As cartas abertas do General Patton sobre seu desembarque no Marrocos, a ocupação de Casablanca e seu encontro com o sultão :
29 de outubro de 1942: O portador desta é o Capitão-de-Mar-e-Guerra Gordon Hutchins, do Augusta. Quando ele chegar aí, tudo o que aconteceu já terá sido noticiado pelos jornais. Saímos de Norfolk às 8h10min do dia 24; a largada foi notável pela impecável eficiência da organização. Navegamos em coluna através do campo de minas, utilizando um canal varrido e sinalizado. Adotamos uma formação com cinco colunas, com o Augusta na frente.
2 de novembro: A comida é a melhor possível. Acho que vou engordar. Todas as manhãs faço ginástica, inclusive flexões do tronco e corrida no mesmo lugar - 480 passadas (400 metros) dentro do meu camarote. Durante os exercícios matinais de combate vestimos os coletes salva-vidas e colocamos o capacete de aço; não preciso apressar-me porque meu posto de combate é no meu próprio camarote. Depois, vou até a ponte de comando esperar a hora do café da manhã. Acabei de ler o Alcorão - um livro interessante e bom.
Dei aos subordinados uma diretriz de guerra simplificada. Empregar a estratégia do rolo compressor, isto é, decidir a forma e a direção do ataque e ater-se à decisão tomada. Na parte tática, não empregar o rolo compressor. Atacar os pontos vulneráveis. Segurar o inimigo pelo pescoço e chutar-lhe o traseiro.
6 de novembro: Entrarei em combate dentro de 40 horas, dispondo de poucas informações e tendo que tomar decisões importantes ao sabor dos acontecimentos. Acho que a responsabilidade aumenta a capacidade de cada um; com a ajuda de Deus tomarei as decisões que me competem e decidirei corretamente. Sinto-me como se minha vida inteira estivesse orientada para este momento. Depois de cumprir esta missão, acho que avançarei para o degrau seguinte da escada do destino. Se cumprir com todas as minhas obrigações, os outros tratarão de fazer o mesmo.
8 de novembro: Na noite passada deitei-me uniformizado e dormi a partir das 22h30min. Não foi fácil adormecer. Subi para o convés às 2 horas e vi acesas as luzes de Fedala e Casablanca; também vi luzes na praia. O mar está calmo - nenhum balanço. Deus está conosco (N.E: durante o planejamento da operação Torch, chegou-se à conclusão, com base no conhecimento das condições locais, que, dos 365 dias do ano, só existiam 12 dias que permitiriam a realização do desembarque).
Estamos metidos em um combate naval desde as 8 horas; parece que vai ser um grande dia. Por volta das 7h15min seis contratorpedeiros inimigos saíram de Casablanca; dois atiravam. Todos os nossos navios abriram fogo e o inimigo recuou. Durante 30 minutos, o Massachusetts bombardeou o Jean Bart. Eu ia para a praia às 8 horas; minha embarcação estava suspensa nos turcos com todas as nossas coisas dentro, inclusive minhas pistolas com cabo de madrepérola. Mandei um ordenança apanhá-las; naquele exato momento, um cruzador ligeiro e dois contratorpedeiros saíram de Casablanca, navegando junto ao litoral, com a finalidade de tentar atingir os nossos navios de transporte. O Augusta aumentou a velocidade para 20 nós e abriu fogo. O primeiro disparo da torre fez a nossa embarcação virar; perdemos tudo exceto as minhas pistolas. Por volta das 8h20min os bombardeiros inimigos atacaram os navios de transporte e o Augusta correu para protegê-los. Depois, voltamos ao combate contra os navios franceses e a luta durou cerca de três horas. Achava-me no convés principal quando uma granada inimiga caiu tão perto que a coluna de água levantada molhou-me todo. Mais tarde, já na ponte de comando, outra granada caiu ainda mais perto, mas eu achava-me a uma altura que não foi alcançada pela coluna de água. O tempo estava nublado e o inimigo utilizava a fumaça com maestria. Mal podia avistá-lo, bem como os impactos dos nossos tiros; todos os navios americanos atiravam e descreviam grandes zigue-zagues e curvas.
Às 12h42min partimos em direção à praia: eu, o Almirante Hall, chefe do Estado-Maior do Almirante Hewitt, meu chefe de Estado-Maior, Coronel Gay, os Coronéis Johnson e Ely, do Estado-Maior da força de desembarque anfíbia da esquadra do Atlântico, meus ajudantes-de-ordens Jenson e Stiller e o Sargento Meeks; quando nossa embarcação afastou-se do navio os marinheiros debruçaram-se sobre a amurada e aplaudiram. Pisamos na praia às 13h20min, completamente molhados por causa da passagem na arrebentação das ondas. O combate ainda se mantinha vivo, mas não recebemos nenhum tiro.
Harmon conquistara Safi antes do alvorecer, mas a notícia só chegou até nós depois do meio-dia.
Anderson apossou-se dos dois rios e do terreno elevado na parte da tarde; prendeu oito integrantes da Comissão Alemã de Armistício. Eles só souberam do desembarque às 6 horas; logo, a surpresa foi completa.
Quando ainda estávamos em Washington, o Coronel W. H. Wilbur oferecera-se como voluntário para ir a Casablanca e solicitar a rendição. Por este motivo, desembarcou na primeira vaga e dirigiu-se para aquela cidade, ainda no escuro, conduzindo uma bandeira branca. Durante o trajeto foi alvo de vários disparos, mas, em Casablanca, os franceses respeitaram a bandeira branca, embora se recusassem a aceitar a rendição.
11 de novembro: Decidi atacar Casablanca nesta data, empregando a 3ª Divisão e um batalhão de carros de combate. Foi preciso um certo sangue-frio, uma vez que Truscott e Harmon pareciam em má situação; senti que deveríamos manter a iniciativa. Na oportunidade, o Almirante Hall veio à terra para combinarmos o apoio de fogo naval e aéreo e trouxe-nos boas notícias. Truscott conquistara o campo de pouso de Port Lyautey e já haviam aterrado lá 42 caças P-40. Harmon avançava sobre Casablanca.
Anderson queria atacar de madrugada, mas fixei a hora para as 7h30min, pois não desejava que ocorresse nenhum equívoco por causa da escuridão. Às 4h30min chegou um oficial francês anunciando que as forças localizadas em Rabat haviam cessado de atirar; o Estado-Maior queria suspender o ataque, mas determinei que se cumprisse o planejado. Lembrei-me de 1918, quando paramos cedo demais. Enviei o oficial francês para Casablanca com a missão de comunicar o Almirante Michelier, comandante da área, que o melhor que ele poderia fazer para não ser destruído era desistir da luta imediatamente, porque eu ia atacar - só não disse quando. Depois enviei mensagem ao Almirante Hewit informando que transmitiria a ordem de cessar fogo caso os franceses desistissem no último instante. Isto aconteceu às 5h30min. Às 6h40min o inimigo desistiu. Felizmente desistiu a tempo, mas os bombardeiros já estavam sobrevoando os alvos e os encouraçados ocupavam as posições de tiro. Determinei que Anderson penetrasse na cidade e que atacasse, se alguém tentasse detê-lo. Ninguém o deteve, mas o período entre 7h30min e 11 horas foi o mais longo de minha vida.
Às 14 horas, o Almirante Michelier e o General Noguès vieram tratar dos termos de rendição. Abri a reunião elogiando os franceses pela bravura demonstrada e encerrei-a com champanha e brindes. Também os recebi com uma grande guarda de honra - não adianta nada tripudiar sobre um homem derrotado.
Eu e Noguès visitaremos o sultão daqui a um ou dois dias.
16 de novembro: Às 9h45min, partimos de Casablanca, uma cidade que mistura Holywood e a Bíblia, em direção a Rabat. Depois de ultrapassar Fedala deparei-me com o melhor terreno jamais visto para o emprego de carros de combate: suavemente ondulado e limpo, salpicado de casas de pedra que serviriam de abrigo para a infantaria, mas que não resistiriam ao canhão de 105mm.
De modo geral a região parece com o litoral de Kona, no Havaí. A vegetação é idêntica e o mar tem a mesma cor azul. Cruzamos com rebanhos de ovelhas e gado, todos eles de raça não identificada. Toda a estrada e as pontes rodoviárias estavam guardadas por um tipo de combatente irregular marroquino chamado goons (N.E: Goumiers) - pelo menos é assim que o nome soa. Vestem um roupão listrado de preto e branco, usam um turbante que provavelmente foi branco alguns anos atrás e estão armados com fuzis antigos e baionetas.
Para além de Fedala, os caminhões e viaturas blindadas destruídos e obstruindo a estrada constituíam prova concreta da eficiência da marinha e da aviação. Em Rabat, o General Harmon (N.E: Comandante da 2ª Divisão Blindada, uma parte da qual desembarcara no Marrocos) providenciara uma escolta para mim, composta de carros de reconhecimento e carros de combate. Todavia, julguei que seria muita ostentação de minha parte chegar à sede da Residência francesa do General Noguès (N.E: General do exército Auguste Noguès, Residente-Geral francês) com tal escolta; dispensei-a.
Ao chegarmos à Residência, fomos recebidos por um esquadrão de cavalaria marroquino, no qual só os oficiais tinham montaria. A guarda pessoal do Residente-Geral, também marroquina, trajava uniforme branco com equipamento de couro vermelho. O porta-pistolas e as cartucheiras ficavam na altura do estômago, sustentados por talabartes cruzados.
Ambas as tropas eram garbosas, cada uma com sua banda de música própria, composta de cornetas, tambores e um guarda-chuva de metal com sinos pendurados nas pontas e que rodava durante a execução da marcha batida.
Passei em revista as duas unidades e cumprimentei os oficiais franceses que as comandavam, realçando o garbo de cada uma - em termo de 1914, constituíam verdadeiras unidades militares. Lembrei-me com espanto, que um único carro de combate de escolta que dispensara poderia destruir facilmente todos aqueles soldados garbosos que me prestavam honras militares.
A Residência era um prédio bonito, todo em mármore, construído pelo Marechal Lyautey (N.E: Marechal Lyautey, nascido em 1854 e falecido em 1934) seguindo o modelo do Alhambra (N.E: Palácio dos reis mouros em Granada, Espanha); compreendi perfeitamente por que o General Noguès não queria abandoná-lo. Recebeu-nos com muita cordialidade e conversamos durante vinte minutos, depois, dirigimo-nos ao palácio do sultão.
A área do palácio abrangia alguns hectares e era cercada por um muro de quase 6 metros de altura; dizia-se que o palácio fora construído no ano de 1300, mas tenho sérias dúvidas a respeito, embora fosse uma edificação bastante antiga.
Depois de atravessarmos o portão, viajamos cerca de 800 metros por entre as cabanas dos nativos, todas parecendo alojar famílias numerosas. O palácio é um prédio branco de três andares construídos em arquitetura mourisca e cujo portão de entrada mal dava para passar um automóvel.
No interior, a guarda do sultão estava formada em volta de uma praça; os soldados tinham pele escura, estavam armados com fuzil e usavam um uniforme de túnica vermelha, calça vermelha e perneira branca. Avaliei a existência de uns 400 homens em forma.
Ao descermos do carro uma outra banda de música, composta por tambores, pratos, cornetas e o guarda-chuva de metal, começou a tocar com muita desenvoltura.
Para que entra no palácio, do lado esquerdo acha-se a bandeira verde do Profeta. Trata-se de uma bandeira de veludo, bordado a ouro e tendo no centro algumas palavras em árabe. Depois de atravessar o segundo portão entramos em um ambiente do Velho Testamento, um pátio amplo e totalmente cercado por homens trajando as vestes brancas descritas na Bíblia. Neste local fomos recebidos pelo grão-vizir (pelo menos pensei que era ele). Vestia um robe branco, com um capuz que encobria um turbante bordado a ouro. Além de apresentar uma barba irregular, o homem ostentava o maior conjunto de dentes de ouro até então visto por mim. Declarou-nos que o sultão concedera a graça de nos receber, o que já era evidente diante dos preparativos realizados.
Subimos três lances de escada e ao chegarmos no alto o nosso guia descalçou os sapatos. Penetramos em uma sala comprida e observei, do lado esquerdo, os doze apóstolos e mais alguns reservas, enquanto do lado direito havia um bom número de cadeiras douradas, estilo Luiz XIV. O chão era coberto pelos tapetes mais grossos e mais bonitos que eu já vira. O sultão estava sentado na extremidade da sala, em uma plataforma mais elevada; tratava-se de um jovem de fisionomia atraente e muito expressiva, mas de aparência muito frágil.
Logo na entrada, faz-se uma parada e uma reverência, inclinando o tronco para a frente; caminha-se até o meio da sala e repete-se o gesto. Depois avança-se até a borda da plataforma e executa-se a terceira reverência. O sultão levantou-se, apertou a minha mão e a do General Noguès e sentamo-nos todos.
Falando em árabe, embora fosse fluente em francês, o sultão disse ao grão-vizir que me comunicasse em francês a sua alegria por receber-me. Através de dois intérpretes manifestei-lhe meu contentamento por estarmos reunidos mais uma vez, seu povo, os franceses e nós, e garanti-lhe que o nosso único desejo era unirmo-nos ao seu povo e aos franceses em uma frente comum contra o inimigo. Era engraçado ver que ele entendia perfeitamente a conversa em francês, mas tinha que esperar até ser traduzida para o árabe, pois sua dignidade não lhe permitia admitir o conhecimento de uma língua estrangeira.
Terminada esta conversa inicial, o sultão informou-me que esperava ver os soldados americanos respeitarem as instituições maometanas, uma vez que se achavam em país maometano. Respondi que esta ordem fora expedida, em termos muito precisos, nos Estados Unidos, antes de nossa partida, e que seria rigorosamente obedecida. Declarei-lhe ainda que esperava receber dele a comunicação de qualquer transgressão religiosa praticada por americanos, uma vez que reconhecia existirem pessoas desmioladas em todos os exércitos, inclusive no dos Estados Unidos. Respondeu-me que não ocorreria nenhum acidente, mas que, em caso de necessidade, faria chegar ao meu conhecimento qualquer episódio desagradável, por intermédio do General Noguès.
Concluí cumprimentando o sultão pela beleza natural do país, pela disciplina dos seus súditos e pela bela aparência das cidades. Levantamo-nos, o sultão ergueu-se do trono, apertou nossas mãos e convidou-me para um chá na quarta-feira, comemorativo de sua ascensão ao trono. Inicialmente fora minha intenção visitá-lo naquele dia; entretanto, como eu representava o Presidente dos Estados Unidos e o Comandante Geral das Forças Aliadas, havia comunicado ao General Noguès que não ficaria bem realizar a visita em dia de festa. Todavia, o convite formulado indicava claramente que o sultão valorizava a minha posição.
Terminada a audiência encontramo-nos com os doze sábios e seus reservas. Eram os paxás das diversas províncias e cidades do Marrocos. Creio que paxá era um cargo vitalício; o mais velho tinha 92 anos de idade e o mais jovem, cerca de 70 anos. Estavam todos vestidos de branco e com meias, mas sem sapatos; representavam um grupo de homens nitidamente habituados a mandar.
Na saída do palácio recebemos, mais uma vez, as honras militares prestadas pela guarda. Dirigimo-nos à residência do General Noguès, onde fomos recebidos pela senhora Noguès e sua sobrinha. Serviram-nos um almoço suntuoso e saborosíssimo. Impressionou-me o fato do General Noguès jamais haver hospedado, nem homenageado, qualquer autoridade alemã durante o tempo da ocupação germânica.
Mantivemos uma breve conversa após o almoço e regressamos a Casablanca, onde chegamos às 15 horas.
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