescência e a juventude mais corno um período apreciável do que simplesmente urna transição para a idade adulta, originaram-se na Alemanha no início do século XX. Segundo o livro de Walter Laqueur sobre os movimentos juvenis alemães, a maioria dos seus membros era gente jovem de classe média que se sentia alienada e procurava uma mudança na estrutura social. Dentro do ambiente íntimo dos movimentos juvenis, eles tentavam melhorar o clima social. 

Embora rudimentos dos movimentos juvenis judaicos na Polônia se evidenciassem antes da Primeira Guerra Mundial, a consolidação e maturidade dos mesmos se deu entre as guerras. Os movimentos juvenis proporcionaram unia ideologia aos que ansiavam por um propósito e por uma ligação íntima com algo que aliviasse a monotonia de suas vidas. Embora não se saiba quantos pertenceram aos movimentos juvenis da Polônia, pode-se dizer que sessenta mil é uma estimativa razoável. Durante a ocupação e ao tempo do gueto, esse reservatório de gente jovem direcionou sua atenção para atividades e assuntos locais na comunidade judaica. Os historiadores podem meditar sobre qual poderia ter sido o destino dos judeus poloneses se os alemães não tivessem invadido a Polônia em 1939 e imposto a "solução final". O que pudemos assegurar é que as duas décadas entre as guerras foram, para os judeus, um tempo não só de dificuldades e provações mas também de realizações. E, afinal de contas, as dificuldades das relações com não-judeus eram pelo menos conflitos com uma dimensão humana; a guerra e a ocupação nazista proporcionaram a transição de uma era de transtornos humanos para outra de desumanidade e destruição.

Transcrição: Daniel Moratori  (avidanofront.blogspot.com)
Fonte: GUTMAN, Israel - Resistência. Ed. Imago, 1995, pg 47-57

Ver também:
Os judeus de Varsóvia no entreguerras - Parte 1/3Parte 2/3, Parte 3/3
A extensa discriminação aos judeus orientais(Ostjuden) pelos judeus-alemães - Link aqui

Fontes das fotos: Foto 1, foto 2


Obs: Depois de um tempo sem postar por motivos pessoais, vou atualizar o blog agora constantemente, e colocar as matérias que estavam faltando, como essa, a 3 parte sobre os judeus no entreguerras em Varsóvia.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Voluntários russos escavam em busca de corpos desaparecidos na 2ª Guerra

Voluntários desenterram corpos de combatentes
 desaparecidos em batalhas da 2ª Guerra
De cerca de 70 milhões de pessoas mortas na Segunda Guerra Mundial, 26 milhões perderam suas vidas nas batalhas do leste - e quase 4 milhões ainda são oficialmente classificadas como "desaparecidas em ação".

Agora, voluntários russos estão fazendo buscas em antigos campos de batalha soviéticos para localizar os restos mortais dos soldados, determinados a dar a eles um enterro digno - e um nome.

Olga Ivshina caminha lentamente pela floresta de pinheiros segurando um detector, que apita regularmente. "Não estão enterrados muito profundamente", ela explica.

"Às vezes nós os encontramos logo abaixo de camadas de folhas e musgo. Continuam deitados no ponto onde caíram. Os soldados estão esperando por nós, pela chance de poder finalmente ir para casa."

Perto dali, Marina Koutchinskaya está de joelhos, escavando na lama. Nos últimos 12 anos, ela passa a maior parte de suas férias assim, longe de casa, de sua loja de roupas e de seu filho.

"Meu coração me chama a fazer esse trabalho."

As duas participam de um grupo chamado Разведка – Razvedka (Exploração, em tradução livre), que viajou 24 horas espremido em um caminhão do Exército para chegar a esta floresta perto de São Petersburgo.

Acampam nas florestas e às vezes têm de caminhar com lama até a cintura para achar os corpos. Esse trabalho também pode ser perigoso: muitos soldados são encontrados com granadas em suas mochilas. "Escavadores" de outras regiões da Rússia já perderam suas vidas.

Perdas

Em apenas uma área, acredita-se que cerca de 19 mil soldados
soviéticos tenham morrido em poucos dias, em 1942

Nenhum país sofreu tantas perdas humanas durante a Segunda Guerra como a União Soviética.

Em 22 de junho de 1941, Hitler iniciou a maior e mais sangrenta campanha da história militar, com o objetivo de anexar vastas áreas da União Soviética ao Terceiro Reich Alemão.

São Petersburgo (na época Leningrado) foi um dos alvos da operação. Em menos de três meses, o Exército alemão havia cercado a cidade e começado a bombardeá-la pelo ar.

No entanto, o plano inicial, de tomar de assalto a cidade, fracassou. Hitler decidiu então manter o cerco sobre Leningrado até que a cidade se rendesse - pela fome. Durante mais de dois anos, o Exército Vermelho lutou desesperadamente para romper o cerco alemão.

Olga e Marina estão trabalhando perto da cidade de Lyuban, 80 km ao sul de São Petersburgo. Ali, em uma área de dez quilômetros quadrados, cerca de 19 mil soldados soviéticos teriam sido mortos no decorrer de alguns dias, em 1942. Até agora, os escavadores encontraram 2 mil corpos.

Ilya Prokoviev, o mais experiente da equipe, cutuca cuidadosamente o solo com uma vara de metal pontuda. Ex-oficial do Exército, ele encontrou seu primeiro soldado há 30 anos, quando caminhava pelo pântano.

"De repente, vi umas botas meio enterradas na lama", conta. "Um pouco mais adiante, encontrei um capacete soviético. Raspei um pouco de musgo e vi um soldado. Fiquei chocado. Era 1983, eu estava a 40 km de Leningrado e ali estavam os restos mortais de um soldado que não tinha sido enterrado. Depois disso, houve mais, mais e mais. Percebemos que esses corpos estavam espalhados por toda parte."

Durante as batalhas, não havia muito tempo para enterrar os mortos, explica Valery Kudinsky, oficial do Ministério da Defesa responsável por cemitérios de guerra.

"Em apenas três meses, a máquina de morte alemã varreu mais de 2 mil km das nossas terras. Tantas unidades do Exército Vermelho foram mortas, dizimadas ou cercadas, como alguém poderia ter pensado em enterros, ou mesmo em registros de enterros, em tais condições?"

E logo após a guerra, a prioridade era reconstruir um país arrasado, ele diz. Mas isso não explica por que, mais tarde, não houve esforços para identificar e enterrar os corpos de soldados mortos.
Escavadores acampam nas florestas em meio à lama para achar os corpos
Política de Estado?

Os voluntários acham que alguns corpos foram deliberadamente escondidos. O governo da URSS baixou decretos em 1963 ordenando a destruição de quaisquer traços da guerra, diz Ilya.

"Se você pega um mapa das batalhas e depois observa onde foram feitas novas plantações de florestas e projetos de construção, vai notar que os dois coincidem. Ninguém me convence de que eles plantaram árvores por razões ecológicas."

Mas como alguém - seja ele fazendeiro ou outro trabalhador - poderia ser capaz de subir em um trator e arar terras cheias de restos mortais de seres humanos?

"Se eles se recusassem a arar um campo porque havia corpos ou ossos nele, simplesmente seriam despedidos", disse Ilya. "Naquele tempo, se você perdia seu emprego, você simplesmente não existia. Assim era a vida na União Soviética."

Também houve momentos de horror para os voluntários.

Como, por exemplo, quando encontraram valas da cadáveres na localidade de Nevskaya Dubrovka, às margens do rio Neva, cena de um dos capítulos mais sangrentos do cerco de Leningrado.

Ali, o Exército Vermelho lutou com unhas e dentes para tentar ocupar uma pequena faixa do rio e romper o cerco à cidade. Centenas de milhares de tropas foram aniquiladas.

É possível que os cadáveres tenham sido enterrados às pressas pelos companheiros, por moradores ou pelos próprios alemães, para evitar o alastramento de epidemias.

"Havia 30 ou 40 soldados lá, quatro camadas de pessoas, uma em cima da outra", conta Olga. "Uma cabeça aqui, uma perna ali... depois de ver uma coisa como essa, você jamais esquece. Você nunca mais é o mesmo."
Identidade

Após algumas semanas na floresta, é difícil voltar para a vida na cidade, conta Olga.

"Tudo parece tão sem sentido - até meu emprego de jornalista. Às vezes me pergunto, 'o que estou fazendo?'. Mas aqui, escavando, sinto que estou fazendo algo necessário."

Para Olga, que cantou hinos comunistas na escola primária e depois teve de aprender sobre lucros e perdas na secundária, procurar corpos dos soldados também oferece uma bússola, um conjunto de parâmetros morais, em tempos tão confusos.

"Esse trabalho nos conecta com nosso passado. É como uma âncora que nos ajuda a ficar no lugar certo durante uma tempestade".

Encontrar os mortos, no entanto, é apenas uma parte da missão de Olga e seus companheiros. A outra é salvar os soldados da anonimidade. "O soldado tinha uma família, amou, teve filhos", diz Ilya.

Mas o processo de identificação não é fácil, especialmente após tanto tempo.

"Quanto mais informações coletamos do local, maior a chance de identificarmos um soldado", diz Alexander Konoplov, líder do grupo Exploração.

Às vezes, o grupo encontra moedas velhas com os soldados. Havia uma crença de que, se as famílias dessem moedas aos soldados, eles voltariam para casa para devolver o empréstimo.

Iniciais gravadas em colheres ou cumbucas de metal também ajudam, mas a chave mesmo é encontrar as etiquetas de identificação emitidas pelo Exército.

Durante a Segunda Guerra, os soldados soviéticos recebiam pequenas cápsulas contendo um pedaço de papel. Estes deveriam ser preenchidos com a data de nascimento e nome do soldado. Mas muitos estão ilegíveis, ou eram deixados em branco por superstição.

"Às vezes encontramos mensagens junto com o nome do soldado", disse Alexander. "Alguns escreviam, 'se eu morrer, por favor, avise minha namorada, ou minha mãe'. É difícil não ficar comovido."
600 grupos

O Exploração é um de 600 grupos de escavadores de toda a Rússia que, até o momento, já encontraram e enterraram 500 mil soldados.

Alexander tem regras rígidas sobre como os restos mortais devem ser escavados, identificados com etiquetas e guardados. Cada soldado é fotografado e o local onde morreu é registrado e incluído em um banco de dados digital.

Muitas vezes, a equipe recorre aos serviços de um técnico especializado, que usa luz ultravioleta e outros recursos para decifrar as marcas já desbotadas deixadas no papel.

Uma vez que um nome é encontrado, o grupo usa listas do Exército, documentos classificados e contatos na polícia ou entre os militares para tentar encontrar membros de sua família.

Essa busca pode levar anos.

Cerimônias

Perto das margens do rio Neva, onde os escavadores encontraram uma vala comum, um sacerdote da Igreja Ortodoxa Russa canta orações enquanto caminha entre fileiras de caixões vermelhos.

Filhos, netos e bisnetos de soldados observam em silêncio, alguns choram.

As gêmeas Tatiana Uzarevich e Lyudmila Marinkina, de 50 anos, voaram nove horas, da região remota de Kamchatka, para o enterro do avô. Os voluntários fizeram um apelo na TV para encontrá-las.

Lyudmila conta que sua mãe, hoje idosa, ficou atônita ao ouvir o nome de Alexander Golik no noticiário. Quando ele desapareceu, a esposa - avó das gêmeas - e os quatro filhos ficaram na miséria. Famílias de soldados soviéticos desaparecidos em ação não tinham direito a ajuda financeira após a Segunda Guerra.

"Minha mãe sentia tanta fome o tempo todo que, na escola, implorava às outras crianças que lhe dessem pedaços de pão."

"Ela só consegue visualizar o formato das mãos dele - mas se lembra de um homem bondoso", diz Tatiana. "Nós tínhamos de vir aqui a esse funeral, para visitar o lugar onde ele morreu e acompanhá-lo ao lugar onde vai descansar".
Missão de Vida

Para os voluntários, o funeral é a conclusão de meses de trabalho. É a razão de sua luta: trazer um pouco de ordem ao caos moral do passado e honrar os que deram suas vidas.

Na primavera do hemisfério Norte, as buscas recomeçam. Mas esta é uma missão para muitas gerações.

"Existem tantos soldados ainda não enterrados, vai levar décadas para encontrá-los", diz Marina.

"Precisamos continuar a fazer isso por nós mesmos, para que nossas almas possam ficar em paz", agrega Ilya. "Isso se tornou a razão de nossa existência."

Relato 1:

'Ele prometeu que voltaria'
Nunca esquecerei a história de Khasan Batyrshin.

Khasan tinha 21 anos e desapareceu em 1943. Todos os anos, a família contactava o governo pedindo informações, mas a resposta era sempre a mesma. "Nenhuma informação encontrada. Soldado desaparecido em ação". Mas os Batyrshins nunca desistiram. Mesmo aos 105 anos de idade, sua mãe repetia: "Ele vai voltar. Ele me prometeu. Ele vai até mover montanhas".

Encontramos Khasan no ano passado, perto de Nevskaya Dubrovka. Os corpos dos que morreram lá foram jogados em buracos feitos pelas bombas que caíam. Era um dos últimos dias de escavações, todo mundo estava cansado, mas Khasan nos inspirou. Encontramos sua etiqueta de identificação. É sempre um milagre, porque muitos soldados não tinham qualquer identificação. E mesmo os que tinham, muitas vezes as deixavam em branco.

O pedaço de papel dentro da carteira plástica tinha sido preechido de forma cuidadosa. Não foi fácil de decifrar, mas depois de quatro horas, Khasan conseguiu seu nome de volta.

Quando a família recebeu a notícia, a primeira coisa que fizeram foi visitar a tumba da mãe de Khasan para lhe dar a notícia. Ela tinha morrido um ano antes".

Olga Ivshina

Relato 2:

De repente, vi umas botas meio enterradas na lama "Um pouco mais adiante, encontrei um capacete soviético. Raspei um pouco de musgo e vi um soldado. Fiquei chocado. Era 1983, eu estava a 40 km de Leningrado e ali estavam os restos mortais de um soldado que não tinha sido enterrado. Depois disso, houve mais, mais e mais. Percebemos que esses corpos estavam espalhados por toda parte."

Ilya Prokoviev, o escavador mais experiente da equipe, sobre o corpo que encontrou por acaso



Fonte: BBC

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Japão mudará Constituição que renúncia à guerra até 2020, diz premiê

O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe
O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, anunciou nesta quarta-feira que a Constituição pacifista herdada da Segunda Guerra Mundial e imposta pelos Estados Unidos será revisada até 2020, ano dos Jogos Olímpicos de Tóquio.

Em um artigo publicado no jornal Sankei Shimbun, Abe, conhecido pelo nacionalismo, afirma que a Carta Magna, cujo artigo 9 destaca a renúncia "para sempre" à guerra, "será modificada até 2020". "Penso que até lá o Japão terá restabelecido por completo seu status e dará uma grande contribuição à paz na região e no mundo", escreveu Abe.

Considerado um "falcão" na área diplomática pelos vizinhos China e Coreia do Sul, Abe anunciou em seu retorno ao poder, em dezembro de 2012, que desejava modificar a Constituição, em vigor desde 1947.

Na mensagem de Ano Novo, Shinzo Abe insistiu no objetivo. "Já passaram 68 anos (desde a rendição japonesa em 15 de agosto de 1945), agora é o momento de aprofundar o debate nacional para uma revisão que responda às mudanças da época", explica o primeiro-ministro. "Chegou o momento do Japão dar um grande passo adiante e fazer um esforço para construir a nação", completa.

Abe aproveitou a oportunidade para advertir que não cederá um centímetro nos conflitos territoriais de Tóquio com Pequim e Seul. "Estamos decididos a proteger todo o território nacional, em terra, mar e ar".

As relações China-Japão passam por um momento de tensão pela disputa de um arquipélago desabitado do Mar da China Oriental. As ilhas são controladas por Tóquio com o nome de Senkaku, mas a China as reivindica com o nome de Diaoyu.

A tensão aumentou em novembro, quando Pequim decretou uma zona de defesa aérea em uma grande região do Mar da China Oriental, que inclui o arquipélago em disputa.

Para aumentar a polêmica, nesta quarta-feira, poucos dias depois da visita de Abe, o ministro japonês de Assuntos Internos, Yoshitaka Shindo, também compareceu ao polêmico santuário Yasukuni de Tóquio, símbolo do passado militarista nipônico para muitos países da região.

Sinzo Abe visitou o santuário xintoísta em 26 de dezembro, o que revoltou os governos da China e da Coreia do Sul. Yasukuni homenageia a memória de 2,5 milhões de mortos em conflitos, o que inclui 14 criminosos de guerra condenados depois de 1945.

Apesar das declarações de Abe sobre o objetivo pacifista da visita, a primeira de um chefe de governo japonês desde 2006, China e Coreia do Sul criticaram a peregrinação, que consideraram um insulto às vítimas das atrocidades cometidas pelas tropas nipônicas na primeira metade do século XX.

Ao mesmo tempo, o jornal japonês Yomiuri Shimbun informou que a China está estudando uma reorganização das sete zonas militares, que seriam reduzidas para cinco, o que ajudaria na resposta a uma crise.

Cada nova região militar teria um comando de operações conjunto para controlar exército, marinha e aeronáutica, além de uma unidade de mísseis estratégicos, segundo o jornal, que cita fontes chinesas. De acordo com a publicação, esta é uma "medida preventiva destinada a contra-atacar a aliança Japão-Estados Unidos".

Fonte: Terra