quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Memórias de um artilheiro antiaéreo russo

O artilheiro se chama Gennadii Shutz
Sargento Gennadii Shutz,  1942.
Eu tinha 17 anos em junho de 1941. No dia 18, tínhamos tido nossa cerimônia de formatura, e no dia 22 um jogo de futebol entre nosso distrito, em cujo time eu jogava, e o distrito vizinho. Estávamos perdendo. Então meu irmão veio correndo e grita: "Genka, a guerra começou!". Eu disse: "Que guerra? Você não está vendo que estamos perdendo!" E depois naquela noite no clube, onde víamos um filme, inesperadamente a tela foi recolhida e uma plataforma puxada para frente. Um trabalhador qualquer do comitê do distrito falou para nós com um discurso de que a guerra tinha começado e pediu que todos os membros do KOMSOMOL se apresentassem ao comitê distrital do Partido. Fomos para lá durante a noite. Preenchi um formulário e pedi para ser enviado para a frente como um voluntário, mas como eu tinha nascido em '24, [classe] que ainda não devia ser recrutada, eles me enviaram para colher feno para o exército ao invés de ir para a frente. Me colocaram na chefia de 13 garotas, que não podiam fazer quase nada - de forma que corria de uma para outra: "Genka, conserte a foice!" Genka, minha foice está presa em um monte de terra! Genka, afie minha foice!" Estava exausto com elas.

Naquele mesmo verão, me matriculei no Instituto Ferroviário de Tomsk. Eu estudei apenas um mês no instituto e então eles nos enviaram para casa. Em janeiro de 1942, quando tinha feito 18, fui recrutado. Eles enviaram todo nosso grupo de recrutas para Moscou, onde fomos colocados em um tipo de campo de seleção, que ficava em Izmailovo. Quando nosso grupo chegou, um sargento-mór se aproximou de mim e perguntou: "Quantas séries você concluiu?" Eu disse: "10". Ele: "Você sabe trigonometria?" "Sim". "Quer se tornar um artilheiro antiaéreo?" Eu disse: "Com prazer!" E assim, em 10 de abril de 1942, fui colocado em uma bateria de artilharia antiaérea de pequeno calibre. Disseram que nos treinariam até agosto. No começo de junho recebemos nossos canhões antiaéreos - canhões de 37 mm modelo 1939, com uma cadência de fogo de 160 tiros por minuto. Mas na verdade, depois de 75-100 disparos eles aqueciam tanto que emperravam.

O comandante da bateria designou nossos deveres e me tornei um telemetrista. Na verdade, a percepção estereoscópica, isto é a habilidade de diferenciar distâncias para objetos e determinar sua distância relativa, é muito subjetiva. O teste era extremamente simples: o comandante apontava para uma árvore e um mastro, que estavam a cerca de 800 metros de nós, e perguntava qual estava mais distante. Por eu ter respondido corretamente, me tornei o telemetrista. Naquele momento, nossa bateria era composta de quatro canhões, que eram colocados como se fossem os vértices de um quadrado com lados de 100-150 metros. O posto de comando ficava localizado no centro do quadrado e consistia de trincheiras individuais para o observador, o telemetrista e o comandante. O comandante da bateria e os canhões estavam ligados por comunicações por telefone. Na verdade, durante o combate, não havia possibilidade de dar comandos de voz por causa do ruído das salvas, foi por isso que desenvolvemos um sistema de sinais pré-fixado.

A bateria funcionava da seguinte forma. O observador, equipado com binóculos, depois de ter localizado aviões inimigos se aproximando, determinava seu número. Numa situação ideal isso era possível de ser feito a cinco quilômetros de distância. Eu, o telemetrista, determinava a distância para o alvo e continuamente informava o comandante a respeito de mudanças. Por sua vez, o comandante designava os alvos entre os canhões e escolhia o momento de disparar e o tipo de fogo - tiros simples, rajadas curtas ou longas. Rajadas longas eram usadas contra alvos voando baixo. Disparávamos usando granadas de alto-explosivo comuns. Naturalmente, também recebíamos granadas perfurantes, mas elas eram raramente usadas e somente para disparar contra alvos em terra. Uma tripulação de canhão era composta de 8 homens - chefe de peça; dois artilheiros, números 1 e 2; telemetrista [número 3]; observador para direção e velocidade do vôo do alvo; municiador e dois serventes municiadores (se o fogo fosse conduzido em rajadas longas, então um homem só não era capaz de manter o ritmo, os carregadores desapareciam como se fossem para um moedor de carne). O número 1 apontava o canhão na vertical até que a linha horizontal no colimador ficasse por cima do alvo, o número 2 na horizontal, até que a linha horizontal do colimador ficasse por cima do alvo, o número 3 regulava a distância e velocidade do alvo, que eram comunicadas pelo comandante da bateria, o observador, girando a manivela, tentava adivinhar a direção do avião, o chefe de peça, depois de ter determinado que o alvo tinha sido enquadrado, reportava-se ao posto de comando e, sob as ordens do comandante da bateria, o número 2 abria fogo. Contudo, artilheiros experimentados normalmente apontavam usando granadas traçadoras. Esta habilidade foi desenvolvida durante os constantes exercícios entre os ataques aéreos ou durante serviço de sentinela (um canhão estava sempre de sentinela na bateria).

Assim, voltando para 1942, nós nem tivemos tempo de terminar de dominar os canhões, quando uma ordem chegou a respeito de nossa transferência para a frente. No começo de julho, nosso 241º Regimento de Artilharia Antiaérea, composto de 4 baterias e 2 companhias de metralhadoras, armadas com DshK´s, foi transferido para a frente de Voronezh. Estávamos estudando os canhões mesmo nos vagões ferroviários e uma vez, durante uma seção de treinamento, os artilheiros dispararam um tiro que quase matou nosso comandante de bateria - a granada passou por cima da cabeça dele. Na estação de Serebriannye Prudy fomos bombardeados pela primeira vez. Dei um pulo de ponta cabeça nos arbustos mais próximos e fiquei ali tremendo de medo até que os aviões partiram. E já na estação de Anna recebemos nosso verdadeiro batismo de fogo.

Até o final do verão, continuamos retrocedendo com as forças de terra até que a frente se estabilizou no rio Don, em cujas margens ficamos estacionados até o começo da contra-ofensiva. Era um tempo difícil. A munição era escassa. Éramos mal alimentados - para a primeira e segunda refeição, uma sopa rala ou mingau de grãos de trigo integral, ou ervilhas cozinhas na hora em óleo de algodão usbesque, que parecia ferrugem. Uma vez não tivemos até mesmo sal - isto foi uma verdadeira tortura. Fomos alimentados dessa forma por cerca de um mês.

Este foi o último ano em que os alemães tentaram combater de acordo com um programa. Eles quase nunca bombardeavam a noite, mas os raids de sua aviação começavam na manhã. O calor era escaldante - oito e meia da manhã, calor, fedor, o primeiro grupo de bombardeiros vinha. Eles nos bombardeavam e à infantaria. Em 30-40 minutos, é o segundo grupo. Depois o terceiro ataque de bombardeio, se eles tivessem feitos ataques bem sucedidos, todos estaríamos enegrecidos de fuligem e poeira.

Capitão Gennadii Schutz, 1945.
Depois de um desses ataques, o komsorg (organizador do KOMSOMOL, trad.) do regimento foi ferido e o departamento político me nomeou komsorg interino. Sempre que tinha um minuto livre, eu visitava nossas baterias, falava a respeito da situação na frente e acerca das ações de nossos aliados. Os homens eram na sua maior parte analfabetos - toda nossa bateria só tinha dois homens com educação secundária, e o resto ou sete anos ou quatro séries. Naturalmente você tinha que falar com eles. Afinal das contas, os alemães também faziam sua própria propaganda - jogavam folhetos. Me lembro bem de alguns deles. O primeiro, este folheto de duas páginas no formato A4, em papel rascunho. Havia um círculo cortado na primeira página, de forma que as armas nacionais soviéticas podiam ser vistas na terceira página. Quando você o abria, havia uma legenda abaixo das armas nacionais: "martelo na esquerda, foice na direita, estas são nossas armas nacionais soviéticas. Colha se você quiser ou martele se você quiser, mas você ainda conseguirá" e três pontos (para qualquer pessoa que fale russo, a rima óbvia é uma palavra vulgar para o órgão sexual masculino, que neste caso significaria "você não conseguirá nada" - trad.). Isso era uma baixaria, naturalmente. Aparentemente os alemães estavam informados que tínhamos falta de papel e que não tínhamos mesmo nada com que enrolar um cigarro, de forma que o segundo folheto foi especificamente impresso em papel de cigarro, na esperança que os soldados o usassem para cigarros e os lessem ao mesmo tempo. Ele dizia: "somente Timoshenko com Yids os heróis querem a guerra. Você bate em retirada somente porque Stalin matou os 130 mil melhores comandantes e oficiais políticos". Ou havia um folheto mostrando como viviam bem alguns Ivanov, Petrov ou Sidorov que tinham se rendido. Eles eram mostrados sentados ali, tocando uma sanfona, sorrindo. Tinha que explicar que tudo aquilo era mentira.

Quando a ofensiva de Estalingrado começou, tínhamos chegado nas vilas cossacas de Kantimirovka e Buturlinovka. Durante a ofensiva, nossa vida também não era muito doce - nosso canhões eram puxados por jipes Willys que conseguiam lidar bem com o terreno plano. Mas quando dirigindo morro abaixo, um canhão com cunhetes de granadas carregados nele tentava empurrar o carro para fora da estrada. Somente em 1944 recebemos Dodges de 3/4 e então Chevrolets de dois eixos e "Studbaker US 6x6", que normalmente puxavam dois canhões. Mas lá no início somente o Willys podia nos levar.

Depois do fim da batalha de Estalingrado, fui enviado para uma escola de artilharia em Tomsk e então para Irkutsk, onde eu terminei o curso. Já no final de 1943, me achei em Leningrado. Uma pequena locomotiva a vapor "ovechka" ("carneiro" em russo, vem do nome da locomotiva - "OV" - trad.) de antes da revolução nos trouxe, tendo voado a toda velocidade pelo corredor da brecha aberta entre Volkhov e Leningrado em '43. Do ponto de transferência fui enviado para a 32ª Divisão, onde fui encarregado de um pelotão (2 canhões). Naquele tempo aconteceu um acréscimo nas unidades de artilharia e nossa 32ª Divisão de Artilharia Antiaérea RGK (RGK - reserva do comando em chefe - trad.) tinha 4 regimentos, destes, 3 regimentos (1.387º, 1.393º e o nosso, 1.413º) eram MZA (artilharia antiaérea de pequeno calibre) e um, o 1.387º Regimento era SZA (artilharia antiaérea de médio calibre), armado com canhões de 85 mm. A reorganização também envolveu as baterias - elas agora continham 6 peças de artilharia. Os canhões numa posição eram agora arranjados em um hexágono, com a distância entre eles sendo de 150-200 metros. Isto de acordo com o manual, mas numa situação de combate as vezes usávamos arranjos diferentes, por exemplo em linha, quando guardando colunas.

Atacamos no mês de janeiro. Liberamos Gatchina e quase alcançamos Pskov. Durante a ofensiva, o regimento cobriu a 46ª Divisão de Fuzileiros de Luga. Já em Pskov, fui nomeado comandante de bateria. Me lembro do dia da nomeação muito bem. Foi no começo de fevereiro. Tinha acabado de chegar na 4ª Bateria, que tinha sido colocada sob meu comando e fui encontrar o pessoal. Naquele tempo a bateria, com os serviços auxiliares, consistia de 84 homens. Somando-se a isso, os comandantes de pelotões eram todos tenentes, enquanto eu era um 2º tenente (sic). Basicamente, fui recebido com desconfiança. E então um ataque aconteceu: 30-35 Ju-87. Todo mundo estava me olhando para ver como iria comandar. Você pergunta se eu poderia me restringir em abrir fogo? Eu podia, mas isso era considerado como covardia entre os artilheiros antiaéreos. Tínhamos uma lei - enquanto um ataque estivesse acontecendo, ninguém, dos serventes de munição até o comandante de bateria, podia se abaixar. Você tinha que continuar cumprindo seus deveres. A coisa principal era não perder a calma. Afinal de contas, havia alguns que colocavam suas cabeças debaixo do reparo do canhão por medo. Assim, passamos por aquele batismo de fogo com sucesso. Não abatemos nada, mas espalhamos os aviões, eles não voltaram para uma segunda tentativa e nós salvamos o ponto de cruzamento. Isto era uma contribuição. Também, ninguém foi morto.

No todo, do começo de 1944 até maio de 1945, minha bateria abateu 13 aviões e pela performance estávamos em um dos primeiros lugares na divisão. Não parece muito, certo? Mas qual era nossa tarefa? Era não deixar o inimigo bombardear apontando para um objetivo que estivéssemos guardando. Claro, era ótimo abater um avião, mas isso não era a coisa principal, a coisa principal era que a infantaria, tanques, ou um ponto de cruzamento que estivessem cobertos por nós não fossem danificados em um ataque. Em Estalingrado nosso regimento abateu 100 aviões em 2 meses. Mas estes eram Ju-52, que abasteciam o 6º Exército cercado, era fácil abate-los. Mas abater um Ju-87 - isso era muito difícil. Ele era o mais pérfido e perigoso bombardeiro de mergulho que os alemães tinham. Apesar de não ser muito rápido, seu ataque era muito preciso. Era essa a razão por que o atacávamos no momento em que ele subia antes de um mergulho. Era apavorante para o piloto, ele vê que está sendo alvejado. De qualquer forma vai jogar a bomba, mas para faze-lo errar, soltar a bomba mais cedo ou muito tarde - esta era nossa tarefa. Mas quando víamos que tínhamos abatido um avião, imediatamente mandávamos um mecânico em um "Willys" para o local da queda, para pegar a placa de fabricação como prova material. Também era útil conseguir a confirmação do destacamento que estava sendo guardado. Naturalmente, acontecia de o avião cair em território inimigo, então ele só era contado se uma confirmação fosse dada. Dessa forma, para os cinco primeiros aviões eu recebi a Ordem da Estrela Vermelha, para os cinco seguintes - a Ordem da Guerra Patriótica, 2ª Classe. Também fui condecorado com as medalhas "Pela Defesa de Leningrado", "Pela Captura de Berlim" e "Pela Vitória contra a Alemanha".

De Pskov fomos transferidos para Vyborg. De novo, rompemos pelas defesas inimigas e avançamos por uma centena de quilômetros sem um problema, pensamos que poderíamos continuar, mas não - defronte a Vyborg encontramos uma forte resistência e paramos, enquanto todo o exército continuou a se mover por sua própria inércia e um acúmulo de pessoas e veículos ocorreu na rodovia de Primorskoye. Dispersei a bateria por pelotões ao longo da coluna por quase dois quilômetros. Os alemães não nos fizeram esperar. Durante o ataque, fragmentos de bombas feriram praticamente toda uma guarnição de um dos canhões. Então o chefe da peça Ermeneyev, ele próprio ferido, substituiu um artilheiro e com outro cara abateu três aviões se recuperando de um mergulho e espalhou os outros, pelo que ele foi condecorado e se tornou um Herói da União Soviética. Esta foi a história oficial. Mas, não-oficialmente, ele tinha sido ferido, mas era um ferimento leve e ele não abateu os três aviões - nos atribuímo-los a ele. Os outros também estavam atirando e os aviões caíram além da linha de frente. Mas ainda assim foi um feito heróico - ele não deixou-os bombardear a coluna, de outra forma teria sido uma bagunça.

Nos o recomendamos para uma medalha, mas não a Herói, pois para a Herói você tinha que escrever uma recomendação separada. Em 1944 tinha se decidido comemorar o dia da Artilharia no aniversário da contra-ofensiva de Estalingrado, 19 de novembro. Aparentemente, havia uma ordem de Stalin para recomendar um ou dois homens de cada tipo de unidade de artilharia para receber a Herói da União Soviética. No outono, fui chamado ao QG do regimento e me pediram para escrever uma recomendação para Ermeneyev. E assim minha bateria veio a ter um Herói.

Ali, em Vyborg, também tivemos um incidente desagradável. Durante a ofensiva me tornei amigo de um major, comandante do serviço de VNOS (Reconhecimento aéreo, alarme e comunicação). Somente garotas serviam ali e ele estava no comando delas. E assim, eles tinham um balão, como uma salsicha, no qual este major subia até uns 800 metros com um rádio para fazer observações para artiharia. E uma vez vimos um "messer" (Messerchimitt - trad.) indo até o balão a uma altitude extremamente baixa. Abrimos fogo, de forma que ele não pode passar e incendiar a "salsicha". Deve ser dito que era muito difícil atirar contra um alvo voando baixo e rápido, tudo depende do trabalho coordenado dos artilheiros, que intuitivamente escolhem o momento de disparar. E de repente vi uma das nossas granadas furar o balão. Ele explode em chamas e começa a cair. O cara que estava nele conseguiu se safar e abrir o pára-quedas quando estava bem próximo ao chão. "Bem", eu pensei, "é isso - corte marcial". E ai o comandante do nosso regimento vem em um "Willys" - um homem desagradável. Ele diz: "escreva uma recomendação, o comandante viu você abater um 'messer'". Eu digo: "que 'messer'? Eu abati nossa 'salsicha'!" Mas ele força sua própria opinião. Penso que ele queria ganhar sua própria condecoração. Mando o Willys para ver se o major estava vivo. Eles voltam com ele. Graças a Deus ele está vivo! Mas esta muito machucado - braças arranhados, abrasões no rosto. Então ele começa a me xingar! Digo: "bem, você mesmo viu - estávamos enxotando o 'messer'." Bebemos um copo de álcool com ele, fazemos as pazes e, depois, enquanto a ofensiva continuava, nos encontramos mais uma vez. Naturalmente, qualquer coisa podia acontecer na guerra. Uma outra vez atiramos contra um dos nossos caças. Foi bom que não o abatemos. Naturalmente, tínhamos um sistema de identificação, YaSS (Sou um Avião Nosso), mas era bem primitivo - vários tipos de rolagem de asas durante o dia e uma combinação de luzes de navegação a noite. Os sinais eram mudados todos os dias, o que complicava severamente o meu trabalho como comandante de bateria.

Então avançamos para o ocidente ao longo da baia de Riga. Uma vez estávamos sentados na praia, jogando cartas com algumas garotas. Então o sentinela gritou: "alvo aquático!" Olhei e vi três lanchas-torpedeiras alemães aproximando-se da praia. Ordenei um alerta e começamos a deixar que elas chegassem mais próximo, mas a 800 metros elas abriram fogo. Vi uma explosão, outra e respondemos com todos os seis canhões. Basicamente, as expulsamos e fomos terminar o jogo. Logo libertamos a cidade de Tartu. Era uma noite quente de verão quando entramos naquela cidade e tive a impressão que a guerra tinha passado ao largo dela - nenhum tiro podia ser ouvido, vestígios de combates estavam ausentes das ruas. Paramos e decidi ir pegar algumas framboesas que cresciam em um jardim em frente a uma casa. Pegando as grandes, saborosas framboesas, afastei alguns arbustos e vi uma mulher morta caída no chão. Este contraste entre a beleza e o silêncio de um lado e a morte do outro ficou impresso em minha memória para o resto de minha vida.

Cruzamos a fronteira com a Alemanha na região do rio Netze em Kostschin (Kostrzyn). Estávamos dirigindo a noite sobre o sítio das batalhas de ontem. Soldados exaustos dormiam atrás no caminhão. De repente vi um arco de madeira compensada sobre a estrada e um sinal nele em grandes letras pretas. O li e minha pele ficou toda arrepiada: "aqui está - a criminosa Alemanha". Reuni meus comandantes de pelotão. Os soldados foram acordados. Aqui, disse, estamos entrando no covil da besta fascista. Na manhã o comandante do regimento chegou. Tínhamos nos preparado de forma que um sentinela olhava tanto para o céu como para a estrada, esperando superiores. Se ele visse um "Willys" de um comandante ele também iria ordenar "Alerta!", da mesma forma que durante um ataque aéreo. O comandante pergunta: "O que você deu de alimentação para seus soldados hoje?" "Bem, mingau, como sempre" - respondo. "Sargento-mór, venha aqui. O que você deu para alimentação dos soldados hoje? "Mingau, camarada coronel." "Mingau, mingau... estive na bateria de Terekhov, eles sempre conseguem pernil, ou seja o que for. Pegue um Studbaker ou um Chevrolet e vá até uma fazenda. Pegue tudo o que eles tiverem". Deve ser dito que além do Netze a população em um raio de 20 km fugiu, abandonando os animais da fazenda a fome. Dessa forma nossos comandantes estavam nos incentivando a saquear. Mas isso parou logo depois devido à uma ordem emitida pelo Comandante da Frente Zhukov, dizendo algo como: "Somos um exército libertador, que trouxe a liberdade ao povo alemão, devemos tratar o povo alemão como se fosse o nosso próprio". Mas tente explicar isso a um simplório soldado russo, que teve parentes enforcados ou fuzilados, casas destruídas, que eles deviam esquecer de tudo de uma vez só?! Era impossível! Os homens ficaram indignados: "por que devo esquecer o que os alemães fizeram com minha terra, meus parentes?" Esta transição era muito dolorosa. Pois desde a própria Estalingrado até a fronteira alemã nos estávamos avançando sob o slogan: "Mate um alemão!" Eu ainda vejo os artigos de Ilya Erenburg em frente à meus olhos. Você deve ter em mente que os substitutos em minha bateria por aquela época eram na maioria criminosos, soltos devido à anistia. Houve um caso quando um soldado meu, um criminoso como esses, estuprou uma mulher e uma filha em um cemitério. Tive que me defender, escrever um relatório, SMERSH ("morte aos espiões", a contra-inteligência durante a guerra - trad.) ficou interessada e ele foi colocado ante uma corte marcial. Mas não houve julgamentos em massa.

Bem, então capturamos Berlim, então Magdeburgo, cruzamos o Elba e atingimos Stendal. Ali paramos e vivemos por cerca de um ano. Foi assim que a guerra terminou. 

Gravado e editado por Artem Drabkin, traduzido para o inglês por Oleg Sheremet, fotos do arquivo de G. Shutz.

Fonte deste artigo: http://www.iremember.ru/artillerymen/shutc/shutc.html
http://www.grandesguerras.com.br/relatos/text01.php?art_id=135

3 comentários:

  1. Muito bom mesmo estes depoimentos!!!! blog 100% continue assim!!!!!!

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  2. Muito obrigado por postar., sucesso para o blog!!

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  3. Excelente eepoimento. Isso é a historia ao vivo. A historiografia oral. Parabens!! Continue!

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