quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Croácia e o conhecimento do Vaticano - Parte 1


Alojzije Stepinac, Arcebispo de Zagreb com Ante Pavelic 
     Desde o início, o arcebispo de Zagreb, Alojzije Stepinac (beatificado por João Paulo II na Croácia, em 3 de outubro de 1998), estava de pleno acordo com os objetivos gerais do novo Estado croata. Empenhou-se em fazer com que fosse reconhecido pelo papa. Visitou Pavelic em 16 de abril de 1941. Ouviu o novo líder declarar que "não teria tolerância com a Igreja ortodoxa sérvia", registrou Stepinac em seu diário, "porque em sua opinião não era urna Igreja, mas unia organização política". Isto proporcionou a Stepinac a impressão de que "Poglavnik era um católico sincero(19). Nessa mesma noite, Stepinac ofereceu um jantar a Pavelic e aos principais líderes do Ustashe, a fim de celebrar a volta de todos do exílio. Em 28 de abril, no próprio dia em que 250 sérvios foram massacrados em Bjelovar, uma carta pastoral de Stepinac foi lida em todos os púlpitos católicos, conclamando o clero e os fiéis a colaborarem no trabalho do líder.

     Por que esforço de ingenuidade Stepinac deixou de compreender o que a colaboração podia envolver? No início de junho de 1941, o general alemão plenipotenciário para a Croácia, Edmund Glaise von Horstenau, declarou que, segundo relatórios confiáveis de observadores militares e civis alemães, "o Ustashe, num processo de loucura desvairada"(20). No mês seguinte, Glaise relatou o embaraço dos alemães, que "com seis batalhões de infantaria" observavam impotentes "a fúria cega e sangrenta do Ustashe”.

   Padres, invariavelmente franciscanos, assumiram um papel de destaque nos massacres (21). Muitos costumavam andar armados e executavam seus atos assassinos com o maior zelo. Um certo padre Bozidar Bralow, conhecido pela metralhadora que era sua constante companheira, foi acusado de realizar uma dança em tomo dos cadáveres de 180 sérvios massacrados em Alipasin-Most. Muitos padres franciscanos mataram, atearam fogo a casas, saquearam aldeias e devastaram os campos à frente de bandos do Ustashe. Em setembro de 1941, um repórter italiano escreveu sobre um franciscano que vira ao sul de Banja Luka exortando um bando do Ustashe com seu crucifixo. 

    No arquivo do Ministério do Exterior em Roma há um registro fotográfico de atrocidades: mulheres com seios cortados, olhos arrancados, genitálias mutiladas; e os instrumentos da carnificina, facões, machados e ganchos de açougueiro(22)

    E qual foi a atitude e reação das forças italianas na região? Sob alguns aspectos, foi similar à reação das tropas da Organização das Nações Unidas na Iugoslávia na história mais recente (embora com diferenças óbvias) de impotência e consternação. Constrangido por sua aliança com a Alemanha nazista e as circunstâncias da guerra mundial, o Exército italiano tinha um raio de ação limitado. Mesmo assim, calcula-se que em 1º de julho de 1943 os italianos já haviam oferecido proteção a 33.464 civis em sua esfera influência iugoslava, dos quais 2.118 eram judeus(23). Falconi especulou a humanidade dos italianos sob esse aspecto pode ter sido em parte uma decorrência de pressão do Vaticano, embora os indícios são “superficiais e vagos". A pesquisa e avaliação de Jonathan Steinberg sobre a relutância italiana em participar da deportação e extermínio descartariam essa possibilidade. Num comovente sumário do complexo fenômeno italiano de humanitarismo na Iugoslávia, entre 1941 e 1943, Steinberg assevera: “Um longo processo, iniciado com a reação espontânea de jovens oficiais isolados, na primavera de 1941, que não suportaram ficar de braços cruzados observando os carniceiros croatas retalharem sérvios e judeus, homens, mulheres e crianças, culminou em julho de 1943 com uma espécie de conspiração nacional para frustrar a brutalidade muito maior e mais sistemática do Estado nazista. (...) Baseava-se em certas suposições sobre o que significava ser italiano"(25).

    Muito se falou nos anos do pós-guerra sobre a i soai do arcebispo Stepinac, o primaz católico romano da Croácia e seus eventuais protestos contra as perseguições e massacres. Contudo, mesmo que seja considerado inocente de qualquer tolerância com o ódio racial assassino, é evidente que ele e o episcopado endossaram um desprezo pela liberdade religiosa equivaler; à cumplicidade com a violência. Stepinac enviou uma longa carta a Pavelic sobre as questões dos massacres e conversões. O escritor Hubert Butler traduziu o texto para o inglês de uma cópia datilografada que obteve em Zagreb, em 1946. Cita as opiniões de outros bispos, todos a favor, inclusive uma carta do bispo católico de Mostar, um certo dr. Miscic, expressando o anseio histórico de que o episcopado croata aceitasse as conversões em massa ao catolicismo.

    O bispo começa com a declaração de que "nunca houve urna ocasião tão boa quanto agora para ajudarmos a Croácia a salvar incontáveis almas". Fala com entusiasmo sobre as conversões em massa. Mas acrescenta que deplora "a visão restrita" das autoridades, que perseguem até os convertidos e os "tratam corno escravos". Relaciona massacres conhecidos de mães, moças e crianças com menos de oito anos, levadas para as montanhas e "jogadas vivas — nas ravinas mais profundas". Em seguida, ele faz uma espantosa declaração: "Na paróquia de Klepca, 700 cismáticos das aldeias vizinhas foram chacinados. O subprefeito de Mostar, sr. Baile, um muçulmano, disse publicamente (como um servidor público, deveria ter se calado) que só em Ljubina 700 cismáticos foram jogados numa fossa"(26).


    A carta revela a confusão moral implícita no comportamento dos bispos, que aproveitaram a derrota da Iugoslávia diante dos nazistas para aumentar o poder e influência do catolicismo nos Bálcãs. Um bispo depois de outro endossa a promoção de conversões, ao mesmo tempo em que admite que não faz sentido cismáticos em ravinas. Os bispos não queriam se dissociar do regime, hesitavam em condenar e excomungar Pavelic e seus companheiros, por causa da relutância em perder as oportunidades proporcionadas pela "boa ocasião" de consolidar uma base de poder católico nos Bálcas. A mesma relutância em perder a oportunidade para uma predominância católica no Leste contagiou o Vaticano e, em última análise, o próprio Pacelli. Na verdade, fora essa mesma relutância em perder uma única oportunidade de "evangelização" que levara Pacelli, em 1913-14, a pressionar  pela Concordata Sérvia, na esperança de criar uma base de ritual latino na cristandade do Leste, apesar das repercussões e perigos inevitáveis.

    Pacelli estava melhor informado sobre a situação na Croácia do que em qualquer outra parte da Europa, fora da Itália, durante a segunda Guerra Mundial. Seu delegado apostólico, Marcone, circulava entre Zagreb e Roma à vontade. Havia sempre aviões militares à sua disposição para voar até o novo Estado da Croácia. Os bispos, alguns dos quais integravam o parlamento da Croácia, comunicavam-se livremente com o Vaticano. Podiam sempre fazer visitas ad limina ao papa em Roma(27). Durante estas visitas, o pontífice e outros membros da Cúria tinham toda a liberdade para fazer perguntas sobre as condições na Croácia, e sem dúvida não deixavam de indagar.

   Pacelli tinha meios pessoais alternativos de informação, inclusive as transmissões diárias da BBC, que eram sempre monitoradas e traduzidas para ele por Osborne, o representante de Londres no Vaticano. Havia um noticiário freqüente da BBC sobre a Croácia. A notícia seguinte, transmitida em 16 de fevereiro de 1942 era típica: "As piores atrocidades estão sendo cometidas na jurisdição do arcebispo [Stepinac]. O sangue de irmãos corre em abundância. “Os ortodoxos estão sendo convertidos à força ao catolicismo, mas não ouvimos a voz do arcebispo pregando a revoltas disso, informa-se que ele está participando de desfiles nazistas e fascistas(28).

    Um fluxo de diretivas aos bispos croatas, partindo da congregação para as igrejas orientais da Santa Sé, que cuidava em particular dos católicos de ritual oriental na região, indica que o Vaticano sabia das conversões forçadas a partir de julho de 1941. Os documentos focalizam a insistência do Vaticano para que os convertidos em potencial ao catolicismo fossem rejeitados quando ficar patente que procuram o batismo pelas razões erradas (...) estas razões erradas (os documentos insinuavam, sem chegar a dizer expressamente) sendo o terror e a tentativa de evitar a morte.

    Em 14 de agosto, o presidente da União para a comunidade israelita de Alatri escreveu para o secretário de Estado mi pedindo ajuda em nome de milhares de judeus croatas, "residentes em Zagreb e em outros centros da Croácia, que foram presos sem razão, privados dos seus bens e deportados". Descrevia como seis mil judeus foram despejados numa ilha árida e montanhosa, sem meios de proteção contra o tempo, sem ali nem água. Todas as tentativas de socorrê-los foram "proibidas pelas autoridades croatas"(29). A carta suplicava uma intervenção da Santa Sé junto aos governos italiano e croata. Não há qualquer resposta ou ação da Santa Sé.


Notas(enumeradas conforme no livro):
19 - Falconi, Silence, p. 273
20 - Citado em J. Steinberg, All or Nothing, p.181.
21 - Ver Falconi, Silence, p.298.
22 - J. Steinberg, All or Nothing, p.30.
23 - Ibid., p.132.
24 - Falconi, Silence, p.318. 
25 -  J. Steinberg, All or Nothing, p.133. 
26 - Citado em H. Butler, The Sub-Prefect Should Have Held His Tongue, ed. R.F. Foster(Londres, 1966), p. 175.
27 - Falconi, Silence, p.303.
28 - Ibid., p.304.
29 - ADSS, viii, 250ff.

Transcrição: Daniel Moratori (avidanofront.blogspot.com)
Fonte: CORNWELL, John - O Papa de Hitler - A historia secreta de Pio XII, Rio de Janeiro: Imago Ed., 2000, p. 286-290.

OBS: O livro tende a acusar o Papa PIO XII, e recebeu duras criticas sobre isso,  é imparcial  segundo alguns criticos, em algumas partes em relação a Pacelli (se pode-se dizer isso). Mas a parte da ligação da ICAR e o regime de extrema direita do NHD na Croácia e Ustasha é inegável, tanto que os livros que as opiniões que contra Cornwell fica na esfera da relação com Hitler, acusações de anti-semitismo de Pacelli e etc...
Só filtrar a informação. Um texto ótimo é esse, do Holocaust Reserch Project:


Assuntos relacionados: (depois completo)

O regime brutal da Croácia Católica



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