O General Paul de Langlade na torre de um blindado de seu GT.
De Langlade, comandante de um dos quatro grupamentos táticos da 2ª Divisão Blindada, conta a tomada de Estrasburgo, na Alsácia :
No dia 15 de dezembro de 1944, para acompanhar do mais perto possível os lentos progressos da sua divisão, o general norte-americano, junto ao qual estou destacado, transferiu seu quartel general para Migneville. A artilharia alemã, ainda ativa, disparava sobre a localidade. Para instalar meu posto de comando, encontrei apenas a estação de muda de Migneville, sobre uma via férrea secundária, desde há muito inutilizada. Era um cubículo abominável, com o teto esburacado, mas com uma cave profunda, cuja vantagem principal residia em ter uma temperatura relativamente suportável, pois o termômetro descera para -10º.
O dia vai passando. Resolvo libertar Morel-Deville, apesar da lentidão com que progride a 79ª Divisão. Os spahis partem imediatamente e, penetrando em Nonhigny e Montreux, efetuam atrevidos reconhecimentos de um e outro lado da estrada de Cirey, que encontram ocupada e defendida na altura de Petit-Mont. No entanto, esse avanço de Morel-Deville, a nordeste, protege a 79ª Divisão pelo flanco direito e facilita seu avanço. Dou conta da situação ao General Leclerc... Fazem-se progressos! A 44ª Divisão de Infantaria avança na direção de Réchicourt ao norte da estrada nº 4. Não obstante, a 79ª Divisão de Infantaria é retida por uma violenta reação da artilharia inimiga. Os canhões troam toda a noite.
A 16 de novembro, o dispositivo das defesas alemãs é perfurado, pela primeira vez, profundamente.
A 18, a linha defensiva diante dos Vosgues rompeu-se completamente na frente francesa. A única estrada por onde poderiam chegar reforços alemães, a que une Badonviller com a estrada de Donon, foi interceptada com a tomada de Badonviller. Os alemães vêem-se obrigados à retirada para evitar a catástrofe. Durante o dia 18 a aviação esteve muito ativa e pela primeira vez desde há muito tempo, viu-se aparecer quatro Messerschmitt, um dos quais foi derrubado.
A 19 de novembro, a única ordem que recebo do General Leclerc, à minha passagem por Cirey é a seguinte:
"Prossiga o mais rapidamente possível!"
No dia seguinte, Niderhoff é ocupada às 8h 15min e Minjonnet avançava sobre Voyer, onde uma forte resistência o detém. A dificuldade de vencer este obstáculo explica-se pelo fato de que Voyer, ponto fortificado da segunda linha de defesa alemã, é uma povoação rodeada de colinas a que se chega por um estreito vale e por um bosque impenetrável.
É preciso, portanto, sair do bosque e manobrar sob violento e certeiro fogo inimigo. A situação foi crítica durante longas horas; mas Minjonnet é um lutador que sabe encaixar os golpes admiravelmente. Seu grupo tem total confiança nele. Combatendo todo o dia, com intensidade cada vez maior, consegui por fim apoderar-se da povoação, cheia de mortos e feridos.
As tropas de Langlade progridem próximas a Voyer, em meio a neve
Este combate, um dos mais duros da Batalha de Estrasburgo, permitiu ao grupo de Massu lançar-se sobre Dabo. Enquanto o grupo Minjonnet se bate em Voyer, Massu realiza, pelo seu lado, uma manobra magnífica. Visto que não podia vencer aquela barreira sólida e colossalmente fortificada, resolveu deixar inativos seus carros de combate e lançou todo o seu batalhão a pé pelo bosque, com a missão de contornar obstáculo pelos cumes, passar o Sarre Branco e ocupar a posição pela retaguarda. Apesar da resistência dos caçadores alemães, sua intrépida e inteligente manobra alcançou pleno êxito. O Sarre Branco foi tomado pela retaguarda, com a ponte intacta. Os alemães que conseguiram escapar fugiram em todas as direções. Ultrapassada esta barreira, o Grupo Massu atira-se para frente como um cavalo a galope - e chega, à noite, à encruzilhada de Réthel, na ramificação da estrada de Dabo.
A brecha está aberta e bem aberta. O caminho de Massu fica coberto de cadáveres de homens e cavalos, de canhões derrubados e viaturas destruídas.
E foi assim que, durante toda a noite do dia 20 para 21 e todo o dia 21, uma torrente de carros de combate e infantaria motorizada, seguida de dois grupos de artilharia sobre tratores, rodou através da montanha, inundando ao entardecer, como um maremoto, a planície da Alsácia.
O inimigo, completamente desorganizado e em plena derrota, retira-se para Donon ou o Saverne, lançando-se na direção de Phalsbourg, ao norte da estrada nº 4.
Ao entardecer de 22 de novembro, tomamos Saverne; a brecha de Saverne, bloqueada em Phalsbourg por um inimigo solidamente instalado, já está em nossas mãos; a ligação entre os elementos norte-americanos (44ª Divisão) e o Grupamento Tático Dio fica praticamente estabelecida.
A manhã de 23 começa com uma verdadeira carga que ultrapassa todas as previsões. Infelizmente, para três das quatro colunas, as coisas vão em breve mudar.
Coluna de abastecimento da 2ª DB avança pelos Vosgues
Às 9h 30min, Massu comunica-me a sua posição a cinco quilômetros de Estrasburgo. Deteve-o uma vigorosa resistência, a um quilômetro a oeste de Mittelhausbergen. Encontra-se ante uma série de velhas fortificações solidamente defendidas, fechando-lhe o caminho. São os fortes Pétain, ao sul e Foch, ao norte.
Também as colunas do Coronel De Guillebon são detidas pela linha dos fortes, entre os quais se destaca especialmente o forte Kléber. Deste modo, os elementos da 2ª Divisão Blindada estão bloqueados.
Àquela hora ainda não tínhamos recebido informações do destacamento do Coronel Rouvillois. Evidentemente continua a avançar.
Fracassa uma primeira operação tentada por Massu que pretendia contornar a posição, pois os carros de combate atolam e os seus canhões não são utilizáveis, ante a impossibilidade de os colocarem em bateria. É preciso forçar com granadas ou tomar a baioneta este último baluarte, defendido por atiradores escolhidos que causam graves perdas ao Grupo Massu. Será que vamos ficar parados e obrigados a manter uma operação lenta e sangrenta?
Nesse instante, quer dizer, às 10h 10min, chega a mensagem triunfal de Rouvillois, que se tornou célebre na divisão: "O tecido está no iodo", que em linguagem clara significa: "Rouvillois está em Estrasburgo".
Imediatamente o coronel que comanda o grupamento tático L dá ordem a Massu para se lançar no rastro de Rouvillois e voar até Estrasburgo.
Às 10h 30min recebemos nova mensagem de Rouvillois, ainda mais saborosa do que a primeira. Diz assim:
"Deixei reservas na Kommandantur e lanço-me contra a ponte de Kehl".
Às 2h 30min todo o Grupamento Tático L está em Estrasburgo. Quando a cúpula da catedral apareceu ante os olhos maravilhados dos soldados, um entusiasmo inaudito invadiu as nossas almas: o mesmo devem ter sentido os cruzados à vista de Jerusalém.
A universidade, o palácio dos Correios e a ponte da Bolsa são ocupados. O posto de comando funciona em La Maison Rouge. Todos os quartéis estão cheios de boches que resistem firmemente e cobnvertem os principais centros de comunicações da cidade em verdadeiros infernos, batidos por armas de todos os calibres.
O oficial de estado-maior do Grupamento Tático L, o Tenente Bissirier, a quem servia de guia um FFI de Estrasburgo, não regressou. No dia seguinte pela manhã, vimos seu carro de combate crestado pelo fogo e o seu cadáver, no extremo da Avenida dos Vosges. Por um comovedor capricho do destino, este magnífico oficial, de religião protestante, foi enterrado em Kronenbourg, à direita de um túmulo que em nada se distinguia dos restantes. O comandante do Grupamento Tático L, que, com o coração opresso, se inclinou sobre a cruz de madeira e leu com espanto:
"Aqui repousa Kléber, General Francês"
À esquerda e do mesmo lado da sepultura de Kléber, tinham acabado de fechar outro túmulo: o do Rev. Pe. Houchney, dos Padres do Espírito Santo, capelão-mor da 2ª Divisão Blindada, caído a 22 de novembro, na vanguarda mais avançada, quando dava assistência a um moribundo. Deste modo, a um século de distância, outros dois africanos, vindos também dos desertos do Egito, montavam guarda junto ao grande soldado, na terra santa da Alsácia.
Um obús M8 do 3° RMSM (maroquino) durante a liberação de Estrasburgo. Novembro de 1944.
O coronel do Grupamento Tático L reuniu os comandantes dos grupos e, de acordo com eles, dividiu a cidade em setores, determinando as responsabilidades de cada um. Depois, estabeleceu contato com Rouvillois que continuava a lutar furiosamente na margem do Reno; regressa a Estrasburgo e corre a Kommandantur; sobe a escada monumental e chega ao gabinete de Leclerc que o recebe de pé, no imenso aposento, em cujo solo jaz, feito em pedaços, um retrato de Hitler.
O general e o coronel apertam as mãos. É um minuto prodigioso o que decorre entre este homem, chegado do Chade pelo deserto, pela Tripolitânia e pela Inglaterra, e um de seus lugar-tenentes, procedente do Senegal. Desde as 6h da tarde, uma enorme bandeira tricolor flutua no alto da catedral.
Foram extraordinários aqueles dias, assinalados pela captura de milhares de soldados alemães que desfilavam enquanto o General Leclerc passava em revista as tropas na Praça Kléber e, ante o silêncio de uma multidão dominada pela comoção, declarava cumprido o juramento, prestado em Kufra, de libertar Estrasburgo.
A bandeira francesa tremula em Belfort, libertada em 20/11/44
Poder-se-iam relatar milhares de pormenores pitorescos. Como, por exemplo, o caso do Tenente Braun, estrasburguês, do serviço de informações do meu estado-maior, o qual, a partir de 22 novembro, com o seu perfeito conhecimento do alemão e da ordem de batalha do inimigo, semeou cientificamente a mais terrível confusão, telefonando sossegadamente para os diversos estados-maiores alemães e dando-lhes as mais espantosas notícias que foram acolhidas com a maior gratidão! Graças a esse fato, vimos um batalhão alemão, composto de cerca de 400 homens, abandonar seu posto de combate, atirando fora suas armas e, em passo de ganso com seu oficial à frente, apresentar-se ao chefe do Grupamento Tático L!
Ou como o caso do Capitão Briot, que, ao entrar em Estrasburgo à testa dos elementos de Rouvillois, disparava sobre os oficiais alemães que desciam dos bondes bruscamente parados e passavam sem a menor transição do assombro para a morte.
Haveria de citar também a prodigiosa atividade do General Leclerc, infundindo um entusiasmo crescente às unidades já fanatizadas. Encontrava-se em todos os lados ao mesmo tempo e sempre no momento oportuno.
Recordemos, por exemplo, o seguinte fato, ocorrido em 22 de novembro, pela manhã. Um oficial de ligação, o Tenente Cristol, que durante 30 horas não deixou seu jipe, noite e dia, chega a um cruzamento onde se encontra o general. Conduz ele próprio sua viatura, desobedecendo às ordens, pois Leclerc determinara que as viaturas fossem guiadas pelos motoristas. Trava-se entre eles esse diálogo:
- Ah! Você por aqui! E, antes do mais, por que razão é você mesmo quem dirige?
- Meu general, veja o meu motorista - respondeu Cristol - está estourado... Dormindo.
Efetivamente, ao lado do tenente, o chofer, morto de cansaço, dorme pesadamente. O general olha para ele, bate no chão com seu famoso bastão, e depois, voltando-se para seu ajudante-de-ordens, o Tenente Girard, exclama levantando os braços ao céu e apontando o dorminhoco:
- Girard! Conquistamos Estrasburgo e este sujeito dorme!
Leclerc passa em revista as tropas vitoriosas em Estrasburgo
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