Saburo Sakai, o maior ás japonês que sobreviveu à II guerra, relata sua perseguição por 15 Hellcats :
Para onde quer que eu olhasse, só via caças, longos rastros de fumaça, explosões e chamas. Perdi muito tempo a olhar. Balas traçadoras despejaram-se diretamente sob minha asa e, instintivamente, puxei o manche para a esquerda, fazendo um rolamento para trás, a fim de atacar o avião pela traseira e disparei uma rajada. Errei. Ele mergulhou, saindo do meu alcance tão rapidamente que eu não podia acompanhá-lo. Praguejei por ter me deixado surpreender e, com igual veemência, amaldiçoei meu olho esquerdo, que deixava quase metade da minha área de visão no escuro. O mais depressa que pude, desembaracei-me das tiras do pára-quedas, para me deixar livres o s movimentos, de modo que eu pudesse compensar a perda de visão lateral.
E olhei sem perda de tempo; havia pelo menos meia dúzia de Hellcats atrás de mim, tentando tomar posição de tiro. De suas asas saíram vivas cintilações, quando eles abriram fogo. Outro rolamento para a esquerda – depressa! – e as traçadoras passaram sem me atingir. Os seis caças passaram perto das minhas asas e subiram para a direita. Desta vez, não! Comprimi o afogador e fiz um rolamento para trás e para a direita, indo atrás dos seis caças à velocidade que o Zero me podia dar. Lancei um olhar à retaguarda – não havia nenhum caça a perseguir-me. Um deles seria meu, praguejei! Aproximei-me rapidamente do avião que estava mais próximo. A uns 50 metros de distância, abri fogo contra ele de canhão, observando que, depois de as granadas, penetrarem a fuselagem do avião atingido, surgiam clarões e fumaça dentro da cúpula de vidro; no instante seguinte, o Hellcat guinou loucamente e inclinou-se para um lado, soltando um rolo de fumaça que a cada instante aumentava.
Porém, havia mais caças atrás de mim! De repente, eu não quis mais lutar contra eles. O cansaço me envolveu inteiramente. Nos velhos tempos, em Lae, ainda teria saído com o Zero atrás deles. Mas agora, parecia que meu vigor se esgotara, eu não queria lutar. Mergulhei e fugi. Naquelas condições, combater os Hellcats seria suicídio. Um pequeno erro, o menor atraso no movimento do manche ou da barra do leme...e seria o fim. Desejava tempo para recuperar o fôlego, livrar-me da tontura repentina, resultante, sem dúvida, da tentativa de ver com apenas um olho tanto quanto com dois; eu sabia que não podia lutar. Fugi para o norte, usando o overboost para escapar. Os Hellcats me deixaram e foram em busca de novas presas.
Sobrevoei lentamente o norte de Iwo Jima, aspirando profundamente e tentando relaxar. Passada a tonteira, voltei para a área de batalha. A luta terminara. Ainda havia Zeros e Hellcats no céu, mas muito afastados uns dos outros, tentando reunir-se aos respectivos grupos. À frente e à direita, avistei 15 Zeros voando em formação e aproximei-me para reunir-me a eles. Entrei sob a formação e...
Hellcats! Agora eu compreendia a razão porque o cirurgião protestara com tanta veemência contra meu retorno ao combate. Com apenas um olho, minha perspectiva estava muito deficiente. Escapavam-me, à distância, os detalhes que orientam a identificação. Somente quando as estrelas brancas nas asas azuis se tornaram nítidas é que percebi meu erro. Não perdi tempo em combater o medo que tomou conta de mim. Fiz um rolamento para a esquerda e, depois, uma curva fechada, mergulhando para ganhar velocidade, esperando que os pilotos inimigos não me tivessem visto. Não tive essa sorte, a formação de Hellcats se desfez e partiram em minha perseguição. Que podia eu fazer? Parecia que não teria chance alguma de escapar.
Agora eu percebia a velocidade desses novos caças. Em segundos, tão velozes eram, estavam já próximos. Era inútil continuar fugindo... Retornei, numa curva fechada. A manobra espantou os pilotos inimigos, ao me verem subir, em sua direção, numa espiral. Fiquei surpreso: eles não se separaram. O caça da frente respondeu com idêntica espiral, acompanhando à perfeição a minha manobra. Tornei a entrar em espiral, desta vez aproximando-me mais. Os caças adversários recusaram-se a ceder um palmo sequer. Isto era novidade. Um Airacobra ou um P40 se teria perdido, na tentativa de acompanhar-me assim. Nem mesmo um Wildcat poderia manter-se em espiral, durante tanto tempo, contra o Zero. Mas estes novos Hellcats eram os aviões mais manobráveis que já havia encontrado. Saí da espiral e caí numa armadilha. Os 15 caças saíram de suas espirais e formaram uma longa coluna e, no momento seguinte, encontrei-me a circular dentro de um gigantesco anel formado por 15 aviões inimigos. Por todos os lados, só asas largas com suas estrelas brancas. Se algum dia um piloto se viu cercado, no ar, por todos os lados, fui eu.
Mas não deram muito tempo para pensar na minha desgraça. Quatro Hellcats deixaram o círculo e mergulharam contra mim. Eles estavam por demais ávidos. Saí facilmente do caminho com um rolamento e eles passaram por mim, descontrolados. Mas o que eu julgara ser apenas um simples rolamento, me colocara contra vários outros caças. Um segundo quarteto de aviões saiu do anel, bem atrás de mim.
Fugi. Obriguei o motor a dar-me toda a potência possível e pus-me fora do alcance das armas do inimigo, por instantes. Os quatro aviões que me perseguiam, não me preocupavam; era o primeiro quarteto. Eu estava certo. Eles saíram do mergulho e logo se colocaram acima de mim, mergulhando para outros disparos. Meti o pé direito na barra do leme, desviando o Zero para a esquerda, fazendo um rolamento fechado. Luzes cintilantes apareceram debaixo da minha asa direita e um Hellcat caiu.
Saí do rolamento numa curva fechada. O segundo Hellcat estava a uns 700 metros atrás de mim, com suas asas já pontilhadas de chamas amarelas das suas metralhadoras. Certifiquei-me, então, de uma coisa que me poderia favorecer: os pilotos inimigos eram tão inexperientes quanto os meus aviadores... e isso talvez me salvasse a vida.
O segundo caça continuava a aproximar-se enchendo o céu de balas traçadoras, sem me atingir. Não pare! – berrei. Vamos, gaste toda a munição; você será uma preocupação a menos. Tornei a fazer uma curva e fugi, com o Hellcat aproximando-se rapidamente. Quando ele estava a uns 300 metros atrás de mim, fiz um rolamento para a esquerda e o Hellcat passou por baixo ainda disparando no vazio. Perdi a paciência: porque fugir de um piloto tão canhestro? Sem pensar, fiz o rolamento para trás e fiquei na sua cauda. À distância de 50 metros, disparei o canhão. Em vão. Eu não corrigira a glissagem causada pela curva abrupta que fiz. E, de repente, não me importava mais com o que acontecesse com o caça à minha frente... outro vinha atrás de mim, disparando sem cessar. Outro rolamento para a esquerda – manobra que não falhava nunca. O Hellcat passou barulhentamente, seguido dos dois outros aparelhos do quarteto.
Mais quatro aviões estavam quase acima de mim, prontos para mergulhar. Às vezes, a gente tem de atacar para se defender. Entrei numa subida vertical, diretamente sob os quatro caças. Os pilotos inclinavam as asas de um lado para outro, tentando encontrar-me. Não tinha tempo de dispersá-los. Três Hellcats vieram contra mim, da direita e, por pouco, escapei às suas traçadoras, ao fugir com o mesmo rolamento para a esquerda.
Os caças haviam reconstituído o seu grande anel. Qualquer movimento que eu fizesse para escapar, atrairia vários Hellcats de diferentes direções. Fiquei a circular no meio do anel, à procura de uma saída. Eles não pretendiam deixar-me escapar, um após outro, os caças abandonaram o círculo e vieram contra mim, disparando no curso da aproximação. Não me lembro de quantas vezes os caças me atacaram, nem quantos rolamentos fiz. Eu estava encharcado de suor, que me corria pelo rosto e praguejava quando o líquido salgado me caía no olho esquerdo... Não tinha mãos para esfregá-lo, para remover o sal, para tentar ver.
Eu estava cada vez mais cansado. Não sabia como escapar ao cerco. Mas era evidente que estes pilotos não eram tão bons quanto os aviões que tinham nas mãos. Uma voz parecia sussurrar me meu ouvido, repetindo sempre as mesmas palavras... velocidade... mantenha a velocidade... aqueça o motos, queime-o, mantenha a velocidade!... continue fazendo rolamentos... não pare de fazer rolamentos. Meu braço começava a ficar dormente com os rolamentos, a fim de escapar às traçadoras dos Hellcats. Se eu diminuísse a velocidade por um instante sequer, ao guinar para a esquerda, seria o fim. Mas durante quanto tempo poderia manter a velocidade necessária, nos rolamentos, para escapar?
Tenho de continuar fazendo rolamentos! Enquanto os Hellcats mantivessem intacto o anel que formaram, somente um caça de cada vez poderia atacar-me e eu não temia escapar a qualquer avião que, sozinho, viesse ao meu encontro. As balas traçadoras passavam perto, mas tinham de atingir-me com precisão para me derrubar. Não importava que passassem a 100 metros ou a 10 centímetros de distância. O que importava é que não me atingissem.
Fiz o rolamento. Manche todo para a direita.
Aí vem outro!
Rolamento rápido. O mar e o horizonte rodando como loucos.
Glisse! Outro! Puxa, esse passou perto!
Traçadoras brilhantes, cintilantes, faiscantes.
Sempre sob a asa.
Mantenha a velocidade!
Rolamento para a esquerda.
Rolamento.
Meu braço! Mal posso senti-lo, está todo dormente!
Se qualquer dos pilotos dos Hellcats tivesse escolhido uma aproximação diferente para fazer a passagem de tiro ou se concentrado na pontaria, é certo que teria me derrubado. Mas, em momento algum, os pilotos inimigos apontaram para onde meu avião estava indo. Se um dos caças tivesse despejado as suas traçadoras no espaço vazio, à minha frente, para o lado em que eu fazia sempre os rolamentos, isto é, para a esquerda, teria acertado todas. Mas os aviadores têm um peculiaridade. Adotam estranha psicologia. Excetuando aqueles raros que se sobressaem e se transformam em grandes ases, 99 % dos pilotos apegam-se à formula que aprenderam na escola. Treine-os para seguir certo padrão e, aconteça o que acontecer, eles jamais pensarão em sair dele, quando numa batalha de vida ou morte.
Assim, aquela contenda se resumia num teste de resistência entre a reserva de combustível dos Hellcats e a força de meu braço, para permitir os golpes de fuga no momento certo. Se esgotasse o combustível dos Hellcats, eles teriam de retornar aos seus porta-aviões.
Olhei o indicador de velocidade do ar. Quase 560 Km/h, o melhor que um Zero podia dar.
Precisa de resistência não só para o braço. O caça também tinha seus limites. Eu temia pelas asas, pois elas estavam se dobrando muito sob a violência das repetidas manobras que vinha aplicando para escapar. Havia o risco de fadiga do material que, se se verificasse, poderia fazer com que se soltassem as asas do Zero, mas eu tinha de continuar voando, de forçar o avião nos rolamentos evasivos ou aceitar a morte.
O altímetro estava no zero e o oceano, logo abaixo do meu avião. Mantenha as asas levantadas, Sakai, ou elas acabarão por bater numa onda. Onde começara a luta? A 4.200 m de altitude. Mais de 4 Km de glissagens e rolamentos para escapar às traçadoras, descendo cada vez mais. Agora, não tinha mais altitude alguma. Mas os Hellcats não podiam mais fazer suas corridas de tiro como antes. Não podiam mergulhar, pois não lhes sobraria espaço para sair do mergulho. Eles tentariam outra coisa, o que me dava alguns momentos. Segurei o manche com a mão esquerda, sacudi a direita com força. Doeu.
Tudo doía, e a dormência era cada vez maior.
Lá vêm eles, saindo do anel. Estão cautelosos, agora, receosos do que eu possa fazer de repente. Será difícil sair do caminho? Glisse para a esquerda, cuidado... as traçadoras. Elas fazem levantar borrifos de água e espuma. Aí vem outro. Quantas vezes me atacaram? Perdi a conta. Quando é que desistirão? O combustível deles DEVE estar acabando!
Mas eu não podia mais rolar direito. Meus braços começavam a ceder à fadiga. Não tinha mais tato. Em vez de um movimento de rolamento rápido e fechado, o Zero fez um curva oval, malfeita, que aumentava a cada manobra. Os Hellcats perceberam o que se passava e forçaram os ataques, agora mais arrojados. Suas passagens eram tão rápidas, que eu mal podia respirar. Não conseguiria manter esse ritmo por mais tempo. Tenho que escapar! Saí de outro rolamento para a esquerda, empurrei a barra do leme à esquerda e puxei o manche todo para a esquerda. O Zero respondeu com firmeza e eu atirei contra um caça, para abrir caminho, e subi. Os Hellcats ficaram por instantes confusos e saíram, a seguir, em minha perseguição. Procurei escapar, mergulhando e voltei à superfície do mar.
Metade dos aviões formou uma barricada acima de mim, enquanto os outros, a vomitar balas, vinham à minha retaguarda. Os Hellcats eram velozes demais. Em poucos segundos, eu estava ao alcance de suas balas. Continuei rápido para a direita, sem parar, forçando o Zero, que sacudia a cada manobra. À esquerda, esguichos de água pontilhavam o mar, marcando os pontos em que batiam as traçadoras, que por pouco não me acertavam.
Eles recusavam-se a desistir. Os caças que estavam acima de mim saíram em minha perseguição, tentando antecipar-se aos meus movimentos, nos mergulhos que faziam, enquanto que, os que deslizavam atrás de mim, não paravam de disparar. Mal podendo mover pernas e braços, parecia-me difícil escapar. Eu continuava voando baixo e seria apenas questão de minutos, quando eu seria lento em acionar o manche. Por que esperar pelo abraço da morte, correndo como um covarde? Puxei o manche todo para trás, as mãos quase tocando o estômago. O Zero subiu ruidosamente e, a apenas 100 m à minha frente, estava o Hellcat com o piloto, à minha procura. Os caças que vinham atrás de mim já se preparavam para atacar de novo. Não importava o número deles. Só queria aquele caça. O Hellcat tremeu loucamente para fugir. Agora! Apertei o gatilho, numa rajada de traçadoras. Meus braços estavam dormentes demais. O Zero vibrou todo e o Hellcat rolou abruptamente e subiu, em fuga.
O loop ajudara. Os outros caças sobrevoavam o local, confusos. Tornei a subir para fugir. Os Hellcats estavam atrás de mim. Os idiotas estavam disparando de uma distância de 500 m. Desperdicem a munição, vamos, desperdicem-na, gritei. Mas eles eram tão velozes! As traçadoras passaram perto das minhas asas e eu rolei desesperadamente.
Iwo Jima apareceu de repente lá embaixo. Sacudi as asas, esperando que os artilheiros em terra vissem as marcas vermelhas. Foi um erro; a manobra reduziu-me a velocidade e os Hellcats estavam novamente em cima de mim. Onde estava o fogo antiaéreo? O que estava acontecendo com os homens na ilha? Atirem, idiotas, vamos!
Iwo irrompeu em chamas. Clarões cortavam a ilha. Eles estavam disparando todos os canhões, vomitando traçadoras para o alto. As explosões sacudiram o Zero. Rolos de fumaça apareceram no ar, no meio dos Hellcats. Eles fizeram uma curva fechada e mergulharam para sair do alcance das armas.
Eu continuava à toda. Apavorado, não parava de olhar para trás, temeroso de que eles voltassem, de que, a qualquer momento, suas traçadoras me varassem a carlinga e me jogassem no chão. Passei por Iwo Jima, empurrei o afogador, forçando ao avião a voar mais depressa, encaminhando-me rapidamente para uma gigantesca nuvem cúmulos, bem no alto. Não me importavam as correntes de ar, só queria escapar daqueles caças e mergulhei nela a grande velocidade.
Um punho tremendo pareceu agarrar o Zero e sacudi-lo em todas as direções. Não havia nada a não ser clarões vívidos dos relâmpagos. Depois, trevas. Perdera o controle. O Zero mergulhou e empinou-se. Ele estava de cabeça para baixo, caindo; rolou depois sobre as asas e começou a subir de ré. Consegui sair. A tempestade que varria o interior da nuvem cuspiu o Zero com uma sacudidela violenta. Eu estava de cabeça para baixo e recuperei o controle a menos de 500 metros. Bem aos sul, vislumbrei os 15 Hellcats voltando para seu porta-aviões. Era inacreditável que tudo tivesse terminado e que eu ainda estivesse vivo. Desejava desesperadamente aterrissar; sentir terra firme sob os pés...
muito bom a materia.. que deus preserve o valente piloto jose fernandes
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