domingo, 20 de dezembro de 2009

Sobre os céus de Kursk


Hans-Ulrich Rudel narra a atuação de sua esquadrilha de Stukas durante a batalha de Kursk, a última ofensiva alemã na Rússia :

A defesa soviética acirrou-se consideravelmente; pela primeira vez a caça russa intervém com um vigor bastante desagradável. Dois ou três dias depois do início da Ofensiva Cidadela, vejo, pouco antes de chegar a Bjelgorod, uma formação de Heinkel 111 voando mais alto do que nós, ligeiramente à nossa esquerda. Bruscamente, a DCA (Destacamento de Canhões Antiaéreos) abre fogo e um Heinkel, atingido em cheio, se desagrega literalmente numa chuva de destroços. Essa imagem me persegue o dia inteiro, e cada vez que mergulho sobre uma bateria soviética tenho a impressão de rever o horroroso espetáculo. Na mesma tarde, um Capitão me comunica que, naquela manhã, um de meus primos foi abatido. Quando lhe pergunto se o pobre rapaz não pilotava um Heinkel 111, a noroeste de Bjelgorod, ele arregala os olhos; com certeza me julga dotado de uma espécie de dupla visão. Esse primo é o terceiro filho que meu tio perde desde o início da guerra; às vezes a desgraça se abate sobre a mesma família, pois, alguns meses depois, meu próprio tio é quem desaparece.

As semanas seguintes trazem à nossa esquadra uma série de duros golpes. Um de meus companheiros do curso de instrução, o Capitão Wutka, chefe da oitava esquadrilha, abate-se em chamas, bem como o Tenente Schmidt, cujo irmão também foi abatido, dias antes, sobre a Sicília. Todavia nenhum deles foi atingido pela DCA; seus aviões explodiram em pleno ar, e ficamos a conjeturar sobre se a deflagração ocorreu no momento de entrar em piqué ou no instante em que o piloto apertou o botão de lançamento das bombas. Teria uma sabotagem provocado um curto circuito que, por sua vez, teria determinado a explosão? Meses depois, por ocasião de um acidente idêntico, voltamos à mesma indagação, sem descobrir o menor indício que nos permitisse confirmar nossas suspeitas.

Em terra firme, a perder de vista, desenvolvem-se gigantescos combates de tanques - espetáculo extraordinário que, desde 1941, quase não tínhamos a oportunidade de observar. Nos amplos espaços descobertos, massas compactas de blindados se enfrentam, como num campo de manobras: imediatamente atrás de cada campo, as baterias antitanque tomam posição, com sua camuflagem pintada. Às vezes os tanques se enterram, sobretudo quando, imobilizados por um tiro feliz, conservam toda a sua potência de fogo. Do ponto de vista numérico, os soviéticos possuem, como sempre, esmagadora superioridade; no que respeita à qualidade, porém, imediatamente se constata que suas armas estão longe de equiparar-se aos nossos tanques e canhões de assalto. Pela primeira vez aparecem aqui, nos pontos nevrálgicos, importantes formações de nossos tanques "Tigre", infinitamente mais poderosos que tudo quanto os russos podem alinhar. De resto, no conjunto, todos os nossos tipos de tanques regulam seu tiro com mais rapidez e precisão que os russos. É fora de dúvida que essa eficácia provém, em parte, da excelência do material, mas, sobretudo, do valor dos homens que manejam estas armas.

Muito mais temíveis que os tanques russos são seus canhões antitanques. Muito potentes e extraordinariamente precisos. O exército soviético deve dispor de enormes quantidades desses canhões, pois eles podem ser vistos em todos os pontos nevrálgicos do imenso campo de batalha. Aliás, exagero ao dizer que "podem ser vistos": os russos são verdadeiros artistas da camuflagem, o que torna a descoberta e destruição de sua artilharia extremamente difícil.

Vendo desfilar sob minhas asas essas enormes massas de tanques, lembro-me do meu avião-canhão, que tive a feliz idéia de levar comigo quando deixamos a Criméia. Diante dessa maré de tanques, que parecem oferecer-se aos nossos golpes, uma nova tentativa se impõe, penso comigo mesmo. A DCA sobre os destacamentos russos é de terrificante intensidade, é verdade, mas como o espaço entre suas linhas e as nossas raramente excedem os 1.500 ou 1.800 metros, julgo que poderei me safar sem grande risco: é certo que vou receber alguns projéteis, mas, a menos que caia como uma pedra, provavelmente terei tempo de conduzir meu avião até nossas posições e de aterrissar da maneira possível. Em todo o caso, é um risco a ser corrido.

Certa manhã, levanto vôo com meu avião-canhão, escoltado por todos os aviões da primeira esquadrilha. Meu sucesso excede minhas esperanças mais extravagantes. Logo à primeira passagem, quatro tanques russos explodem sob os obuses bem ajustados dos meus canhões. À noite, posso inscrever doze tanques no meu quadro de caça. Fico exultante. Mais que todas as demonstrações teóricas, esse resultado porá por terra as objeções dos pessimistas rabugentos que desejam relevar o avião-canhão ao museu das invenções inúteis.

Nessa noite nossos mecânicos quase não podem descansar; é preciso reparar meu avião, rudemente castigado pela DCA. É certo que nenhum avião-canhão viverá muito tempo; o avião é terrivelmente vulnerável. Mas essa é uma consideração secundária: o que importa, antes de tudo, é que agora dispomos de uma arma suscetível de ser deslocada rapidamente ao longo do fronte, para compensar, nos pontos ameaçados, a superioridade numérica dos tanques russos. Na esquadrilha, na esquadra e até no QG da luftwaffe, uma confiança total sucede à dúvida, para não dizer as apreensões dos últimos meses. Os diferentes grupos do "Comando de experiência" espalhados por toda a parte, recebem ordem de enviar-me imediatamente todos os aviões-canhão em condições de vôo. Assim, no espaço de poucos dias, nasce a esquadrilha cuja chefia ficará sob minhas ordens.

Durante os dias seguintes aperfeiçoamos nossa tática, sempre registrando novos sucessos. No momento, os aviões-canhão e Stukas bombardeiros dividem a tarefa entre si; enquanto os primeiros mergulham contra os tanques, metade dos Stukas ataca as baterias de DCA, enquanto a outra, escalonada em várias altitudes, fica dando voltas para nos cobrir contra uma intervenção repentina da caça inimiga.

Pouco a pouco descubro todos os segredos. Às vezes pagamos caro essas lições práticas. Assim é que perdemos vários aviões num ponto onde, por assim dizer, não há DCA russa, porque cometemos a imprudência de rodar numa zona onde se entrecruzam os obuses da artilharia soviética e da nossa. Ficamos sabendo, então, que se não quisermos ser abatidos "por acaso" o melhor é evitar as trajetórias das "marmitas".

Sempre engenhosos, os russos não tardam em elaborar várias manobras contra nossos ataques. Sempre que podem, transportam sua DCA até os pontos mais avançados. Por outro lado, distribuem a suas equipagens cartuchos fumígenos; o tanque pode então, ou envolver-se em uma nuvem artificial, ou aparentar que está em chamas, para que o Stuka, julgando tê-lo destruído, abandone a presa. De início, somos iludidos, mas ao cabo de dois ou três dias compreendemos tudo, e Ivan não nos pega mais. De um tanque realmente incendiado saem chamas de um vermelho vivo cuja imitação seria muito perigosa. No mais das vezes, um tanque incendiado explodirá, pois o fogo acaba atingindo as munições. Se a explosão ocorre imediatamente, quando o avião sobrevoa o tanque a cinco ou, no máximo, dez metros, o piloto passa um mau momento. É o que me acontece por duas vezes: bruscamente meu avião atravessa um muro de chamas e penso: "Desta vez estou frito". Contudo, saio indene do outro lado; evidentemente a pintura da camuflagem se funde na fornalha, e meus planos ficam crivados pelos estilhaços do tanque.

Mergulhamos incansavelmente sobre os monstros de aço, por vezes de lado, mas, sempre que possível, por detrás. O ângulo de mergulho é relativamente agudo; dessa maneira, podemos descer até poucos metros do solo sem correr o risco de que o avião se abata bruscamente no momento de se reerguer. Uma queda, embora ligeira, bastaria para nos fazer tocar a terra, o que significa a destruição do avião e, provavelmente, a morte da equipagem. Procuramos sempre atingir os tanques nos pontos vulneráveis. Sob esse aspecto os diversos tipos de tanques se assemelham: o lugar mais fortemente blindado é a frente - e por isso é que o tanque sempre procura ficar de frente para o adversário. A blindagem nos flancos é nitidamente mais fraca, mas o verdadeiro "calcanhar de Aquiles" é a traseira. Aí fica o motor que, para facilitar o resfriamento, só é protegido por uma blindagem bem fina. Além disso, essa placa, pelo mesmo motivo, é toda furada. Um obus que penetre na traseira provocará infalivelmente uma explosão, pois perto do motor há que haver combustível. Os flancos também constituem alvos interessantes, embora mais bem protegidos, pois ali se localizam, de modo geral, as reservas de munição e carburante. Portanto, só o ataque frontal oferece riscos e nenhum resultado.

Freqüentemente grupos de soldados de infantaria se dependuram nos "Stalin" que tentam passar; mas, nos setores onde já nos conhecem, deixam-se cair logo que surgimos, mesmo que o tanque vá a toda velocidade. Manifestamente Ivan prefere sentir o chão sólido sob seus pés, para suportar nosso ataque.

Desde 15 de julho a resistência russa enrijeceu bastante; nossas divisões se chocam contra um completo sistema de ferrolhos, dotados de formidável artilharia antitanque, de maneira que nosso avanço se torna cada vez mais lento. Dia após dia, decolamos ao amanhecer, esgotamos nossas munições, regressamos para nos reabastecer, e tornamos a partir imediatamente, a fim de apoiar constantemente nossas pontas blindadas que, ao longo da via férrea Bjelgorod-Kursk, tentam penosamente abrir passagem para o norte. Os primeiros destacamentos conseguiram formar uma cabeça-de-ponte na margem setentrional do Pskoll, mas já há vários dias sua progressão está completamente paralisada. É visível que os russos decidiram não mais recuar, e nossos golpes não conseguem abalar esta resolução.

Certa manhã, quando nos preparamos para uma partida, poderosa formação de aviões de combate soviético, em vôo rasante, surge repentinamente sobre nosso campo e nos cai literalmente em cima. Precipitamo-nos para os aviões e decolamos, em todas as direções, numa indescritível confusão, para nos afastar do campo e nos dispersar. Por milagre, não ocorre nenhuma colisão nem perdemos nenhum avião, o que é tanto mais espantoso quando nossa DCA, refeita da surpresa, atira furiosamente. Essa resposta impressiona visivelmente os russos, que procuram afastar-se à toda velocidade. Contudo, seus aviões são suficientemente blindados para que os projéteis comuns, de 20 mm, ricocheteiem em sua fuselagem, sem causar dano; por outro lado, uma bateria leve, que usa munições antitanques do mesmo calibre, consegue atingir vários aviões, dois dos quais se abatem na margem do campo.

A emoção provocada por essa visita desamistosa só se acalma quando recebemos ordem de partir - "urgentemente", como é óbvio - para Orel, no flanco norte da saliência, onde os russos passaram à ofensiva e já ameaçam a cidade. Nossa viagem dura apenas algumas horas. Logo que chego procuro informar-me sobre a situação, que não é nada brilhante: as tropas soviéticas atacam do norte, de leste e do sul, e nossa defesa está prestes a ser vencida.

De resto, em toda a extensão da saliência, nossa ofensiva está prestes a paralisar-se. Vimos muito bem como o impulso de nossas tropas foi refreado e, a seguir, detido por acontecimentos independentes de sua vontade: o desembarque aliado na Sicília, a queda da Itália. Em ambas as vezes, foi preciso retirar da frente leste as melhores, para enviá-las a outros teatros de operações. Em nossas discussões, chegamos sempre à mesma conclusão (que é, de fato, irrefutável): é unicamente graças a seus aliados ocidentais que a Rússia soviética ainda existe como grande potência militar.

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