domingo, 13 de junho de 2010

Andrei Vlasov

Andrei Andreyevich Vlasov e bem poderia passar por um teólogo da Igreja Ortodoxa Russa. A verdade é que esteve quase a sê-lo, não fossem as duas Revoluções de 1917. Nascido em 1900, o mais novo de 13 irmãos, os acontecimentos de Petrogrado apanharam-no a frequentar o seminário de Níjni Novgorod e não acabou os estudos. Na Primavera de 1919, a vida do jovem Vlasov recebeu a inflexão definitiva quando foi incorporado no Exército Vermelho.

Combinando uma formação académica superior à da grande maioria dos outros recrutas com um bom desempenho prático no terreno, aos 20 anos Vlasov já desempenhava as funções equivalentes às de capitão(*) e era um veterano da Guerra Civil, tendo estado presente nas frentes do Don, da Crimeia e da Ucrânia. No final da Guerra (1923), e com a desmobilização do Exército Vermelho, Andrei Vlasov, como muitos outros oficiais promissores da sua geração, preferiu continuar a sua carreira militar, a única actividade que conhecera. Em 1930 tornou-se membro do Partido Comunista. Nem muito cedo, nem muito tarde: na ocasião certa se quisesse que a carreira continuasse a progredir.


No entanto, Vlasov devia ser considerado suficientemente sólido politicamente para ter escapado às Grandes Purgas (1937-38) e até para ser destacado para missões no exterior: em 1938-39 esteve na China como membro do staff soviético ali destacado em auxílio ao Exército Nacional Revolucionário do Kuomintang. Quando regressou da China em 1939, Vlasov era considerado entre os purgadíssimos quadros superiores do Exército Vermelho um dos melhores especialistas em instrução, que conseguia transformar as unidades mais medíocres em unidades de excepcional valor combativo. Pelo que fizera com a 99ª Divisão de Infantaria, Vlasov recebeu em 1940 a Ordem de Lenine.


Mas foi a partir de Junho de 1941, nas circunstâncias adversas da retirada soviética perante a invasão alemã que a competência de Vlasov se começou a destacar ainda mais. Por duas vezes, em Lvov e em Kiev, as unidades de Vlasov conseguiram furar o cerco que os alemães haviam montado. Seis meses depois, vemo-lo reaparecer à frente de uma das unidades (20º Exército) encarregadas da crucial defesa de Moscovo, de onde sai ainda mais prestigiado, promovido e condecorado. Mais, para efeitos da propaganda soviética no exterior, Vlasov, filho de camponeses pobres, era um activo a não desperdiçar e em 1942, já ele era excepcionalmente autorizado a dar entrevistas à imprensa americana…


É suposto que serão as consequências do que aconteceu depois que impedem que haja análises objectivas sobre as responsabilidades que levaram a que o próximo comando de Andrei Vlasov (2º Exército de Choque, como se percebe pela designação, uma unidade de elite) tenha vindo a ficar cercado na sua ofensiva da Primavera de 1942 para reabrir as ligações com a Leninegrado cercada. Dessa vez no Volkov, as tropas de Vlasov não conseguiram furar o cerco e o próprio general acabou capturado, escondido numa quinta, em 11 de Julho de 1942. O prisioneiro nº 16 901, Tenente-General Andrei Andreyevich Vlasov ia tornar-se num incómodo político tanto para soviéticos como para alemães…


Em qualquer guerra, os oficiais generais que foram capturados pelo inimigo são sempre um embaraço. Esse embaraço poderá aumentar no caso deles se decidirem a produzir declarações públicas criticando o seu poder político. Foi o que aconteceu aos alemães quando o Marechal Paulus, capturado em Estalinegrado, se juntou ao Comité Nacional para uma Alemanha Livre (NKFD), criticando a repressão desencadeada por Hitler depois do atentado de 20 de Julho de 1944. Mas, se as declarações do General Vlasov, desse mesmo teor mas em relação a Estaline eram de molde a embaraçar o regime que o levara ao estrelato, as suas intenções eram de molde a incomodar o dos seus captores.



Em síntese, Vlasov pretendia criar um movimento de libertação nacional, depois baptizado de Comité para a Libertação dos Povos da Rússia (KONR), apoiado num exército (Exército de Libertação da Rússia - ROA) que seria recrutado entre os milhões de prisioneiros soviéticos que a Alemanha fizera no início da Guerra. Além de arriscada e de uma moralidade mais do que duvidosa, a jogada política de Andrei Vlasov era de uma ingenuidade enorme. Hitler e o topo da hierarquia alemã nunca pensaram nele como um possível parceiro político de um eventual satélite russo, apenas pretenderam usá-lo para fomentar o recrutamento de prisioneiros por causa do seu prestígio.


Apesar de terem usado muitas centenas de milhares de soldados e auxiliares de origem soviética nas suas formações, foi só em Janeiro de 1945 – a 3 meses do fim da Guerra, portanto – que os alemães autorizaram que fossem formadas 2 divisões do tal exército proposto por Vlasov para a libertação da Rússia. Nessa altura, já as frentes de combate do Leste haviam saído da Rússia e o destino da Segunda Guerra Mundial não era difícil de adivinhar… Aquilo que aconteceria aos voluntários do exército do General Vlasov também não… Até aos últimos dias dos combates, nos princípios de Maio de 1945, eles procuraram desesperadamente render-se apenas aos exércitos ocidentais que vinham de Oeste…


Mas em Maio de 1945 a Guerra-Fria ainda não havia começado e havia até um regime de boa colaboração entre os exércitos vencedores. Estaline exigira-o em Yalta e os seus dois aliados não viam razão para o negar: todos os cidadãos soviéticos aprisionados a lutar pelos alemães deveriam ser entregues à União Soviética para aí serem julgados. Assim terá acontecido com Vlasov. Inicialmente concebera-se para ele um julgamento dos espectaculares, com confissões, à boa maneira daqueles dos anos 30. Mas não foi assim. Nas transcrições pode ainda ler-se que Vlasov confessou que a explicação para o seu comportamento fora a covardia… Quanto à sentença, é o terceiro a contar da esquerda na fotografia abaixo…


(*) Para se conformar à ideologia comunista, o Exército Vermelho não usava patentes. Viria a estabelecê-las em meados dos anos 30.

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