quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A retirada de Dunquerque

As memórias do primeiro-ministro Winston S. Churchill sobre a Operação Dínamo, que salvou 338 mil homens do cativeiro em 1940 :


Escreveram-se relatos bastante precisos e excelentes sobre a evacuação dos Exércitos britânicos e franceses de Dunquerque. Desde o dia 20, a concentração de navios e pequenas embarcações vinha prosseguindo sob o controle do Almirante Ramsay, que estava no comando em Dover. No entardecer do dia 26, um sinal do Almirantado pôs a Operação Dínamo em funcionamento. As primeiras tropas foram trazidas para casa naquela noite. Depois da perda de Boulogne e Calais, apenas o que estava do porto de Dunquerque e as praias próximas da fronteira belga estavam em nosso poder. Nesse momento, achava-se que em dois dias conseguiríamos resgatar no máximo cerca de 45 mil homens. Logo no começo da manhã seguinte, 27 de maio, tomaram-se as providências de emergência para encontrar pequenas embarcações adicionais "para uma necessidade especial". Tratava-se de nada mais nada menos do que a retirada completa da Força Expedicionária Britânica. Estava claro que um grande número dessas embarcações seria necessário para o trabalho nas praias, além de navios maiores que pudessem carregar no porto de Dunquerque. Por sugestão do sr. H. C. Riggs, do Ministério da Navegação, as várias marinas, de Teddington e Brightlingsea, foram vasculhadas por oficiais do Almirantado e produziram mais de quarenta barcos a motor ou lanchas aproveitáveis, que foram reunidas em Sheerness no dia seguinte. Ao mesmo tempo, reunimos botes salva-vidas dos cargueiros de linha das docas de Londres, rebocadores do Tâmisa, iates, barcos pesqueiros, chatas, barcaças e barcos de passeio - tudo o que pudesse ser útil ao longo das praias foi requisitado. Na noite de 27 de maio, uma grande profusão de embarcações de pequeno porte começou a deslizar em direção ao mar, primeiro para nossos portos da Mancha e dali para as praias de Dunquerque e o amado Exército.
Uma vez relaxada a necessidade de sigilo, o Almirantado não hesitou em dar livre curso ao movimento espontâneo que se espalhou pela população navegante de nosso litoral sul e sudeste. Todos os que tinham qualquer tipo de embarcação, a vapor ou vela, zarparam para Dunquerque, e os preparativos felizmente iniciados uma semana antes foram então auxiliados pela brilhante improvisação dos voluntários, numa escala surpreendente. O número que chegou no dia 29 foi pequeno, mas foi o precursor de quase quatrocentas embarcações de pequeno porte que a partir do dia 31 estariam fadadas a desempenhar um papel vital em transportar das praias para os navios ancorados ao largo quase 100 mil homens. Nesses dias, senti falta do chefe de minha sala dos mapas no Almirantado, o Capitão Pim, e de mais um ou dois rostos familiares. Eles haviam conseguido um schuit holandês, que em quatro dias retirou 800 soldados. Ao todo, foram em socorro do Exército, sob incessante bombardeio aéreo, cerca de 860 embarcações, das quais quase 700 eram inglesas e as demais, aliadas.

Enquanto isso, em terra, nas imediações de Dunquerque, a ocupação do perímetro era efetuada com precisão. As tropas chegavam do caos e eram ordeiramente dispostas ao longo das defesas que, mesmo em dois dias, já haviam crescido. Os homens que estavam em melhores condições faziam meia-volta para formar a linha. Divisões como a 2ª e a 5ª, que haviam sofrido mais, eram mantidas de reserva nas praias e embarcadas tão logo possível. A princípio, tinha que haver três unidades no front, mas, no dia 29, com os franceses tendo uma participação maior na linha de defesa, bastaram duas. O inimigo havia seguido de perto a retirada, e os combates violentos eram incessantes, especialmente nos flancos próximos de Nieuport e Bergues. À medida que prosseguia a evacuação, a redução sistemática no número de tropas, tanto inglesas quanto francesas, era acompanhada por uma retração correspondente da defesa. Nas praias, entre as dunas de areia, durante três, quatro ou cinco dias, dezenas de milhares de soldados ficaram sob ataque aéreo implacável. A crença de Hitler - de que a Força Aérea Alemã impossibilitaria a fuga impossível e, portanto, ele devia reservar suas formações blindadas para o ataque final da campanha - constituira um erro, mas não tinha sido absurda.
Três fatores desmentiram suas expectativas. Primeiro, o incessante bombardeio aéreo causou poucos danos às massas de tropas ao longo da costa. As bombas afundavam na areia macia, que abafava suas explosões. Nos estágios iniciais, depois de um bombardeio devastador, os soldados ficavam atônitos ao constatar que praticamente ninguém fora ferido ou morto. Tinha havido explosões por toda a parte, mas quase ninguém fora atingido. Um litoral rochoso teria produzido resultados muito mais mortíferos. Em pouco tempo, os soldados encaravam os ataques aéreos com desdém. Agachavam-se nas dunas de areia com compostura e crescente esperança. Diante deles estava o mar escuro, mas não inamistoso. Mais além, os navios de resgate - e a pátria.
O segundo fator que Hitler não previu foi a matança de seus aviadores. A qualidade aérea britânica e alemã foi diretamente testada. Através de um esforço intenso, o Comando de Caças manteve um patrulhamento sucessivo acima do cenário e combateu o inimigo com grande vantagem. Hora após hora, eles investiam contra as esquadrilhas alemãs de caças em bombardeiros, dispersando-as e afugentando-as com um número pesado de baixas. Dia após dia isso continuou, até ser conquistada a gloriosa vitória da Real Força Aérea. Onde quer que se deparasse com aeronaves alemãs, às vezes em grupos de quarenta ou cinqüenta, elas eram instantaneamente atacadas, muitas vezes por esquadrilhas solitárias ou até menos, e derrubadas às dezenas, que em pouco tempo começaram a somar centenas. Toda a Força Aérea metropolitana, nossa última e sagrada reserva, foi utilizada. Houve casos em que pilotos de caças fizeram quatro investidas por dia. O resultado obtido foi claro. O inimigo superior foi derrotado ou morto e, apesar de toda a sua bravura, subjugado e até mesmo intimidado. Foi um embate decisivo. Infelizmente, as tropas nas praias viram muito pouco desse conflito épico no ar, muitas vezes a milhas de distância ou acima das nuvens. Elas não tinham nenhum conhecimento das perdas impostas ao inimigo. Tudo o que sentiam eram as bombas flagelando as praias, lançadas pelo inimigo que havia conseguido passar, mas que talvez não voltasse. Houve até intensa raiva no Exército contra a Força Aérea, e alguns dos soldados, ao desembarcarem no porto de Dover ou do Tâmisa, em sua ignorância, insultaram os homens de uniforme da Aeronáutica. Deveriam ter-lhes apertado as mãos, mas como poderiam saber? No Parlamento, empenhei-me em difundir a verdade.
Mas toda a ajuda da areia e todas as proezas aéreas teriam sido inúteis sem o mar. As instruções dadas dez ou doze dias antes, sob a pressão e a emoção dos acontecimentos, haviam frutificado de maneira surpreendente. Uma perfeita disciplina prevaleceu em terra e a bordo. O mar estava calmo. De um lado para o outro, entre a praia e os navios, os barquinhos trabalhavam com afinco, apanhando homens nas praias quando eles caminhavam para o mar ou recolhendo-os da água, com total indiferença pelo bombardeio aéreo, que volta e meia fazia suas vítimas. O simples número das embarcações desafiava os ataques aéreos. Era impossível afundar a Armada dos Mosquitos. Em meio à nossa derrota, a glória refulgiu para a gente da ilha, unida e inconquistável; e a história das praias de Dunquerque há de brilhar em qualquer registro que se preserve de nossas aventuras.
Não obstante o corajoso trabalho das pequenas embarcações, não se deve esquecer que o fardo mais pesado coube aos navios que zarpavam do porto de Dunquerque, onde 2/3 dos homens foram embarcados. Os contratorpedeiros desempenharam o papel principal, como mostra a relação de baixas. Tampouco se deve esquecer o grande papel desempenhado pelos navios de transporte de tropas, com suas tripulações da Marinha mercante.
O processo de evacuação foi observado com olhos ansiosos e com esperança crescente. Na noite de 27 de maio, a situação de Lord Gort pareceu crítica às autoridades navais, e o Capitão Tennant, um oficial da Marinha Real lotado no Almirantado, que assumira as funções de oficial naval superior em Dunquerque, enviou sinais para que todas as embarcações disponíveis fossem enviadas às praias imediatamente, "pois a retirada amanhã à noite será problemática". O quadro apresentado foi sombrio, até desesperador. Fizeram-se esforços extremos para atender ao pedido. Um cruzador, oito contratorpedeiros e outros 26 navios foram enviados. O dia 28 foi de tensão, mas ela amainou aos poucos, à medida que a situação em terra foi estabilizada, com a poderosa ajuda da Real Força Aérea. Os planos navais foram executados, apesar de graves perdas no dia 29, quando três contratorpedeiros e 21 outros navios foram afundados, além de muitos outros danificados.
No dia 30, fiz uma reunião com os três ministros militares e com os chefes do Estado-Maior na sala de guerra do Almirantado. Examinamos os acontecimentos do dia na costa belga. O número total de tropas retiradas havia-se elevado para 120 mil homens, incluindo apenas 6 mil franceses; 860 embarcações de todos os tipos estavam em ação. Uma mensagem do Almirante Wake-Walker, em Dunquerque, dizia que apesar do intenso bombardeio e dos ataques aéreos, 4 mil homens tinham sido embarcados nos sessenta minutos anteriores. Ele também considerava que a própria Dunquerque seria provavelmente insustentável no dia seguinte. Enfatizei a necessidade urgente de retirar mais soldados franceses. Deixar de fazê-lo poderia causar danos irreparáveis às relações entre nós e nossos aliados. Também afirmei que, quando a força britânica estivesse reduzida a uma unidade, deveríamos dizer a Lord Gort que embarcasse e voltasse para a Inglaterra, deixando no comando um chefe de unidade. O Exército britânico teria que agüentar o máximo de tempo possível para que a retirada dos franceses pudesse prosseguir.
Conhecendo bem o caráter de Lord Gort, redigi de próprio punho a seguinte ordem destinada a ele, que foi oficialmente enviada pelo Ministério da Guerra às 14:00h do dia 30:
Continue a defender com todo o empenho o perímetro atual, a fim de cobrir a máxima retirada, que agora corre bem. Informe a cada três horas, através de La Panne. Se ainda pudermos comunicar-nos, vamos mandar-lhe uma ordem de retornar à Inglaterra com os oficiais de sua escolha, no momento em que julgarmos seu comando suficientemente reduzido para que possa ser passado a um comandante de unidade. Você deve nomear esse comandante agora. Se as comunicações forem rompidas, você deverá passar o comando e retornar como especificado, quando sua força efetiva de combate não ultrapassar o equivalente a três divisões. Isso está de acordo com o procedimento militar correto e não lhe é deixada nenhuma opção pessoal nesta questão. Politicamente, seria uma vitória desnecessária para o inimigo que ele o capturasse quando apenas uma pequena força continuasse sob suas ordens. O comandante de unidade definido por você deverá receber ordens de dar prosseguimento à defesa, em conjunto com os franceses, e à retirada de Dunquerque ou das praias, mas quando, a seu juízo, já não for possível uma retirada organizada e nenhum outro dano proporcional puder ser infringido ao inimigo, ele está autorizado, em consulta com o oficial francês no comando, a capitular formalmente, para evitar uma matança desnecessária.
É possível que essa mensagem final tenha influenciado outros grandes acontecimentos e a sorte de outro bravo comandante. Quando estive na Casa Branca no fim de dezembro de 1941, fui informado pelo presidente e pelo sr. Stimson do infortúnio que se acercava do General MacArthur e da guarnição norte-americana em Corregidor. Julguei apropriado mostrar-lhes de que maneira havíamos lidado com a situação de um comandante-em-chefe cuja força havia sido reduzida a uma pequena fração do seu comando original. O presidente e o sr. Stimson leram o telegrama com profunda atenção e fiquei surpreso com a impressão que ele pareceu causar-lhes. Pouco mais tarde, nesse dia, o sr. Stimson voltou e pediu uma cópia do texto, que lhe forneci imediatamente. É possível (pois não sei dizer) que isso os tenha influenciado na decisão acertada que tomaram, ao ordenarem que o General MacArthur passasse o comando a um de seus generais subordinados, assim salvando, para todos os seus futuros serviços gloriosos, o grande comandante que, de outro modo, teria perecido ou passado a guerra como prisioneiro dos japoneses. Agrada-me pensar que isso ocorreu.
Nesse mesmo 30 de maio de 1940, os membros da equipe de comando de Lord Gort, reunidos com o Almirante Ramsay, em Dover, informaram-no de que o alvorecer de 1º de junho seria o último momento até o qual se poderia esperar que o perímetro oriental resistisse. Assim, a evacuação foi instada com a máxima urgência, para assegurar, tanto quanto possível, que uma retaguarda de não mais de cerca de 4 mil homens permanecesse em terra. Verificou-se depois que esse número seria insuficiente para defender as últimas posições de cobertura e se decidiu manter o setor britânico até a meia-noite de 1-2 de junho, prosseguindo a retirada, nesse meio tempo, em bases de plena igualdade entre as forças francesas e inglesas.
Era essa a situação quando, na noite de 31 de maio, seguindo suas ordens, Lord Gort passou o comando ao general-de-divisão Alexander e retornou à Inglaterra.
Os dias 31 de maio e 1º de junho assistiram ao clímax, mas não ao fim de Dunquerque. Nesses dois dias, mais de 132 mil homens foram desembarcados em segurança na Inglaterra, tendo quase 1/3 deles sido trazidos das praias em pequenas embarcações, sob furioso ataque aéreo e fogo de artilharia. Desde o amanhecer do dia 1º de junho, os bombardeiros inimigos fizeram seus maiores esforços, muitas vezes programados para os momentos em que nossos caças haviam-se retirado para abastecer. Esses ataques cobraram um tributo pesado das embarcações repletas, que sofreram quase tanto quanto em toda a semana anterior. Nesse único dia, nossas perdas por ataques aéreos, minas, embarcações costeiras ou outros infortúnios foram de 31 navios afundados e onze danificados. Em terra, o inimigo aumentou a pressão na cabeça-de-ponte, fazendo tudo para rompê-la. Foi detido pela resistência desesperada da retaguarda aliada.
A fase final foi executada com muita habilidade e precisão. Pela primeira vez tornou-se possível planejar com antecedência em vez de sermos forçados a depender de improvisações a cada hora. No amanhecer de 2 de junho, cerca de 4 mil ingleses, com sete canhões antiaéreos e doze canhões antitanque, permaneceram nas imediações de Dunquerque, com forças francesas ainda consideráveis defendendo o perímetro, cada vez mais contraído. A retirada, a essa altura, só era possível na escuridão, e o Almirante Ramsay determinou a descida em massa para o porto naquela noite, com todos os recursos disponíveis. Além de rebocadores e barcos de pequeno porte, 44 navios foram enviados da Inglaterra naquela noite, inclusive onze contratorpedeiros e quatorze caça-minas. Quarenta navios franceses e belgas também participaram. Antes da meia-noite, a retaguarda inglesa foi embarcada.
Mas esse não foi o fim da história de Dunquerque. Havíamo-nos preparado para transportar um número consideravelmente maior de franceses naquela noite do que os se apresentaram. O resultado foi que, quando nossos navios, muitos deles ainda vazios, tiveram que recuar ao amanhecer, grande número de soldados franceses, muitos ainda em combate com o inimigo, continuou em terra. Era preciso fazer mais um esforço. Apesar do esgotamento das tripulações dos navios, depois de tantos dias sem descanso ou alívio, o apelo foi atendido. Em 4 de junho, 26.175 franceses foram desembarcados na Inglaterra, mais de 21 mil deles trazidos por navios ingleses. Infelizmente, vários milhares ficaram para trás, continuando a lutar na cabeça-de-ponte, que se contraía, até a manhã do dia 4, quando o inimigo chegou aos arredores da cidade. Eles haviam esgotado as suas forças. Tinham lutado valentemente, durante muitos dias, para cobrir a retirada de seus companheiros ingleses e franceses. Passariam os anos subseqüentes no cativeiro. Lembremo-nos de que, não fosse a existência da retaguarda de Dunquerque, a recriação do Exército da Grã-Bretanha para a defesa interna e a vitória final teria sido grandemente prejudicada.
Finalmente, às 14:23h de 4 de junho, o Almirantado, em concordância com os franceses, anunciou que a Operação Dínamo estava concluída. Mais de 338 mil soldados ingleses e aliados tinham sido desembarcados na Inglaterra.
Fonte: http://www.grandesguerras.com.br/

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